Nesta quarta-feira, dia 4 de dezembro, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, assinaram a homologação da Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor, na Paraíba, e das Terras Indígenas Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, em Santa Catarina. A demarcação de mais três territórios é uma vitória para os povos originários, apesar da inconsistência e o adiamento da discussão sobre a demarcação de terras indígenas no país para fevereiro de 2025. Em dezembro de 2023, o Congresso aprovou o PL instituindo o marco temporal, contrariando os princípios constitucionais que balizaram a decisão do STF em setembro de 2023, quando já havia enterrado a tese, por 9×2, ao instituir uma jurisprudência favorável aos indígenas Xokleng do território Ibirama-La Klãnõ, em José Boiteux, Santa Catarina. Nos últimos dois anos, 13 terras indígenas foram homologadas pelo Governo Federal, ultrapassando o número de 11 territórios homologados na década anterior
A Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor, situada nos municípios de Rio Tinto e Marcação, na Paraíba, ocupa uma área de 7.530 hectares e é lar de 5.799 indígenas do povo Potiguara. A Terra Indígena Morro dos Cavalos, localizada em Palhoça, no estado de Santa Catarina, possui 1.983 hectares e abriga 200 indígenas dos povos Guarani Mbyá e Nhandeva. Já a Terra Indígena Toldo Imbu, também em Santa Catarina, na cidade de Abelardo Luz, tem 1.960 hectares e é habitada por 731 indígenas do povo Kaingang. Agora, estes três territórios foram devidamente demarcados, reconhecendo o direito dos povos originários e contribuindo para a preservação ambiental.
Durante assinatura, o presidente Lula destacou a necessidade de garantir políticas públicas para a região e outros territórios dos povos originários – Foto: Ricardo Stuckert/PR
A demarcação de terras indígenas ocorre quando o Estado reconhece oficialmente os territórios ocupados tradicionalmente pelos povos indígenas, garantidos pela Constituição de 1988. Por outro lado, a inconstitucionalidade do marco temporal é uma tese que limita esse direito, defendendo que apenas as terras que estavam sob posse ou disputa indígena desde a promulgação da Constituição podem ser demarcadas, excluindo, dessa forma, as terras ocupadas ou reivindicadas após essa data. Esse cenário restringe os direitos territoriais dos povos originários, pois desconsidera suas ocupações tradicionais, prejudicando os processos de demarcação que já estão em andamento.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, afirma que há situações preocupantes com invasões mesmo em áreas demarcadas – Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Muitas vezes, as terras indígenas que já foram demarcadas são invadidas por ocupantes de forma ilegal. A desintrusão é o processo em que o governo retira pessoas que ocupam ilegalmente áreas indígenas. O Ministério dos Povos Indígenas tem uma lista de áreas que não estão judicializadas, mas que também têm urgência para que desintrusões sejam feitas. No total, cinco desintrusões já foram concretizadas.
Durante o encontro desta quarta-feira, 4 de dezembro, as lideranças declararam que não deve haver polêmica se as terras são ou não da comunidade indígena, uma vez que as decisões são baseadas nos estudos de profissionais da antropologia, colocando um ponto final a uma longa controvérsia. Além disso, a importância dessa decisão para a preservação ambiental também foi destacada. O conhecimento ancestral sobre plantas, animais e ciclos naturais é transmitido de geração em geração. Esse saber é muito importante para a sobrevivência e adaptação às mudanças do ambiente.
Apesar das pressões externas, como a exploração econômica e a destruição ambiental, muitos povos indígenas mantêm sua ligação com a natureza, adaptando-se e resistindo para preservar suas culturas e o meio ambiente
Em um cenário que uma a cada três árvores corre perigo de extinção, é necessário que todos reconheçam a importância dos povos indígenas na contribuição da biodiversidade, uma vez que eles constroem nas aldeias um repertório de luta pela proteção das florestas. Garantir o direito de demarcação de terras indígenas é indispensável para que as comunidades originárias continuem o legado de proteção da natureza nos próximos anos.
A inconstitucionalidade do marco temporal
Em 2023, o STF decidiu derrubar a tese do marco temporal com um placar de 9 a 2 em favor dos povos indígenas. Limitar os direitos dos povos indígenas à data da promulgação da Constituição de 88 é uma agressão aos povos originários e uma ilegalidade constitucional, por isso o STF não aceitou esta tese do marco temporal.
Em dezembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou um Projeto de Lei que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, contrariando a decisão do STF tomada em setembro do mesmo ano. Nessa decisão, o STF deu ganho de causa ao povo Xokleng, de José Boiteux, em Santa Catarina, em um caso contra o Estado que queria retomar uma área indígena.
O STF, ao decidir a favor dos Xokleng, o STF reconheceu que as terras pertencem aos povos indígenas por sua história e ancestralidade, sem a necessidade de um marco temporal. Logo, a decisão do STF foi vista como uma derrota para a tese do marco temporal, pois deixou claro que os povos indígenas têm direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independentemente da data de ocupação.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Apesar disso, o Congresso, ao aprovar o Projeto de Lei em dezembro, desconsiderou essa decisão do STF e tentou instituir o marco temporal por meio da legislação, o que ameaça os direitos territoriais dos povos indígenas. A Lei 14.701, sancionada em outubro de 2023, teve um veto parcial do presidente para se alinhar à decisão do STF, mas isso foi rejeitado pelo Congresso.
Em 22 de abril de 2024, o ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos judiciais relacionados ao tema até que o STF tome uma decisão final. Contudo, essa suspensão não se aplica aos processos administrativos de demarcação de terras indígenas. A tensão entre os direitos indígenas e os proprietários de terras ainda é um assunto delicado e muito debatido no país.
Brasília (DF), 30/08/2023, Manifestação de Indígenas contra o marco temporal, na Esplanada dos Ministérios. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
De acordo com o próprio ministro Gilmar Mendes, a principal preocupação não seria a existência de um marco temporal, mas a criação de garantias jurídicas, como a rapidez na solução do processo, a saída dos ocupantes apenas após a indenização e o pagamento de valores compatíveis com o mercado. As discussões começaram em 5 de agosto e estavam previstas para durarem até o dia 18 de dezembro, mas, por decisão do ministro Mendes, a mesa de conciliação foi prorrogada para fevereiro de 2025.
Durante a assinatura da demarcação das três terras indígenas, nesta quarta-feira (4), as lideranças indígenas lembraram da promessa feita no momento da transição de governos, em 2022, quando a equipe elencou 14 terras que estavam prontas para a homologação. A terra indígena Potiguara de Monte-Mor foi a 13ª da lista daquelas previamente escolhidas. A ideia é que, até o final do ano, a meta seja alcançada em 100%.