Foto: Sérgio Lima/Poder360
Segundo lideranças indígenas, nesta terça-feira, 15 de abril, apenas quatro dias antes do Dia dos Povos Indígenas, celebrado no dia 19 de abril, os povos originários que moram na Aldeia Teko Haw, no Santuário dos Pajés, localizado no Setor Noroeste de Brasília-DF, foram atacados pela Polícia Militar do Distrito Federal com bombas de gás lacrimogêneo e tiros de bala de borracha. O confronto ocorreu durante uma operação de desocupação de área pública no Setor Noroeste para o cumprimento de uma decisão judicial. A desembargadora Kátia Balbino, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, determinou a desocupação desta área no Noroeste, Distrito Federal. Em sua decisão, ela autorizou a Terracap, a empresa pública responsável pela gestão de terras na região, a tomar “providências para coibir novas ocupações irregulares na região e dar continuidade nas obras de infraestrutura do setor”. A área em questão é lar das famílias indígenas dos povos Bororó, Xukuru e Fulni-ô, que não estão incluídas no acordo de demarcação e resistem para defender o território que vivem, também localizado no Setor Noroeste
A Terra Indígena Bananal, conhecida como Santuário dos Pajés, no Setor Noroeste, é um território ancestral habitado por 380 indígenas de várias etnias. Mesmo com os povos originários ocupando a região desde antes da construção de Brasília, por ser localizada em uma área nobre da capital brasiliense, o lugar é alvo de disputa de imobiliárias e empresários que têm interesse econômico em construir mais imóveis neste local. Após o respaldo da decisão judicial, a operação de desocupação do Governo do Distrito Federal, GDF, feita pela Agência de Desenvolvimento, a Terracap, e pela Polícia Militar do Distrito Federal, PMDF, foi retomada nesta terça-feira, 15 de abril.
Uma liderança indígena relatou que os policiais agiram com brutalidade, sem qualquer aviso ou tentativa de diálogo. Segundo ele, chegaram lançando bombas e disparando, transformando o local em um mar de fumaça, mesmo com a presença de crianças. Havia spray de pimenta por toda parte, e muitas pessoas ainda estavam tossindo horas depois. A maioria ficou ferida, com sensação de queimadura interna devido ao gás lacrimogêneo.

Anteriormente, no dia 7 de fevereiro, a Polícia Militar do Distrito Federal realizou a retomada de uma área no Setor Noroeste de Brasília, após decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que autorizou a atuação da Terracap na região e o controle do território por forças de segurança. No dia 27 de fevereiro, a Terracap iniciou a abertura de um trecho viário na quadra 308 do setor, o que envolveu a retirada de parte da vegetação do Cerrado.
Ainda no dia 27, indígenas dos povos Bororó, Xukuru e Fulni-ô, incluindo crianças, grávidas e idosos, realizaram um protesto contra o desmatamento promovido pela empresa. Durante a manifestação, foram atingidos com spray de pimenta, gerando denúncias de violência e abuso policial.

No dia seguinte, 28 de fevereiro, a Justiça Federal confirmou uma liminar, assinada pelo juiz federal substituto Anderson Santos da Silva, da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, que impedia a remoção das famílias indígenas da área do Noroeste.
Em nota, a Terracap afirmou que, de acordo com um laudo de vistoria realizado em março, o imóvel localizado na quadra 707 do Noroeste está desocupado, sem a presença de moradores ou de comunidades indígenas. A empresa também informou que a decisão judicial que determinou a desocupação teve como base imagens aéreas que confirmaram a ausência de ocupações habitacionais na área. Por outro lado, lideranças indígenas lembraram que existe uma liminar que impede a desapropriação da área.
A PMDF informou que tentaram negociar com os manifestantes indígenas, mas que a comunidade não aceitou a ordem de retirada: “Após resistência e arremesso de pedras contra os policiais, foi necessária a atuação do Batalhão de Choque e da Cavalaria para dispersão, usando técnicas de controle de distúrbios. Não houve registro de feridos”, explica nota da PMDF.

Setor Noroeste de Brasília-DF – Foto: Reprodução
Histórico da disputa por terras do Noroeste-DF
A disputa por terras do território indígena do Santuário dos Pajés, no Noroeste do Distrito Federal, é antiga e ocorre desde quando os indígenas Fulni-ô, vindos de Águas Belas-PE, chegaram a Brasília em 1957 para trabalhar na construção da capital. Durante esse período, eles se abrigaram nas matas do Cerrado para realizar suas práticas religiosas e manter suas tradições sagradas. Com o passar dos anos, outros povos indígenas se mudaram para o Noroeste. Por outro lado, os conflitos se intensificaram em 1990, quando surgiu o interesse econômico de empresários em construir mais prédios na região. Enquanto as comunidades indígenas reivindicam a área como sagrada e tradicional, as construtoras querem investir em mais obras no local, desmatando a vegetação nativa e prejudicando diretamente os povos originários do Noroeste.

Área de 32 hectares concedida aos indígenas da etnia Fulni-ô Tapuya — Foto: TV Globo/Reprodução
Depois de muitos conflitos, incluindo o incêndio de três casas indígenas e diversos protestos, a Justiça Federal decidiu, em 14 de novembro de 2013, que os indígenas poderiam permanecer na área, reconhecendo o Santuário dos Pajés como terra indígena. Em 2018, a Terracap e a comunidade indígena do Santuário dos Pajés assinaram um acordo que delimitou a área a ser usada pelos indígenas, uma área de 32 hectares de uso exclusivo e permanente da comunidade indígena da etnia Fulni-ô Tapuya. Em 2019, a Terracap firmou um acordo para realocar os indígenas Kariri-Xocó e Tuxá em uma área de 14 hectares, perto do Setor Noroeste. Nesse local, seria criada a Reserva Indígena Kariri-Xocó e Tuxá do Bananal-DF. No entanto, outros povos indígenas não foram incluídos no acordo. Por essa razão, os povos Bororó, Xukuru e Fulni-ô ainda resistem para defender o território que vivem e temem a derrubada de suas próprias casas.

Indígenas da comunidade Boe Bororo da Aldeia Areme Eia nos entulhos da vegetação derrubada pelos tratores da Terracap, no Noroeste – Foto: Divulgação Comunidade Boe Bororo
Enquanto os indígenas buscam alternativas para garantir a permanência e a sobrevivência das famílias na região Noroeste de Brasília, apoiadores dos povos originários como a CONAFER, divulgam este conflito enfrentado pela comunidade indígena na região, por meio de reportagens publicadas no site da Confederação e no YouTube da TV CONAFER.

A equipe da SEPOCS fez a doações de alimentos para a ceia de natal de famílias indígenas do DF. Na foto, o povo Bororó, do Noroeste-DF
A Secretaria Nacional de Povos, Comunidades Tradicionais e Política Social da CONAFER, a SEPOCS, ajuda de forma permanente os povos indígenas que vivem no setor Noroeste de Brasília e já fez a entrega de doações nestas aldeias, como cestas básicas e hortaliças, por exemplo, beneficiando os povos Guajajara, Teko Haw e Bororó. A CONAFER segue apoiando o marco ancestral contra a inconstitucionalidade do marco temporal, pois defende os direitos indígenas e acredita que as aldeias são reservas naturais de conservação do meio ambiente.