Por Cleyton Calisto
Com uma área um pouco menor de 800 km² e quase 3500 habitantes (IBGE, 2012), Trombas aparenta ser só mais um município do Goiás, mas seu passado mostra uma história de lutas intensas por terras e direitos. A história começa na década de 40 quando são criados diversos incentivos governamentais para ocupação de terras, principalmente com o objetivo de distensionar e espalhar o problema fundiário da época, sendo o município de Ceres um importante foco dessa política.
Ao chegar no limite da proposta de povoamento em Ceres, o programa de Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG) direciona diversas famílias para as regiões vizinhas, como Formoso e Trombas, atendendo a uma demanda da própria população.
Nos próximos anos, com o início das construções da Rodovia Belém-Brasília e a projeção de mudança da capital federal para menos de 300 km de Formoso e Trombas, a região se torna palco de especulação imobiliária. Surgem então juízes, militares, grandes latifundiários e até mesmo grandes empresas (como mineradoras) interessadas nessas terras para exploração predatória. Esses atores, agindo por vezes em conjunto, dão início ao processo de desapropriação e grilagem em desfavor das famílias viventes dessas terras.
Para garantir a execução das grilagens, existia uma vaquinha coletiva cujo dinheiro era direcionado à jagunços, os incentivando a ameaçar, maltratar, torturar e matar posseiros e posseiras. Enquanto trabalhadores agrícolas ganhavam 5 cruzeiros ao dia, jagunços recebiam até 100 cruzeiros pelo mesmo período de trabalho. A boa remuneração aliada à pouca prosperidade da região começa a transformar posseiros em jagunços, colocando familias contra famílias.
Os conflitos se tornam ainda mais intensos quando um posseiro decide reagir e atirar de volta, acertando um policial no braço e matando um sargento. Pouco tempo depois um batalhão da Polícia Militar se move até o município vizinho e lá fica preparado para invadir Trombas. Após muita pressão à administração pública e ao governo o batalhão é retirado e o poder público abandona a região.
O abandono do poder público faz essas famílias se verem na necessidade de organizarem-se entre si, surgindo diversos círculos de apoio e deliberação. Esses círculos mapeavam as terras, as pessoas necessitadas e se pensava coletivamente em estratégias para lidar com conflitos e problemas. Em 4 anos a região se torna conhecida pela solidariedade entre as famílias e também pela queda de abusos e violências para praticamente zero.
“Foi a primeira vez que nós comemorou uma vitória. Cada qual podia agora ‘cuidá’ da sua terra, ‘plantá’ e ‘colhê’. O sistema de mutirão foi muito incentivado. E a traição também. A traição era uma brincadeira que a gente tirava com os companheiros chegante ou em dificuldade, que por qualquer motivo não tava dando conta de tirar a produção para a família. A traição era uma forma alegre e solidária de união dos posseiros.”. Como conta um dos posseiros.
“Os mutirões, que já eram frequentes, resultaram numa nova forma de ação solidária, chamada “traição”: o apoio aos posseiros que chegavam e àqueles que enfrentavam dificuldades de plantio e colheita. O caráter organizacional entre a Associação de Lavradores e os Conselhos de Córregos, já existentes na primeira fase (1955-1957), foi um elo extremamente importante na unificação da luta. Essa organização teve, na segunda fase, de ser dinamizada e reestruturada para adaptar-se à nova situação, atingindo um impulso considerável, que perdurou até 1964.” *Trecho retirado do artigo “Formoso e Trombas: a luta do partido e dos posseiros”, que conta melhor a história da região
A autogestão do território chamou novamente a atenção e não podendo mais ignorá-la ou negligenciá-la, o poder público brasileiro passa a fazer investimentos em infraestrutura, como estradas e escolas.
A região chega a lançar e eleger a candidatura do primeiro deputado estadual camponês do Brasil: José Porfírio, em 1963. O poder paralelo e autogestionado se manteve firme e próspero até os anos 70, quando o governo militar da época forja um documento afirmando que Trombas estava aliada à União Soviética. Com base nisso, os militares matam e prendem diversas posseiras e posseiros, desarticulando os círculos e desmobilizando a região. A ação dos militares faz Trombas perder seu caráter autogestionado e voltar a fazer parte da administração pública brasileira.
A lição que fica é que podemos realizar algo assim, basta lutar e resistir!
Baseado no capítulo: “Trombas: um ensaio revolucionário”, de Paulo Ribeiro da Cunha. Do livro: Lutas Camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas.