No Brasil, os direitos agrários referem-se aos direitos relacionados à posse, uso e exploração da terra rural. Esses direitos são regulamentados por legislações específicas e têm o objetivo de promover a justiça social no campo, proteger o meio ambiente e garantir o desenvolvimento sustentável da agricultura. Nós, agricultores familiares, enfrentamos desafios históricos relacionados ao acesso à terra e à proteção dos nossos direitos de propriedade. Neste contexto, é importante que o estado garanta e ofereça um arcabouço legal que busque assegurar a segurança jurídica das propriedades rurais. Para a CONAFER, toda proposta de Reforma Agrária deve preservar a autonomia e a identidade dos pequenos agricultores, permitindo a segurança jurídica, facilitando o acesso ao crédito e libertando economicamente camponeses, pecuaristas, pescadores, extrativistas, indígenas, quilombolas, posseiros, ribeirinhos, assentados e acampados

Assegurar os direitos agrários é buscar o equilíbrio entre os interesses da propriedade privada e do Estado, estabelecendo bases legais para a resolução de disputas relacionadas à terra e definindo as penalidades para a violação desses direitos. Por isso, é importante conhecer as leis, bases e fundamentos dos direitos à propriedade privada, neste caso, as áreas agricultáveis do país.

Em 1964, o Estatuto da Terra

Um marco no direito à terra é o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), que estabelece normas gerais sobre a política agrícola e fundiária. A legislação estabelece que é dever do Estado promover a justa distribuição da terra, assegurando o acesso dos agricultores familiares à propriedade rural. Isso inclui medidas como a criação e fortalecimento de programas de reforma agrária, a regularização fundiária de assentamentos e a implementação de políticas de incentivo à permanência e sucessão familiar nas propriedades rurais.

A legislação também estabelece que o Estado implemente políticas e programas de apoio à agricultura familiar, melhorando as condições de vida e trabalho no campo, incluindo o acesso ao crédito rural, assistência técnica, capacitação, comercialização e incentivos à produção agroecológica e sustentável. 

Quilombolas, Indígenas e Assentados

No caso dos povos indígenas, a Constituição Federal reconhece sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles. A demarcação e a proteção das terras indígenas são regulamentadas pela Lei nº 6.001/1973, conhecida como Estatuto do Índio, e pela Lei nº 9.010/1995, que estabelece procedimentos para demarcação das terras indígenas.

Os quilombolas, por sua vez, têm seu direito reconhecido por meio da Constituição Federal que reconhece à propriedade das comunidades remanescentes de quilombos, entendidos como grupos etnorraciais que se autodefinem como descendentes de escravos. A titulação e a regularização das terras quilombolas são regidas pelo Decreto nº 4.887/2003,  que identifica, reconhece, delimita, demarca e titula terras ocupadas por essas comunidades. A Lei de proteção dos direitos da propriedade no Brasil também inclui disposições específicas para os assentados, ou seja, famílias beneficiadas pela reforma agrária e que receberam terras para cultivo e moradia. Uma das principais leis que aborda os seus direitos é a Lei nº 8.629/1993, conhecida como a Lei de Reforma Agrária.

A Lei de Reforma Agrária reconhece o direito de propriedade dos assentados sobre as terras que lhes foram destinadas, embora essa propriedade geralmente seja de natureza coletiva ou familiar. Essa lei garante o direito de usufruir, explorar e herdar a terra, bem como de desenvolver atividades agrícolas, pecuárias e agroindustriais. Também é importante mencionar a existência de leis e políticas para a proteção do meio ambiente no contexto agrário, como o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que estabelece regras para a conservação e uso sustentável das áreas de preservação permanente e de reserva legal.

Lei de Proteção dos Direitos de Propriedade

A Lei de Proteção dos Direitos de Propriedade foi criada para garantir a segurança jurídica e a proteção dos direitos de propriedade. Essa lei abrange a proteção aos direitos de propriedade concreta e intelectual dos agricultores familiares, ou seja, permite que o agricultor utilize, venda ou reproduza suas criações agrícolas de forma respaldada. Ela garante a segurança e a estabilidade da posse de suas terras, protegendo-os contra invasões e ocupações ilegais que poderiam ameaçar sua produção e subsistência. Além disso, oferece mecanismos legais para resolver disputas relacionadas à propriedade, auxiliando o agricultor familiar na resolução de questões como demarcação de terras, herança e conflitos de vizinhança.

Desafios e perspectivas

A implementação efetiva da legislação, a regularização e a promoção das políticas públicas adequadas são essenciais para garantir o pleno cumprimento dos direitos de propriedade da agricultura familiar. 

Conflitos acerca do uso da terra são uma realidade complexa e desafiadora, envolvendo diversos atores e interesses. Muitas áreas rurais no Brasil não possuem títulos de propriedade claros, abrindo espaço para disputas e invasões de terras por diferentes grupos. A falta de segurança jurídica agrava os conflitos e dificulta a resolução pacífica dessas disputas.

O governo brasileiro busca implementar políticas e legislações para lidar com esses conflitos. No entanto, a efetividade dessas medidas pode variar e a resolução dos conflitos muitas vezes requer um diálogo aberto e inclusivo entre os diferentes grupos envolvidos, além de um compromisso com a justiça social e ambiental. É fundamental ressaltar que os direitos agrários no Brasil são um tema complexo e que a implementação efetiva dessas leis nem sempre é garantida. O acesso à terra, a distribuição justa de recursos e a proteção dos trabalhadores rurais continuam sendo desafios a serem enfrentados para alcançar uma estrutura agrária mais equitativa e sustentável.

Contratos agrários para a proteção dos direitos das empresas

Os contratos agrários são acordos de vontade que visam adquirir, proteger, modificar ou extinguir direitos relacionados à produtividade da terra. Os principais contratos agrários típicos são o contrato de arrendamento rural e o contrato de parceria rural, ambos regulamentados pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964), especificamente pelos artigos 92 a 96, além do artigo 13 da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, que estabelece normas sobre o direito agrário e trata dos pressupostos para a existência dos contratos agrários.

Além das leis específicas, o Código Civil de 2002 também contém disposições importantes, especialmente em relação ao instituto da função social do contrato, que tem um impacto significativo na formação das relações agrárias autônomas e na harmonização dessas relações com a sociedade, considerando o interesse estatal e privado na proteção da propriedade rural. O imóvel rural é o objeto principal dos contratos agrários, que podem ter como finalidade a posse ou o uso temporário da terra. Esses contratos podem ser firmados entre o proprietário, aquele que detém a posse ou a administração livre do imóvel, e aquele que exerce ou deseja exercer atividades agrícolas, pecuárias, agroindustriais, extrativas ou mistas, conforme previsto no artigo 1º do Decreto nº 59.566.

Para garantir uma maior segurança jurídica para as partes envolvidas na relação contratual, é essencial que os contratos agrários observem as obrigações e os regulamentos específicos de cada tipo de contrato, estabelecidos principalmente pelo Estatuto da Terra. Isso ocorre porque essas relações podem ser fiscalizadas e controladas pelo INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, estando sujeitas a penalidades severas em caso de não conformidade com as disposições legais.

Além da possibilidade de fiscalização, a conformidade legal dos contratos é importante para garantir que as partes atendam aos direitos mínimos estabelecidos por lei, como prazos mínimos legais, regras para conservação dos recursos naturais e uso adequado da terra, bem como disposições que regulam as relações de trabalho, entre outros.  

É importante ressaltar que a Lei Federal 5.709/1971, regulamentada pelo Decreto 74.965/1974, e as Instruções Normativas nº 88/2017 e 94/2018 do INCRA estabelecem restrições ao arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros. Essas restrições também se aplicam a empresas jurídicas brasileiras nas quais pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas possuam a maioria do capital social e tenham residência ou sede no exterior. Essas empresas devem obter autorização do INCRA para o arrendamento de imóveis rurais, conforme previsto na legislação.

Portanto, é de extrema importância que os contratos agrários sejam bem estruturados e analisados, especialmente com o apoio de assessorias especializadas, a fim de salvaguardar e proteger os interesses das partes, garantindo também sua conformidade com a legislação vigente. Isso garante que a finalidade contratual seja alcançada sem interrupções decorrentes de irregularidades e evita que a empresa esteja sujeita a penalidades por não cumprimento da legislação.

Um histórico de lutas e genocídios

Mesmo que política pública de democratização de acesso à terra no Brasil tenha introduzido mudanças profundas no modo como o direito tratava a relação do homem com a terra, e ao condicionar a apropriação individual deste bem ao cumprimento de sua função social, ainda estamos longe de ter todos os agricultores familiares trabalhando em sua própria terra. Na história da regularização fundiária, a ausência de um processo de seleção, permanência e titulação da terra já causou muitos danos ao Brasil e uma imensa mancha de sangue. Até aqui os conflitos no campo já ceifaram milhares de vidas, provocaram a destruição do meio ambiente e produziram um atraso de décadas no desenvolvimento da nossa infraestrutura agrária.

O marco temporal é uma interpretação defendida pelos interessados na exploração das TIs que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. Com ele, os indígenas só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição

A luta política pela democratização do acesso à terra realizada pelos trabalhadores rurais com pouca ou nenhuma terra é longa e teve papel fundamental na incorporação pelos governos democráticos da Reforma Agrária como política de Estado. Dados do IBGE de 2017 apontam que 84% das propriedades rurais são de pequenos agricultores familiares e 77% dos trabalhadores do campo trabalham em pequenas propriedades. Portanto, a agricultura familiar é uma das molas propulsoras da nossa economia, sendo responsável por mais de 10% do PIB brasileiro. A regularização das propriedades de pequenos agricultores é uma necessidade para se garantir o desenvolvimento ainda maior deste importante segmento econômico. Com a regularização fundiária, a agricultura familiar brasileira ganha autonomia e liberdade para escolher o modelo de desenvolvimento mais adequado à preservação da vida e à garantia da segurança alimentar.

A CONAFER e a regularização fundiária

A entidade trabalha em defesa dos agricultores familiares e acredita que a regularização fundiária vai transformar um grande número de pequenas propriedades, permitindo seu acesso a um grande sistema produtivo, amparadas em ações de sustentabilidade e no protagonismo de quem irá empreender nelas. Ao contrário da política de regularização fundiária que promoveu um estado de subsistência de milhões de agricultores dependentes de políticas públicas, queremos mudar esta realidade financiando o próprio desenvolvimento dos agricultores, o que inclui a posse definitiva da terra, como alternativa às políticas de estado.

A CONAFER surgiu na história do campesinato como uma força deste movimento, atuando em suas bases como entidade defensora da autonomia do agricultor e das suas liberdades individuais, atuando na questão da terra por meio de uma agenda política, dialogando com todos os segmentos econômicos. Ao defender a regularização da terra, o empreendedorismo do pequeno agricultor e o modelo agroecológico, a Confederação posiciona-se como alternativa a este modelo de expansão latifundiária, de uso de agrotóxicos e da transgenia para aumentar a produção de alimentos. 

Trabalhamos de forma permanente pelo desenvolvimento de milhões de pequenos agricultores, buscando a implementação de programas de qualidade na produção sustentável e oferecendo regularização fundiária, apoio jurídico, assessoria e serviços de acesso ao crédito, contribuindo de forma decisiva para o futuro do empreendedorismo no campo. Assim, toda proposta de Reforma Agrária deve preservar a autonomia e a identidade dos pequenos agricultores, permitindo a segurança jurídica, facilitando o acesso ao crédito e libertando economicamente camponeses, pecuaristas, pescadores, extrativistas, indígenas, quilombolas, posseiros, ribeirinhos, assentados e acampados. É este o caminho para levar a agricultura familiar brasileira a um novo tempo no campo.

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