Um estudo da USP, Universidade de São Paulo, apresentou uma análise detalhada do DNA de 2,7 mil brasileiros e brasileiras, e o resultado joga luz sobre a herança genética de eventos traumáticos da história nacional, como a escravidão de 5 milhões de negros vindos da África e a redução de 6 milhões pra 1,7 milhão de indígenas, configurando-se em um genocídio de mais de 500 anos dos povos originários. Mas o que se imaginava, mesmo sem comprovação científica, é que muito mais do que os 1,7 milhão de indígenas do último censo do IBGE, temos hoje no Brasil mais de 27 milhões de pessoas carregando o DNA dos povos originários. A pesquisa da USP mostra a participação de brancos, negros e indígenas na composição da nossa ancestralidade: a europeia (com 60% de contribuição genética), seguida da africana (27%) e indígena (13%); além de uma contribuição asiática, de menor escala e mais localizada, comprovando que o Brasil é o país mais miscigenado do mundo, e que a nossa população indígena é 16 vezes maior do que se pensava, revelando que 27 milhões de brasileiros carregam ancestralidade indígena no DNA, reforçando os laços profundos que unem todos os povos do Brasil
Por décadas, a narrativa dominante sobre os povos indígenas no Brasil os colocava quase como uma presença distante — relegada a áreas específicas, isoladas, e frequentemente ignoradas nas grandes discussões nacionais. Mas uma pesquisa revolucionária conduzida por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) está mudando essa perspectiva de forma decisiva: o DNA da população brasileira carrega, de forma profunda e disseminada, a marca dos povos originários.

A partir do sequenciamento genético de 2.723 brasileiros de todas as regiões do País, o estudo revelou que 13% do DNA da população analisada é de origem indígena. Quando esse dado é projetado para os mais de 200 milhões de habitantes do Brasil, estima-se que cerca de 27 milhões de brasileiros tenham ancestralidade indígena direta — um número impressionante, que coloca a presença indígena em outro patamar de reconhecimento e visibilidade.
“É um dado muito poderoso. Ele mostra que os povos indígenas não apenas sobreviveram, mas estão presentes no corpo e na história de grande parte da população brasileira”, explica a geneticista Lygia Pereira, professora da USP e uma das coordenadoras do estudo. “A gente fala muito da violência histórica sofrida por essas populações — e ela existiu e foi brutal —, mas o que vemos aqui é que, biologicamente, os indígenas seguem vivos dentro de nós. Isso muda tudo.”

A partir do sequenciamento genético de 2.723 brasileiros de todas as regiões do País, o estudo revelou que 13% do DNA da população analisada é de origem indígena, ou seja, 27 milhões de brasileiros
Além da ancestralidade indígena, a pesquisa, publicada na prestigiada revista Science, também identificou 27% de contribuição genética africana e 60% europeia na população analisada. O trabalho ainda mostrou traços de ancestralidade asiática em regiões específicas do país. Esses dados foram obtidos por meio de uma análise em altíssima definição dos genomas, permitindo identificar quase nove milhões de variantes genéticas inéditas, jamais vistas em outras populações ao redor do mundo.
Mas entre todos os dados surpreendentes do estudo, um se destaca de forma simbólica: o DNA mitocondrial, que é herdado exclusivamente das mães, revelou uma predominância de ancestralidade indígena e africana. Isso significa que, ao longo da história do Brasil, foram principalmente as mulheres indígenas e africanas que transmitiram sua herança genética às gerações seguintes — uma evidência biológica das marcas da colonização, da resistência e da força dessas mulheres. “É como se o DNA contasse a história que os livros muitas vezes não narram com detalhes. Ele guarda a memória dos povos escravizados, das populações dizimadas, e também da construção de um novo povo, que é esse povo brasileiro, com uma mistura única no mundo”, diz Tábita Hünemeier, também coordenadora do estudo.

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
A descoberta de que milhões de brasileiros carregam ancestralidade indígena lança luz sobre a importância de reconhecermos e valorizarmos os povos originários não como parte do passado, mas como protagonistas do presente e do futuro. “Somos todos parentes”, como dizem os próprios povos indígenas — e agora, a ciência confirma isso com precisão genética.
A pesquisa faz parte do projeto DNA do Brasil, uma iniciativa lançada em 2019 e integrada ao programa Genomas Brasil, do Ministério da Saúde. Até agora, mais de 6 mil genomas já foram sequenciados, e a meta é chegar a 100 mil. A expectativa é que, com esses dados, seja possível não só compreender melhor nossa história, mas também desenvolver políticas públicas de saúde e pesquisas biomédicas que levem em conta a singularidade genética da população brasileira. Enquanto isso, o Brasil vai redescobrindo a si mesmo — não apenas pelas histórias contadas, mas também pelas histórias inscritas em cada célula de seu povo. E, ao que tudo indica, somos muito mais indígenas do que imaginávamos.
Com informações do jornal da USP, Universidade de São Paulo.