FONTE: ONU BR
Uma ideia simples — uma caderneta de quatro colunas para mulheres da agricultura familiar brasileira registrarem o quanto de sua produção é vendida, distribuída, trocada ou consumida — teve impactos positivos de longo alcance em suas vidas. A estratégia mudou a forma elas e seus parceiros valorizam sua própria produção, ajudando-os a se beneficiar de políticas governamentais destinadas à agricultura familiar.
“Aprender a ver nossa produção foi muito útil para nós”, disse a trabalhadora rural Janete Dantas. Ela registra o leite, os ovos, as galinhas, as frutas e os legumes produzidos na pequena propriedade que ela e a mãe administram perto de Itaóca, no estado de São Paulo, e o quanto isso contribui para a renda da família. “Quando fazemos os cálculos no final do mês, vemos o tamanho da nossa contribuição.”
As cadernetas fazem parte de uma revolução silenciosa que é impulsionada por grupos feministas de agropecuária que influenciaram os dados do censo governamental. Como resultado de sua pressão, o Censo Agropecuário 2017 do Brasil manteve uma pergunta sobre o gênero dos produtores agrícolas e conseguiu fornecer dados que mostram que o número de estabelecimentos administrados por mulheres subiu para 18,6%, com quase 1 milhão de mulheres envolvidas, de 12,7% há cerca de 11 anos.
O agronegócio é um pilar da economia brasileira, respondendo por quase um quarto do Produto Interno Bruto (PIB), com culturas como soja e café de fazendas industrializadas entre as exportações mais importantes do país. Mas o Brasil também tem milhões de agricultores e agricultoras familiares com um faturamento anual total de 55,2 bilhões de dólares por ano. Nesse setor, as mulheres desempenham um papel fundamental.
“Estamos aprendendo muito sobre a capacidade de produção das mulheres”, disse a coordenadora do Centro de Tecnologia Alternativa da Zona da Mata de Minas Gerais, Beth Cardoso. “Há pouca visibilidade e valor dado ao trabalho das mulheres nas áreas rurais”, completou. Com o Centro, ela ajudou a lançar uma versão anterior das cadernetas, em 2011. Dois anos depois, esse sistema se desenvolveu nas Cadernetas Agroecológicas (cadernos agroecológicos) cujo projeto está em andamento. Isso já se espalhou pelo Brasil e conta com centenas de mulheres participando.
O grupo Sempreviva Organização Feminista (SOF), de São Paulo, também participou do projeto de cadernetas e trabalha para tornar a importância das mulheres para a agricultura brasileira mais visível.
Em grande parte do Brasil rural, as mulheres cuidam de hortas domésticas, vendem ou trocam produtos e fornecem alimentos para suas famílias, afirmou a engenheira agrônoma da SOF Miriam Nobre. Mas o valor de sua produção passa despercebido, especialmente se o parceiro não for agricultor.
Isso mudou para Janete Dantas e sua mãe depois de passarem 18 meses preenchendo as cadernetas e compartilhando a experiência com outras mulheres. Janete trabalha até três horas por dia na pequena propriedade que ela e o marido, um motorista, compartilham com os pais. Sua mãe, Maria, 68 anos, trabalha seis horas por dia. Antes de participar do projeto, eles nunca haviam calculado o valor de seu trabalho e quanta comida colocava na mesa. “Vemos o quanto nós comemos e quanto vale o que produzimos”, declarou Janete. “Somos capazes de dar mais valor a isso.”
Projetos como esses permitiram que o governo conhecesse melhor o papel das mulheres na agricultura brasileira, algo que Nobre coloca no contexto mais amplo da luta pelos direitos das mulheres rurais na América Latina. “Eu vejo isso como parte da luta pelo reconhecimento do trabalho das mulheres”, declarou ela, “e pela maneira como as mulheres rurais garantem o sustento em suas comunidades”.
As mulheres também puderam usar as cadernetas para obter um documento chamado DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF), que permite que elas se beneficiem de financiamento para a agricultura familiar e participem de um programa governamental de aquisição de 30% de alimentos de pequenas propriedades familiares para merenda escolar.
As cadernetas ajudaram as mulheres nas áreas rurais a se verem de maneira diferente e forçaram os homens a valorizá-las. Em um país onde o progresso nos direitos das mulheres tem sido lento, essa é uma mudança importante. “Podemos ver mais empoderamento das mulheres, um aumento em sua autonomia a partir do momento em que elas podem ver sua própria produção”, disse Cardoso. “Parece simples, mas é fundamental [tirá-las] da subjugação.”
A Confederação da Agricultura Familiar