FONTE: National Geographic
“Na Amazônia não existe nada adaptado ao fogo.” E 10% das espécies animais do planeta vivem nas suas selvas.
Para os milhares de mamíferos, répteis, anfíbios e espécies de aves que vivem na Amazônia, o impacto dos incêndios pode surgir em duas fases: uma imediata e outra a longo prazo.
“Na Amazônia não existe nada adaptado ao fogo”, diz William Magnusson, investigador especializado na monitorização de biodiversidade no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus, no Brasil.
Em algumas florestas, os incêndios são essenciais para a manutenção de ecossistemas saudáveis. Os animais estão adaptados para lidar com essa situação e muitos até dependem disso para prosperar. Algumas aves, por exemplo, só nidificam em árvores queimadas e comem escaravelhos que infestam madeira queimada.
Mas na Amazônia é diferente.
Esta floresta tropical tem uma riqueza tão diversificada precisamente por não arder, diz Magnusson. Embora os incêndios possam acontecer de uma forma natural, geralmente têm uma escala reduzida e ardem ao nível do solo. E são rapidamente extintos pela chuva.
“Basicamente, é como se a Amazônia não ardesse há centenas ou milhares de milhões de anos”, diz Magnusson. Não é como na Austrália, por exemplo, onde o eucalipto poderia morrer sem os incêndios regulares. Nos últimos anos, os fogos provocados pelo homem na Amazónia têm vindo a aumentar, colocando em perigo todo o ecossistema. A floresta tropical não foi feita para tolerar o fogo.
Quais são os efeitos imediatos dos incêndios em animais individuais?
É provável que os incêndios estejam a causar “danos consideráveis à vida selvagem a curto prazo”, diz Mazeika Sullivan, professor na Escola do Ambiente e Recursos Naturais da Universidade Estadual do Ohio, que fez investigação de campo na Amazónia colombiana.
Geralmente, no meio dos fogos as opções dos animais são muito limitadas, diz Sullivan. Podem tentar esconder-se numa toca ou fugir para dentro de água. Mas nessa situação, muitos dos animais morrem devido às chamas, ao calor, ou à inalação de fumo, diz Sullivan.
“Os vencedores e vencidos são determinados de forma imediata. E num sistema inadaptado ao fogo, temos muito mais perdedores do que o normal.”
Alguns animais podem reagir melhor do que outros?
As espécies vulneráveis podem ficar ameaçadas ou extintas?
É difícil responder. O incêndio florestal na Amazônia é completamente diferente dos que testemunhamos nos EUA, na Europa ou na Austrália, onde conhecemos bem a distribuição das espécies, diz Magnusson. Não sabemos o suficiente sobre o alcance da maioria dos animais na floresta tropical para identificar as espécies ameaçadas.
Ainda assim, existem algumas espécies em condições preocupantes.
O macaco-de-titi, um macaco descoberto em 2011, só foi documentado numa parte do Brasil, no sul da Amazónia, que atualmente está a ser fustigada pelas chamas. Outro macaco recém-descoberto, o Saguinus fuscicollis, tem uma zona de alcance limitada no centro do Brasil – também ameaçada pela violência dos incêndios, diz Carlos César Durigan, diretor da Wildlife Conservation Society do Brasil. É possível que estas espécies sejam nativas de regiões específicas, diz Durigan. “Receio podermos estar a perder muitas destas espécies endémicas.”
E os animais aquáticos?
Como é que o rescaldo dos fogos pode afetar as espécies?
Esse será o segundo grande impacto. “Os efeitos a longo prazo serão muito provavelmente piores”, diz Sullivan. Todo o ecossistema das secções de queimadas da floresta tropical vai mudar. Por exemplo, o denso dossel da floresta amazónica impede que a luz do sol atinja o solo. Mas o fogo abre o dossel de uma só vez, deixando passar a luz – alterando substancialmente o fluxo de energia de todo o ecossistema. “Isso pode desencadear uma reação que afeta toda a cadeia alimentar.”
Sobreviver num ecossistema completamente modificado pode ser difícil para muitas espécies. Muitos anfíbios, por exemplo, têm peles camufladas com texturas que fazem lembrar cascas ou folhas de árvore, permitindo que se escondam no ambiente. “Mas os sapos, que de repente são forçados a viver num habitat de tonalidades diferentes, ficam expostos.”
E na Amazônia muitos dos animais são especialistas – espécies que evoluíram e se adaptaram para prosperar em habitats muito específicos. Os tucanos, por exemplo, comem frutos que os outros animais não conseguem ter acesso – os seus longos bicos ajudam-nos a alcançar buracos inacessíveis a outros animais. Um incêndio florestal que dizime os frutos dos quais estas aves dependem pode, em teoria, colocar uma população local de tucanos em risco. E também temos os macacos-aranha que vivem no dossel para evitar a competição ao nível do solo. “O que acontece quando perdemos o dossel?” pergunta Sullivan. “São forçados a viver noutras áreas com mais concorrência”.
Nas zonas de floresta queimada, os únicos “vencedores” serão provavelmente as aves de rapina e outros predadores, diz Sullivan, já que as áreas abertas podem facilitar a caça.
Existem outras consequências para os animais?
Magnusson está mais preocupado com as repercussões gerais da perda florestal.
“Sem a floresta tropical, perdemos 99% de todas as espécies.” Se estes incêndios só acontecessem uma vez, Magnusson não estaria particularmente preocupado, mas ele destaca as recentes alterações políticas no Brasil – “que encorajam a desflorestação”. Refere-se ao compromisso do presidente Jair Bolsonaro em abrir a Amazónia à exploração comercial. “A mensagem política é a de que vale tudo, pelo que qualquer pessoa pode fazer o que lhe apetecer.”
Os conservacionistas e cidadãos têm usado as redes sociais para difundir as suas preocupações. No dia 21 de agosto, a #PrayForAmazonas tornou-se na hashtag de maior destaque no Twitter. Muitos criticaram as políticas do governo de Bolsonaro. Outros expressaram a sua preocupação em relação à demanda global pela carne bovina – que incentiva uma limpeza acelerada das terras para a pecuária. Os ambientalistas também estão a alertar para as consequências que uma Amazónia em chamas – frequentemente chamada de pulmão do planeta – pode ter nas alterações climáticas. No dia 22 de agosto, a #PrayForAmazonas já tinha estimulado outra hashtag: #ActForAmazonas.
Existe uma área ao longo da fronteira sul da floresta amazônica, nos estados brasileiros do Pará, Mato Grosso e Rondônia, chamada “arco do desflorestamento”. Nessa zona, o incêndio está a empurrar o limite da floresta para norte, mudando possivelmente a fronteira para sempre.
“Sabemos muito pouco sobre esta região. Podemos até perder espécies que nem sabíamos que existiam.”
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