Foi a luta dos Xokleng na Suprema Corte, em Brasília, que acabou com a tese do marco temporal. Com o fim do julgamento que já durava 9 anos, o STF deu ganho de causa aos Xokleng para a permanência em suas terras ancestrais, provando ser um povo guerreiro, solidário e resiliente. Agora, eles precisam da solidariedade de quem defende as causas indígenas e as questões humanitárias. Por causa das cheias do Rio Itajaí e da abertura das comportas da maior barragem do Estado, localizada em José Boiteux, no Vale do Itajaí, centenas de famílias de parte do território Ibirama-La Klãnõ ficaram desalojadas desde outubro, vivendo em situação de risco. Para oferecer um Natal melhor aos povos Xokleng, Guarani e Kaingang no Sul do país, a CONAFER criou a Carreta Solidária, que saiu de Brasília nesta terça-feira (19), carregada de alimentos, água, roupas, eletrodomésticos, móveis e muitos brinquedos para alegria das crianças indígenas. Toda contribuição é importante para amenizar as dificuldades e tirar um sorriso do rosto dos parentes
Com as persistentes chuvas que caíram meses a fio sobre a região da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, entre os municípios catarinenses de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, mais de 100 famílias originárias ficaram sem casa, alimentos, remédios, transporte e trabalho. Na TI vivem 4 mil indígenas que se distribuem pelas aldeias Bugio, Pavão, Sede, Toldo, Coqueiro, Figueira, Palmeira, Plipatol e Koplan.
A maior barragem do Estado, localizada em José Boiteux, no Vale do Itajaí, é uma ameaça constante à terra indígena Ibirama-La Klãnõ
As contribuições são importantes para evitar doenças e desnutrição, que podem ser agravadas pela infraestrutura básica comprometida. Por isso é importante arrecadar doações e fundos para dar conforto aos Xokleng que passam por dificuldades. Uma equipe da CONAFER estará presente em Santa Catarina para entregar os itens que estão sendo doados, levando este apoio aos Xokleng, e também aos Kaingang e Guarani, parentes atingidos pelas intensas chuvas que este ano alagaram diversas áreas em suas comunidades, que mesmo com a sua diminuição, ainda sofrem com problemas de infraestrutura, alimentação e recursos financeiros.
A CONAFER já providenciou o envio de cestas básicas, fraldas e leite para muitas aldeias no início das chuvas ainda em setembro. Agora, uma campanha por um Natal solidário tem início com doações e arrecadação de recursos para a compra de suprimentos, como alimentos, água, roupas, eletrodomésticos, móveis e brinquedos para amenizar o sofrimento dos parentes indígenas que necessitam de um item fundamental neste momento: a nossa solidariedade.
A doação de solidariedade aos Xokleng é um ato apoio à resiliência desta nação
O Sul do país foi a região onde o genocídio dos povos indígenas ocorreu de forma mais avassaladora. Os Xokleng da TI Ibirama-La Klãnõ são alguns dos sobreviventes desta colonização que quase dizimou quase toda a população indígena sulista formada em sua maioria pelas etnias Guarani, Kaingang, Guarani Mbya, Guarani Ñandseva, Xetá e Terena.
São séculos tentando sobreviver na região do Vale do Itajaí, como no confinamento a que foram sujeitados no início do século passado para atenuar os ataques dos colonos. É um estado de opressão e destruição permanente, e que foi além do esgotamento dos recursos naturais da terra originária, culminando com a construção da Barragem Norte, uma das três no Vale do Itajaí feitas para um controle e contenção de enchentes.
Para oferecer um Natal melhor aos povos Xokleng, Guarani e Kaingang no Sul do país, a CONAFER criou a Carreta Solidária, que saiu de Brasília nesta terça-feira (19), carregada de alimentos, água, roupas, eletrodomésticos, móveis e muitos brinquedos para alegria das crianças indígenas
Por causa das cheias do Rio Itajaí e do aumento volume das águas da maior barragem do Estado, localizada em José Boiteux, no Vale do Itajaí, centenas de famílias de parte do território Ibirama-La Klãnõ ficaram desalojadas desde outubro, vivendo em situação de risco. A maior barragem do Estado, localizada em José Boiteux, no Vale do Itajaí, é uma ameaça constante à terra indígena Ibirama-La Klãnõ porque toda vez que as chuvas se intensificam na região com o transbordamento dos rios e o aumento do volume de água da represa, as comportas são abertas para dar vasão, o que acaba alagando parte da terras dos Xokleng. Um problema que castiga as populações indígenas de José Boiteux.
Veja o depoimento de Antônia Kanheco Paté, vice-cacica da Aldeia Kópláng, da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ
“Sou representante das mulheres indígenas da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ. Estou aqui em Brasília, com a Carreta Solidária que estará levando doações e fazendo um Natal feliz para nossas crianças do Sul. Vamos passar no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, e a gente agradece muito por estar fazendo isso por nós, para nossas crianças. A gente vê as nossas crianças felizes depois de ter passado por momentos difíceis com as cheias. Ainda estamos desabrigados, não temos para onde ir morar, mas a gente fica tão feliz vendo as nossas crianças neste Natal, recebendo essas doações.”
Antônia Kanheco Paté, vice-cacica da Aldeia Kópláng, da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, estará acompanhando a Carreta Solidária em direção ao Sul do país
Sobre o presente, as perdas e o futuro
“Hoje a gente depende da justiça brasileira. É por isso que nós, indígenas, nós Xokleng, estamos dessa maneira, sofrendo, batalhando pelos nossos direitos. Então, o que eu quero dizer sobre isso? Nós Xokleng, estamos batalhando pelas nossas terras porque perdemos a nossa terra por uma maldita barragem que foi construída pelo Estado de Santa Catarina. Construíram dentro da nossa terra indígena. Perdemos, não temos onde morar. E nós queremos um futuro para nossos filhos também. Perdemos nossas casa, escola, perdemos tudo.”
“Perdi o meu pai na batalha. Olha, eu choro quando falo sobre isso, sobre o meu pai, que eu perdi. E assim temos muitos povos indígenas que também estão perdendo seus filhos, seus pais, seus anciões, mulheres grávidas também. Tudo isso a gente passa e a gente sente isso. E eu também convido a vocês que venham conhecer o nosso sofrimento também.”
No início da noite do dia 21 de setembro de 2023, a Suprema Corte do país entendeu que a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ pertence ao povo Xokleng, deixando bem claro a inconstitucionalidade do marco temporal
“Então eu quero ver o meu filho dando moradias para eles. Eu quero ver o meu filho nas escola estudando também. É isso que eu quero. Eu quero um futuro melhor para a minha comunidade também e para os povos indígenas que são meu povo. Todas as etnias indígenas que hoje existem no Brasil, a gente quer um futuro para eles também. Porque a gente sabe que sofremos iguais e somos discriminados iguais. E com essa demarcação de terra, aí a gente está sofrendo muito. Estamos vendo índios sendo mortos por causa disso. Índio também está sendo atacado dentro da sua aldeia, igual foi na minha aldeia.”
O reconhecimento dos Xokleng como donos do seu território
No início da noite do último dia 21 de setembro, faltavam dois votos para sacramentar a vitória dos povos originários sobre a tese inconstitucional do marco temporal. Ao final do julgamento, a Suprema Corte do país entendeu que a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ pertence ao povo Xokleng, deixando bem claro a inconstitucionalidade do marco temporal. Com status de repercussão geral, a decisão será o Norte para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça sobre procedimentos demarcatórios, anulando antecipadamente qualquer projeto ou tese jurídica que desconsidere expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas antes de 1988, e também que não reconheça os territórios demarcados depois de 88.
Porém, os esforços dos Xokleng continuam, pois além das reparações financeiras da União poderem atrasar processos de demarcações por falta de recursos federais, ainda temos um pressão permanente por parte do Congresso e setores da sociedade que insistem com a tese do marco temporal. O Paraná tem a segunda maior população indígena da região Sul, atrás do Rio Grande do Sul, com 36.096 pessoas (evolução de 6,1% em relação aos 34.001 de 2010), e à frente de Santa Catarina, que tem 21.541 indígenas (aumento de 18,2% em relação aos 18.213 de 2010). São 13.887 indígenas morando em terras demarcadas. 30 mil indígenas são autodeclarados, de acordo com os dados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).