Depois de 56 anos de uma vida rica e plena junto à natureza e ao lado do povo Kuikuro, o coração de Aunú Kuikuro parou de bater nesta madrugada na aldeia Ihumba, às margens da bela Lagoa Guará, no município de Gaúcha do Norte, no Alto Xingu, em Mato Grosso. Nascido na aldeia Ipatse Kuikuro, Aunú transformou-se ao longo de sua vida em importante liderança do povo Kuikuro. Ele era um homem com muitos talentos. Casado com Akuku Kuikuro e pai de duas filhas, Lilica Kuikuro e Milene Kuikuro, e de dois filhos adotivos, Willi e Sakati Kuikuro, foi agricultor familiar e grande conhecedor do território do Parque Indígena do Xingu, a maior terra indígena brasileira, considerada uma das mais famosas reservas no mundo. Grande guerreiro, Aunú era tio de Jair Kuikuro, secretário da CONAFER para os Povos Indígenas e do cineasta Takumã Kuikuro.Com o seu irmão, o pajé Sagigua Moisés Kuikuro, aprendeu sobre o mundo ancestral, conhecendo a partir de então os caminhos da espiritualidade e do mundo dos encantados, onde agora ele reside em plenitude
Os Kuikuro são a etnia de maior população no Alto Xingu, constituindo um sub-sistema carib com os outros grupos que falam variantes dialetos da mesma língua, Kalapalo, Matipu, Nahukuá, participando do sistema multilíngua, conhecido como Alto Xingu. Neste território indígena, a história do povo Kuikuro foi enriquecida pela vida de Aunú Kuikuro. Seu povo é muito conhecido pela arte dos famosos colares e cintos de caramujo.
Com a partida de Aunú Kuikuro, o Alto Xingu perde uma de suas maiores lideranças
Ao longo de mais de meio século de vida, Aunú conheceu outros aspectos socioculturais dos Kuikuro: o xamanismo, a cosmologia e os rituais ancestrais por meio do seu irmão e pajé Sagigua Moisés Kuikuro. Nessas práticas milenares, têm-se contato com os ancestrais, os espíritos da natureza e os espíritos animais. Os rituais são marcados por danças, músicas e o consumo de plantas capazes de expandir a consciência, induzindo ao estado xamânico e de êxtase.
Aunú Kuikuro era uma das figuras mais respeitadas e emblemáticas da etnia Kuikuro, e deixa um legado que transcende sua própria existência. Conhecido como exímio condutor de barcos, pescador e profundo conhecedor das águas do Alto Xingu, Aunú dedicou sua vida a percorrer os rios e lagos de seu território, um vasto labirinto de caminhos aquáticos que ele conhecia desde a infância. Cada curva, lagoa e correnteza fazia parte da sua trajetória e de sua conexão única com a natureza e o seu povo.
A perda de Aunú Kuikuro não é apenas uma ausência física. Aunú ao longo de mais de meio século de vida, compreendeu e viveu as tradições do seu povo, transmitindo-as às gerações mais jovens e mantendo vivo o espírito dos ancestrais em cada cerimônia e celebração.
Com a partida de Aunú Kuikuro, o Alto Xingu perde uma de suas maiores lideranças, alguém que unia não apenas os conhecimentos práticos de seu território, mas também os valores espirituais e culturais que definem a essência de seu povo. Sua ausência será profundamente sentida, não apenas entre os Kuikuro, mas em toda a região do Xingu, onde ele será lembrado como uma ponte viva entre o passado e o presente, entre a terra e as águas, entre os homens e os espíritos.