Por Cleyton Calisto
Seguindo o exemplo dos outros estados e movimentos do Rio Grande do Sul, na década de 60 surge o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), que de 1960 até 1964 realizou diversos ocupações e acampamentos pelo estado, garantindo direitos e terras a milhares de famílias campesinas.
Nos anos 40 e 50 diversos movimentos por terra (como a ULTAB e as Ligas Camponesas) ganham força pelo Brasil e a mobilização incentiva o surgimento de um movimento similar no Rio Grande do Sul, principalmente em resposta aos conflitos e assassinatos por motivos latifundiários da época, como a chacina de Uruguaiana em 24 de setembro de 1950. O alto índice de concentração da propriedade da terra e o esgotamento da fronteira agrícola do estado foram fatores essenciais para sua urgência, que englobava assalariados permanentes e temporários, posseiros, parceiros, arrendatários ou agregados, pequenos proprietários e seus filhos.
Surgindo em 24 de junho de 1960, a primeira ação foi em Encruzilhada do Sul, onde um antigo proprietário interessado em retomar um terreno de 1800 hectares (ou seja aproximadamente 2,5 campos de futebol) ameaçava retirar 300 famílias posseiras de onde viveram por 50 anos. Com a vitória das famílias o movimento ganha ainda mais força nos anos seguintes e auxilia no surgimento e formação de mais de 10 associações de trabalhadores rurais e na instituição do Instituto Gaúcho de Reforma Agrária (IGRA, em 1962) dedicado a estudar as terras gaúchas em prol da Reforma Agrária.
De janeiro a maio de 1962 o MASTER incentivou ocupações aos arredores de propriedades de mais de 12 municípios, alguns chegando a ter até mesmo apoio do governo do estado (Leonel Brizola, de 59 a 63). Os acampamentos envolveram milhares de pessoas e terrenos de até 25 mil hectares (aprox. 35 campos de futebol).

“De acordo com Schilling (1967, p.97-8), feita a escolha da área, ‘pacífica e ordenadamente, os camponeses acampavam em tendas de campanha e ranchos improvisados, na estrada que servia de limite à propriedade eleita, estabelecendo o acampamento’.” – Citação do Livro “Lutas Camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas” (pág. 76).

Com base nos artigos 173 e 174 da constituição da época, as ocupações reivindicavam a desapropriação e divisão dessas terras. A Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul), representando os interesses de grandes latifundiários, chegou a convocar o exército para a impedir as famílias de chegarem aos acampamentos. Além dessa ação houve outras situações de violência, ameaças, confrontos por parte de grileiros e até policiais serviram de muro para separar grandes proprietários e capangas com maquinário pesado de um lado da estrada, das famílias sem terras do outro (na ocupação de Rincão dos Vieira em Giruá).

Art. 173 – O Estado prestará assistência aos trabalhadores urbanos e rurais, aos pequenos agricultores e às suas organizações legais, proporcionando-lhes, entre outros benefícios, meios de produção e de trabalho, crédito fácil, saúde e bem-estar.
Parágrafo único – Ficam isentas de impostos as respectivas cooperativas.
Art. 174 – O direito à propriedade é inerente à natureza do homem, dependendo seus limites e seu uso da conveniência social.

  • 1°- O Estado combaterá a propriedade improdutiva por meio de tributação especial ou mediante desapropriação.

  • 2°- Atendendo aos interesses sociais, o Estado poderá, mediante desapropriação, prover a justa distribuição da propriedade de maneira que o maior número possível de famílias venha a ter sua parte em terras e meios de produção.

  • 3°- O Estado promoverá planos especiais de colonização, visando as finalidades do parágrafo anterior, sempre que a medida fôr pleiteada por um mínimo de cem agricultores sem terras, de determinada região.

  • 4°- O Estado facilitará a fixação do homem à terra, estabelecendo plano de colonização ou instalação de granjas cooperativas, com o aproveitamento de terras públicas ou, mediante desapropriação, de terras particulares, de preferência as socialmente não aproveitadas.

  • 5°- Poderá também o Estado organizar fazendas coletivas, orientadas ou administradas pelo poder público destinadas a formação de elementos aptos às atividades agrícolas. (CONSTITUIÇÕES SUL – RIO GRANDENSES 1843 – 1947).


Ainda em 62, o Master organizou o I Encontro Camponês Estadual nos dias 31 de março e 1º de abril, onde foram convidadas 150 associações e uniões de agricultores sem-terra. Em agosto do mesmo ano instalou uma assembleia  permanente e em dezembro organizou também o I Congresso do Master, onde firmou e aprovou coletivamente sua nova Carta Reivindicatória. Entre outras demandas, a carta propunha estabelecer um limite máximo para a área da propriedade territorial; regulamentação da venda, doação ou concessão de terras desapropriadas; também cobrava a entrega imediata das terras já desapropriadas pelo governo estadual e a regularização da situação das famílias camponesas.
Já em 63, com a troca de governo (Brizola para Ildo Meneghetti), o apoio se torna repressão. 10 dias após a posse de Meneghetti é emitido uma ordem para cercar o acampamento conhecido como Passo Feio, na fronteira dos municípios de Iraí e Nonoai, e até mesmo órgãos ligados ao governo federal eram impedidos de entrar e conversar com as famílias no acampamento. O Master questionou o governador e o secretário de segurança que afirmaram nada saber sobre. Toda nova ocupação era recebida dessa forma e até o exército foi envolvido, realizando barreiras, impedindo a movimentação de pessoas pelo estado e prendendo lideranças de movimentos sociais apoiadores da reforma agrária.
Em ocupações em terras governamentais próximas à terras de povos indígenas os policiais disseminavam informações contraditórias, incentivando esses povos a se rebelarem e atacarem as famílias sem-terra. Apresentavam as famílias como grileiros, interessados em expulsá-los e tomar as terras para si, mesmo as pautas da ocupação sendo o governo entregar e regularizar terras já desapropriadas.
Após caminhões que transportavam 400 famílias para terras doadas à Reforma Agrária foi parado pelo exército e as lideranças foram presas em fevereiro de 1964, o Master ocupou o IGRA. Quando os caminhões foram novamente liberados chegando nas terras as famílias se viram novamente desamparadas, pois os terrenos haviam sido divididos entre 140 herdeiros e somente alguns deles mantiveram o interesse em doar as terras. Receberam 24 hectares ao invés dos 15 mil prometidos.
Em março do mesmo ano surge o último acampamento do Master em Canoas, um mês antes da ditadura militar. Diversas famílias foram duramente reprimidas, segundo o Última Hora (07/03/64):

“Mulheres e crianças foram postas a correr de suas barracas, abaixo de empurrões e pancadas dos policiais… A selvageria não poupou nem a Bandeira Nacional que foi arrancada do mastro em que a haviam colocado os camponeses, pisoteada, rasgada e atirada sobre uma das viaturas da Polícia.”

A repressão não se manteve somente sobre os novos acampamentos, até as famílias já estabelecidas em terras destinadas à Reforma Agrária tiveram problemas com os papéis, a participação política nas associações e espaços públicos e até desapropriações foram realizadas.
Durante a repressão o Master se manteve ativo incentivando a criação de associações de agricultoras e agricultores sem terra, acompanhando as ocupações e acampamentos e criando alianças com outras classes sindicais e setores (principalmente trabalhadores urbanos e estudantes) para reforçar o apoio e auxílio às famílias sem terras.
Com o início da ditadura as famílias campesinas foram fortemente taxadas de criminosas e ameaçadoras pela Farsul, Igreja, Governo e exército, mesmo essas famílias ocupando somente aos arredores das terras e estando garantidas pela lei vigente na época. De 1960 à 1964, a mobilização do Master foi capaz de permitir terras a milhares de famílias e apesar da ditadura nem todas as conquistas foram perdidas. Inclusive 20 anos após seu último acampamento algumas lideranças voltam a se mobilizar dando origem ao MST (Movimento dos Sem Terra) no estado e a luta voltou a ganhar força.
Baseado no capítulo: “O Master e as ocupações de terra no Rio Grande do Sul”, de Cordula Eckert. Do livro: Lutas Camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas.

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