SECRETARIA NACIONAL DE POLITICAS E DESENVOLVIMENTO DOS POVOS E COMUNIDADES QUILOMBOLAS
MEMORIAL TERRITÓRIOS DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
CIRCULAR NUMERO : 001/2018
Secretaria apresenta um quadro atual da situação Quilombola
Brasília, OUTUBRO de 2018
A Secretaria Nacional. de Desenvolvimento e Politicas de Povos e Comunidades Quilombolas ,
A seguir apresentamos um quadro atual acerca dos direitos de autoidentificação e
titulação de terras quilombolas, bem como o dever constitucional do Estado de titulá-las.
Com o propósito de contribuir com a análise e interpretação das questões que envolvem
e a titulação das terras remanescentes de quilombos, e pela relação presente na
constituição desses territórios tradicionais, relativamente às questões do marco temporal, da
tradicionalidade, dos direitos culturais e da autodeclaração como direitos fundamentais,
trazemos aqui um breve memorial acerca dos assuntos referidos.
Apresentaremos, a seguir, reflexões sobre a tradicionalidade, historicidade, identidade e direitos.
1 SÍNTESE DOS ARGUMENTOS ANTROPOLÓGICOS E JURÍDICO- CONSTITUCIONAIS:
1. Ocupação presente como projeção da cultura: A noção de terra – para efeito da Convenção
OIT nº 169/1989 , que se projeta como obrigação aos Governos, inclui a noção de território,
considerado como o espaço total que abrange o ambiente das áreas que os povos interessados ocupam
ou de outra forma usam o termo – utilizado na Convenção não se restringe ao uso material,
pois a dimensão do vínculo com a terra é cultural, social e simbólico. O direito à
titulação das terras remanescentes dos quilombos é determinada pelo vínculo com o
território. A dimensão literal de estar ocupando não se compatibiliza com a dimensão
cultural afirmada nas demais disposições constitucionais.
2. Marco temporal vs máxima efetividade da Constituição: O debate sobre o argumento
do marco temporal foi vencido na Constituinte relativamente aos povos indígenas e não
adotado no caso dos territórios de quilombo. Impossibilidade de revisão pelos poderes constituídos.
Limite material que se impõe à interpretação constitucional. Afirmar o marco temporal é reduzir ou
eliminar o direito sobre as terras/territórios de vínculo étnico e cultural, conforme consagrado no
texto constitucional. Impossibilidade de atuação estatal em ofensa ao princípio do não
retrocesso e ao caráter de progressividade dos direitos fundamentais. Trata-se de limitação
material implícita.
3. Literalidade do enunciado: É incompatível com o espirito constitucional interpretar que a
expressão “estejam ocupando” se refira literalmente à data de 05/10/1988. A semântica
constitucional quando pretendeu afirmar o momento presente literalmente o fez, utilizando a
expressão “atual”. Vários dispositivos assim foram incorporados. Mas não neste do artigo 68.
Assim, se se quisesse referir a algum marco temporal, teria dito “que atualmente estejam ocupando”.
Não foi esta a proposta do constituinte originário. Há melhor interpretação, compatível com o
que enuncia o artigo 215 e 216 da Constituição Federal. Não se compatibiliza com o propósito
constituinte restringir o direito ao título de propriedade dos remanescentes quilombos, tão
somente pela disposição literal do enunciado.
4. Tradicionalidade: A tradicionalidade é o modo pelo qual as comunidades quilombolas estabelecem
uma relação única e de simbiose com o território que ocupam. Embora processada por intermédio de
sucessivos eventos de discriminação racial, desigualdade social e exclusão fundiária, as
comunidades quilombolas alçaram constituir relações culturais, sociais e econômicas com seu
território que estão amplamente reconhecidas no diploma constitucional, no ordenamento
jurídico vigente e nos convênios internacionais dos quais o país é signatário. A efetivação
dos direitos territoriais e a proteção e promoção das manifestações culturais das comunidades
quilombolas só é factível com o reconhecimento e diálogo da tradicionalidade desses povos.
5. O Decreto e a perspectiva democrática. O processo de construção do Decreto Nº 4.887, de 20
de novembro de 2003, foi permeado por contínua participação de representações do
movimento quilombola, em sintonia com o disposto na Convenção 169 da OIT, no que concerne ao
direito de consulta prévia. Estabelece o Art. 6o item 1, letra a, da referida Convenção, que
os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados
e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas
medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. O Grupo de
Trabalho Interministerial, constituído pelo Decreto s/n de 13 de maio de 2013, trouxe ampla
composição ministerial, bem como assegurou a participação direta das comunidades
quilombolas. A perspectiva democrática, na elaboração desse instrumento de direito,
fortalece a relevância social do Decreto e dialoga com a perspectiva pluralista da
Constituição e de Convenções Internacionais de Direito ratificadas pelo Brasil, como a
Convenção 169 da OIT. Invalidar o Decreto é invalidar a legitimidade da construção democrática
quanto aos procedimentos de titulação das terras do nosso patrimônio cultural, significando
interferência arbitrária ao princípio da separação de poderes.
6. Autodeclaração: deve ser entendida como direito fundamental, e como critério jurídico que
vincula e limita o comportamento estatal (não pode ser afastada como critério do agir estatal).
Não cabe ao Estado interferir na consciência de pertencimento cultural/étnico, e tampouco
desconsiderá-lo como critério para adotar medidas de salvaguarda dos direitos dos povos indígenas e
das comunidades tradicionais. A estatura de supralegalidade da Convenção 169 merece ser acolhida.
7. História e Relações Raciais: Indispensabilidade de revisitar e valorar os processos
históricos de expropriação das terras e, de violências’ junto às comunidades
quilombolas. Relevante análise do impacto severo de quase quatro séculos de escravidão,
de uma consequente abolição com fissuras estruturais sem assegurar direitos à população
negra, assim como às comunidades quilombolas. O direito ao território quilombola se
faz presente de forma inédita apenas no contexto da Constituição Federal de 1988,
ainda com uma materialização extremamente frágil, morosa e conflituosa. Nesse vazio de
um século sem seus direitos territoriais assegurados, o impacto de expropriação gerado junto
às comunidades quilombolas e seus territórios é uma análise necessária, pela grande
incidência de comunidades expulsas de suas terras ou com ocupação extremamente restrita em
relação ao território tradicional.
8. Inexistência de ofensa ao devido processo legislativo: a disposição constitucional
inscrita no artigo 68 do ADCT não impõe a obrigação de titular as terras à atividade legislativa.
Nesse aspecto, é autoexecutável, e admite, portanto, os decretos de regulamentação
autônomos. Não cabe ao Poder Judiciário estabelecer se determinada medida no âmbito da competência
do Poder Executivo esteja condicionada a prévia disposição legislativa, se assim não decorre de
obrigação constitucional. Ademais a Convenção OIT nº 169 supre tecnicamente qualquer suposta
lacuna legislativa.
9. Respeito ao Estado de Direito Constitucional: reforçamos a confiança de que os
agentes estatais, em todas as instâncias, estão submetidos à autoridade normativa da Constituição
e à soberania da vontade constituinte originária, relativamente à decisão política de afirmar a
diversidade étnica e os direitos territoriais (originários) como fundamento/valor ético da
sociedade brasileira.
SECRETARIA NAC. DE DES. E POL. DE POVOS E COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Secretário Paulo Sergio Medeiros Barbosa – AKIN PC
A Confederação da Agricultura Familiar