da Redação
Lei faz homenagem ao defensor da luta dos povos originários no Estado, o Cacique Xicão, assassinado a tiros em 20 de maio de 1998, aos 46 anos, em Pesqueira, 214 km de Recife, por defender o direito à terra, à soberania e autonomia dos povos indígenas, e principalmente, por liderar as retomadas de territórios Xukuru com luta e coragem
Considerado uma das maiores lideranças da construção da resistência dos povos originários do Brasil, Xicão Xucuru foi homenageado com título de patrono dos povos indígenas de Pernambuco. Este reconhecimento foi possível, e é justo que se faça, pois o Cacique teve sua história de vida forjada na luta pelo território do povo Xukuru, entre os municípios de Pesqueira e Poção.
A sua atuação na defesa e proteção dos seus parentes, transformou Xicão em referência para os indígenas de todo o país, e que o tornou um líder carismático e muito respeitado. Esta capacidade de liderar e inspirar seu povo a continuar na resistência e na retomada dos seus territórios, custou-lhe a vida. Assassinado em 1998, Xicão já havia avisado diversas vezes que seria morto por fazendeiros e posseiros pelas ameaças que recebia por defender o território indígena já demarcado pela Funai.
A Lei estadual 17.002 que deu o título de patrono para Xicão Xukuru foi proposta pelo deputado Isaltino Nascimento para homenagear o grande cacique e toda a população Xukuru no estado com a quarta maior população de indígenas do Brasil. Pernambuco tem uma população de mais de 45 mil indígenas, distribuídos em 16 territórios de 12 nações.
Como flecha certeira, Xicão atingiu a plenitude de uma liderança
Francisco de Assis Araújo nasceu no sítio Cana Brava em 1950. O local fica no meio do atual território Xukuru. A terra indígena atualmente homologada tem 27,5 mil hectares e, na época em que Xicão nasceu, estava em sua maior parte ocupada por não indígenas. Filho de Cícero Pereira de Araújo e Quitéria Maria de Araújo, Xicão cresceu em um pequeno pedaço de terra que o pai possuía. Casou-se em 1970 com Zenilda Maria de Araújo, com quem teve 7 filhos.
“Deus me deu essa tarefa: a libertação do meu povo. Entreguei meu marido e meu filho pela causa porque quem nasceu pra morrer lutando não vai morrer parado”, afirma Zenilda sobre a herança que carrega. Mulher de saberes, é uma representação da força feminina na aldeia. Esteve ao lado de Xicão durante as primeiras retomadas do território e iniciou um trabalho de conscientização das mulheres indígenas sobre suas tradições.
Entre 1986 e 1988, deu início um processo de mudança política que buscava esclarecer os mais jovens sobre os direitos indígenas. Nessa época, Xicão assumiu como uma liderança da aldeia na condição de vice-cacique. A partir de 1987, as lideranças Xukuru passaram a participar de manifestações em conjunto com ONGs que objetivavam a defesa de direitos indígenas, principalmente em relação à terra, no contexto de mobilização em torno da nova Constituição. A Assembleia Nacional Constituinte, de 1988, foi um momento marcante para o movimento indígena.
Em Memórias do Povo Xukuru, de 1997, Xicão escreve: “Quando comecei no luta eu não tinha consciência da luta do índio pela terra, pela educação, pela saúde e pela subsistência, até porque era muito jovem. Tinha outras influências, mas sempre sabia que a minha mãe era uma cabocla índia, meu pai era índio e meus avós também, tudo nascido em cima da serra.”
A participação dos indígenas foi decisiva para garantir avanços na legislação. Organizados, conseguiram derrubar o então inciso V do artigo 26, que repassaria aos estados e municípios as terras dos aldeamentos extintos, fragmentando assim a luta indígena em nível nacional. As principais vitórias, porém, estão descritas nos artigos 231 e 232, que hoje são o escudo principal na defesa dos direitos dos povos indígenas.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
(Capítulo VIII, “Dos Índios” – Título VIII, “Da Ordem Social” – Constituição do Brasil)
Em um país com uma história de 500 anos de genocídios e invasão de territórios indígenas, Cacique Xicão é um símbolo da resistência dos povos originários, e agora como ancestralidade inspira as novas gerações para seguir na trajetória de defesa dos seus territórios, da identidade étnica, por autonomia e valorização de sua riqueza cultural.
Veja a letra, logo abaixo, do vídeo “O Outro Mundo de Xicão Xukuru”, do grupo Mundo Livre S/A, que narra
toda a força de sua luta pelos Xukuru
Numa faixa de terra de 28 mil hectares
localizada no Agreste pernambucano,
habitam cerca de 8 mil seres da espécie humana.
Eles não querem vingança
Eles só querem justiça
Querem punição para os covardes assassinos
de seu bravo cacique Xicão
Eles não querem vingança
Eles só querem justiça,
justiça, justiça
Distribuídos por 23 aldeias
Permanecem resistindo após quase 500 anos de massacre e perseguições.
Reivindicando, nada menos, que o reconhecimento e a demarcação da terra sagrada que herdaram de seus ancestrais.
Ele não vai ser enterrado
Ele não vai ser sepultado
Ele vai ser plantado
para que dele nasçam novos guerreiros
As autoridades policiais tinham pleno conhecimento dos atentados e das ameaças.
Ainda assim, nada fizeram para evitar mais este crime, muito conveniente para os latifundiários da região.
“Nós não temos a terra como um objeto de especulação
A gente sabe que quando Deus criou a terra, Ele não criou para ninguém fazer da terra um comércio”
Muito conveniente para os latifundiários da região
Justiça…
Comenta-se que alguns deles têm parentesco com certos figurões da “República Branca”, entre eles um, apelidado pelos federais de “Cacique Marcão”.
“Então se nós dependêssemos unicamente dos parlamentares brasileiros, então, dos índios do Brasil, não existiria mais nenhum, o resto já tinha sido todo morto queimado, assim como queimaram Galdino”
Ele não vai ser enterrado
Ele não vai ser sepultado
Ele vai ser plantado
para que dele nasçam novos guerreiros
Ele vai ser plantado
assim como vivia
debaixo das vossas sombras
Para que de vós nasçam novos guerreiros.
E a nossa luta não para
E a nossa luta não para
E a nossa luta não para
“Vocês têm certeza, têm consciência de que eu sou ameaçado… de que eu sou ameaçado…”
Capa: Jornal A Verdade