FONTE: Sul 21
O mundo tem um desafio enorme: alimentar uma população de 7 bilhões que está crescendo e pode chegar a 9 bilhões de pessoas nas próximas décadas. Infelizmente, cerca de 1 bilhão de pessoas passam fome no planeta. E, cresce os que são malnutridos ou adoecem por má alimentação. Frente a isso, faz-se necessário e urgente pensar a segurança alimentar na sua quantidade e qualidade e na sua relação com os sistemas agrícolas e a soberania dos países.
É neste contexto que o Brasil está inserido. A sociedade, a economia e a agricultura brasileira também passam por grandes transformações. Nesse debate estão as opções de desenvolvimento rural ou ainda, o desenvolvimento sustentável.
Historicamente a posse e o uso das terras sempre foi fator de poder político e econômico do país. E continua sendo, mas agora configurado no denominado agronegócio, que une, entre outros segmentos, os proprietários de terras, as corporações que produzem e comercializam os insumos agrícolas (sementes, agrotóxicos etc.), as grandes empresas de comércio internacional e por vezes até fundos de pensão que constroem conglomerados agrícolas para ampliarem seus lucros. Portanto, a produção, industrialização e comercialização de alimentos está nas mãos de poucas corporações.
O que está em disputa, portanto, é o modelo de desenvolvimento rural e quem controlará a produção de alimentos do país. E, qual o papel da tecnologia, das pessoas, do capital e do trabalho no desenvolvimento rural?
É preciso questionar-se: o atual modelo de agricultura praticado no país é sustentável? O atual modelo produz alimentos saudáveis? A alimentação predominante produz saúde e qualidade de vida e proteção ambiental?
A resposta é: o modelo agrícola brasileiro é insustentável; não produz alimentos saudáveis; o padrão de alimentos e de ocupação da terra não protege o meio ambiente nem promove saúde e qualidade de vida.
Mas então: é possível ter uma agricultura que produza alimentos em quantidade suficientes e com a qualidade necessária? Sim, é possível e temos milhares de famílias que estão produzindo em todas as regiões do país, baseado nos princípios e utilizando-se de práticas da agroecologia. O conceito de agroecologia se opõe ao conceito agrícola predominante no país, sustentado, como vimos acima, pelas grandes corporações.
Para Lauro Foscheira, coordenador do Centro de Tecnologias Alternativas Populares – CETAP, com sede em Passo Fundo/RS, “a agricultura ecológica é praticada a décadas pelos agricultores familiares e nós do CETAP, há mais de 30 anos acompanhamos centenas de famílias rurais que buscam o desenvolvimento sustentável com este viés ecológico. Além do mais, a tarefa de produzir a sustentabilidade em todos os sentidos, é uma tarefa que envolve a todos, dos agricultores aos consumidores, passando por órgãos de ensino, pesquisa e extensão, empresas, organizações da sociedade civil e gestores públicos. Cuidar da biodiversidade e dos recursos naturais, este certamente é um dos principais legados que podemos e necessitamos deixar para as gerações sucessoras.”
Da mesma forma, ao longo das duas décadas a Associação Regional de Educação, Desenvolvimento e Pesquisa – AREDE, com sede em Santa Rosa/RS está trabalhando com Educação, Cooperativismo, Economia Solidária e Agroecologia, com ações interligadas para fortalecer a proposta da produção de alimentos com base na agroecologia. Ademir Amaral, um dos coordenadores da AREDE, enfatiza que para fortalecer as ações da agroecologia existe uma intercooperação entre as várias entidades de apoio e os milhares de produtores. A AREDE faz parte REDE ECOVIDA. Ademir Amaral afirma que “a REDE ECOVIDA se concretiza basicamente a partir de uma identidade e reconhecimento histórico entre as iniciativas de ONGs e organizações de agricultores construídas na região Sul do Brasil. Sua formação oficial data de 1998, como resultado da articulação iniciada anos antes por essas entidades. Atualmente conta com 27 núcleos regionais, abrangendo cerca de 352 municípios. O trabalho congrega, aproximadamente, 340 grupos de agricultores (abrangendo cerca de 4.500 famílias envolvidas) e 20 ONGs. Em toda a área de atuação da ECOVIDA acontecem mais de 120 feiras livres ecológicas e ainda outras formas de comercialização”.
Portanto, a agroecologia surge como um movimento crítico ao modelo de agricultura que iniciou no pós-guerra, se impôs ao mundo como modernização agrícola e ficou conhecia como revolução verde e vendeu a ideia de resolver a fome do mundo. Disseminou-se que a tecnologia poderia solucionar a fome das populações. Entretanto, as consequências foram graves. A expansão dos monocultivos agrícolas levou a sistemas frágeis e dependentes de agrotóxicos e insumos externos. Esse modelo resultou em impactos sociais, econômicos e ambientais. Com o conceito de revolução verde e aplicação tecnológica o Brasil tornou-se o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, o que compromete toda a biodiversidade e vida humana.
Para a FAO (Organização das Nações Unidas Para a Agricultura e Alimentação), a agroecologia é estratégica para alimentar o mundo. Isso porque vai na perspectiva do desenvolvimento sustentável, ou seja, ao mesmo tempo que promove sistemas produtivos que asseguram a segurança alimentar dos povos protege o meio ambiente e proporciona a eficiência do uso dos recursos naturais, base de sistemas alimentares resistentes.
A agroecologia, como visão de desenvolvimento e de produção, aporta benefícios para o meio ambiente, sociedade e economia. Promove a descentralização da produção e aproxima os produtores dos consumidores. Para que isso ocorra, propõe formas de organização que promovem a autonomia e o empoderamento da sociedade civil, dos movimentos, dos grupos, associações e cooperativas, na produção, comercialização ou agroindustrialização.
É preciso estimular esse outro padrão de agricultura e de desenvolvimento. E o Estado tem um papel estratégico para induzir a um outro estilo de agricultura, em bases sustentáveis e capaz de alimentar toda a população brasileira.
Desta forma, as políticas públicas exercem um papel importante. No Brasil, por muito tempo o crédito não dialogava com esse padrão da agroecologia, pois havia sido formatado em outra época. Mas, faz um bom tempo que o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), principal programa financiador da agricultura familiar passou a financiar sistemas agroecológicos. Da mesma forma, política como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) exerceram papeis organizadores da produção em âmbito regional e local porque garantiram a compra diversificada de pequenas propriedades. Isto para citar algumas políticas importantes, que estão em risco devido ao congelamento de gastos sociais e os contingenciamentos promovidos pelo governo Temer e Bolsonaro. Fatores de risco para a promoção de sistemas familiares diversificados e sustentáveis.
Uma agricultura sustentável, sem o uso de agrotóxicos é perfeitamente possível. Os agricultores, suas organizações e as entidade de apoio já provaram isso. Mas, é necessário promovê-la a partir de uma estratégia que coloque isso como prioridade. O país só tem a ganhar porque tem a garantia da segurança e da soberania alimentar.
Nesse sentido, para a transição a um outro modelo agrícola, reveste-se de importância a pesquisa e a assistência técnica e extensão rural com financiamento público. Nisso, também há riscos, porque a pesquisa e os recursos para assistência técnica estão sofrendo cortes nos últimos anos, algo que coloca mais dificuldades para a agricultura familiar e para a agroecologia.
Deve ser prioridade de um país construir sistemas agrícolas sustentáveis que coloquem a segurança alimentar e nutricional da população como objetivo central. Algo que deve ter o Estado como estimulador e a sociedade como aliada.
A agroecologia é estratégica para dar as respostas necessárias na produção, na inclusão social e na proteção ambiental. Nas últimas décadas inúmeras organizações como CETAP, CENTRO ECOLÓGICO, CAPA, REDE ECOVIDA, Cooperativa ECOVALE, Cooperativa COOPVIDA, Cooperativa UNICOOPER, UNICAFES, entre outras, contribuíram decisivamente para construir outro modelo de produção e consumo. Algo possível e necessário, como mostra Porto Alegre com a maior feira ecológica no mundo, que acontece todos os sábados na Redenção, prova contundente da força da agroecologia e das organizações da sociedade e do consumidor consciente.

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