FONTE: Carta Maior
A Agroecologia como uma nova ciên­cia, nascida na América Latina nos anos 1970, vem se mostrando como um potente enfoque teórico capaz de apoiar processos de transição das agriculturas e dos sistemas agroalimentares insustentáveis, de natureza industrial e dominados pelo merca­do capitalista, para a direção de sistemas mais sustentáveis e mais de acordo com os ideais de sustentabilidade e os princípios da segurança e da soberania alimentar. Como destacou o colega Gliessman, recentemente, a Agroeco­logia nos oferece um conjunto de técnicas e metodologias que permitem “o redesenho dos sistemas agroalimentares do campo à mesa”.
Do ponto de vista prático, temos observado avanços significativos das diferentes experi­ências agroecológicas tanto no mundo, como na América Latina, mas, particularmente no Brasil, onde elas se espalham pelas diferentes regiões do nosso imenso território, respon­dendo às características dos diferentes agro­ecossistemas e sistemas culturais dos grupos sociais implicados. Muitos esforços têm sido realizados para sistematizar e dar visibilidade a essas experiências; no entanto, ainda esta­mos longe de cumprir com essa tarefa.
Não obstante, tem-se observado que mi­lhares de experiências, em geral, se mantêm localizadas, em nível de unidade de produção ou, em poucos casos, abrangendo comunida­des rurais ou territórios. Isso se deve, em mi­nha opinião, principalmente, a três questões: por um lado, a necessidade de ampliar a cons­ciência e a abrangência de produtores e con­sumidores sobre os impactos socioambientais gerados pelo modo atual de produção, distri­buição e consumo. Por outro lado, é cada vez mais evidente a carência absoluta, ou profun­dos retrocessos que têm ocorrido nas poucas políticas públicas de apoio à transição agro­ecológica em nosso país. Em terceiro lugar, observa-se, ainda, a ilusão de que só com a adoção continuada de inovações tecnológicas se conseguirá chegar a uma agricultura sus­tentável. Essa é uma falsa ideia, na medida em que os processos de transição não dependem somente de tecnologias, mas requerem impor­tantes mudanças sociais, econômicas e institu­cionais. O que no âmbito do estado se traduz, também, em políticas públicas.
Também se observa, que do ponto de vista tecnológico, técnicos e agricultores mostram domínio crescente das técnicas e formas de manejo capazes de contribuir para o desenho de agroecossistemas mais sustentáveis ou mes­mo para o desenvolvimento de estratégias de comercialização mais sustentáveis do ponto de vista do consumo de matéria e energia e, por­tanto, mais sustentáveis socioambientalmente, como podem ser os diferentes tipos de circui­tos curtos de comercialização.
O acima exposto indica que o “escalona­mento” das experiências agroecológicas já não depende, propriamente, de conhecimentos técnicos, científicos ou populares, mas está sendo obstaculizado pela carência de um ar­senal apropriado de conhecimentos e institui­ções, capazes de ajudar na compreensão e aná­lise dos elementos de insustentabilidade dos atuais modelos hegemônicos de agricultura industrial e sistemas agroalimentares oligopo­lizados, cuja superação não ocorrerá pelo vo­luntarismo de práticas individuais, senão que depende, fundamentalmente, de ação social coletiva.
Daí, a necessidade imperativa de uma Agro­ecologia Política (AP), que, como campo de estudos do âmbito da Agroecologia, seja capaz de promover um entrelaçamento decisivo en­tre Agroecologia e Política, ou seja, a neces­sidade de uma agroecopolítica, que ponha luz sobre a realidade das crises socioambientais e contribua na direção das lutas sociopolíticas que necessitam ocorrer no ambiente institu­cional.
A Agroecologia Política, assim como sua irmã, a Ecologia Política, se sustenta em dois pilares indissociáveis: os marcos cognitivos (conhecimento, ideologia) e marcos institu­cionais (regras, normas, políticas públicas) que deveriam orientar as condutas e as es­colhas individuais e coletivas. Por um lado, a AP se propõe a oferecer uma ideologia (no 18 Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade – PPGCOM/UFPE | melhor sentido da palavra), ou seja, um con­junto de conhecimentos que possam iluminar caminhos em direção à sustentabilidade, isso é, examinar a partir da análise ecológica os atuais modelos de agriculturas industriais e os sistemas agroalimentares dominantes, mos­trando seus elementos de insustentabilidade. Por outro, oferece um programa de normas, regras e de reformas institucionais de estímu­lo à transição agroecológica. E não se trata de um receituário. Aqui, estamos falando de polí­ticas públicas, taxas ambientais do tipo polui­dor-pagador, impostos verdes, isenção de im­postos para alimentos ecológicos, sobretaxa a produtos quilométricos, sobretaxas a produtos químicos contaminantes (agrotóxicos, fertili­zantes químicos), impostos sobre a emissão de gases de efeito estufa, estímulos à captação de carbono, pagamentos por serviços ambientais e/ou proteção da paisagem, assim como uma infinidade de possibilidades que vêm sendo implementadas em diferentes lugares.
Obviamente, no primeiro caso, os avanços na produção dos conhecimentos que orientem as decisões individuais e coletivas (de produ­tores e consumidores) podem ocorrer em âm­bitos mais restritos, desde laboratórios a gru­pos de produção e consumo. Não obstante, o segundo caso depende de ação social coletiva, o que nos remete diretamente para o campo da política, que é a disciplina ou o campo das relações sociais que se ocupa das inter-rela­ções e dos arranjos institucionais que podem ser capazes de potencializar (ou não) proces­sos de transição agroecológica.
Desse modo, quanto mais ampla e abran­gente for a escala em que ocorrem os proces­sos de transição agroecológica, mais e mais eles dependem da política. Assim, em nível de unidade de produção, como vimos antes, a transição poderia ocorrer a partir da tomada de consciência individual ou familiar sobre a necessidade de mudanças no processo produ­tivo e, a partir daí, se lançaria mão do arsenal disponível de técnicas e formas de manejo ca­pazes de levar a produção da direção de mais sustentabilidade, a partir do redesenho dos agroecossistemas de acordo com as condições ecológicas e socioeconômicas locais. Do mes­mo modo, a partir desse nível de consciência sobre a necessidade de mudanças, consumido­res poderiam fazer suas eleições por formas de apoio aos produtores de alimentos ecológicos, por privilegiar os mercados de proximidade, ou produtos de época, etc, e também eles esta­riam contribuindo para mais sustentabilidade. Ambos os casos já estão ocorrendo no mundo todo.
Entretanto, à medida que a transição amplia sua escala, em nível de comunidade, microba­cias, territórios, municípios, estados, nação ou planeta, passam a emergir novas propriedades para as quais as respostas dependem da ação coletiva e do poder político que cada grupo social ou movimento agroecológico possa ter para defender seus interesses, em diferentes arenas de disputa. Reforçando: estamos falan­do de política, de relações de poder.
Nesse sentido, recolocar o processo de co­evolução socioecológica nos seus trilhos da sustentabilidade não é tarefa apenas indivi­dual ou de pequenos grupos comunitários de produtores e consumidores, senão que depen­de de maiorias sociais, de força política sem a qual não será possível avançar na direção da sustentabilidade da agricultura e dos siste­mas agroalimentares, por mais que tenhamos um arsenal técnico e metodológico adequado. Cabe enfatizar, não seremos somente nós, aca­dêmicos, técnicos e agricultores suficientes para impulsionar esses processos de transição em escalas mais amplas. Ou teremos a parti­cipação ativa de maiorias da cidadania (uma politização do consumo) ou os processos de transição agroecológica serão condenados a permanecer como periféricos, invisibilizados, restritos a guetos e a nichos de produção e consumo de alimentos sadios que não geram as transformações necessárias no sistema ca­pitalista organizador da agricultura e dos sis­temas agroalimentares. Por isso, a Agroeco­logia Política se tornou um imperativo para apoiar a transição agroecológica, ainda possí­vel, no século XXI.

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