FONTE: A Nova Democracia
Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), publicado em revistas científicas, aponta que a fumaça das queimadas na Amazônia provocaram prejuízos aos camponeses e povos tradicionais. Não só aumentam as internações por doenças respiratórias, como também aumenta as taxas de câncer e outras doenças.
Diversos gases tóxicos com substâncias cancerígenas são gerados nas queimadas, dentre eles oligoelementos, black carbon, material particulado fino e orgânico, CO (monóxido de carbono) e NO2 (dióxido de nitrogênio). Além de material particulado, principalmente na moda fina, com diâmetro aerodinâmico de até 2,0 μm e na moda grossa de 2,0 μm a 10 μm. O estudo ressalta que esse material pode ser dispersado por centenas de quilômetros, atingindo não apenas as capitais, mas também povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e camponeses.
As amostras foram coletadas em Porto Velho (RO), ou seja, os dados nas cidades do interior tendem a ser piores.
De acordo Sandra Hacon, da Escola Nacional de Saúde Pública, as conclusões do estudo são inéditas e muito importantes, pois foi possível constatar que as partículas de queimadas da Amazônia provocam graves danos genéticos nas células que, por sua vez, podem causar não somente câncer de pulmão, como diversas outras doenças.
“A fumaça é composta por hidrocarbonetos aromáticos que são cancerígenos, no entanto, recentemente, nós encontramos um poluente carcinogênico proveniente da queimada diferente dos hidrocarbonetos que conhecíamos, que é chamado de reteno. É uma questão de bom senso”, diz ele.
Ele prossegue: “Não faz sentido continuar esse processo de queimadas na Amazônia. A situação estava controlada, mas houve aumento acentuado nos últimos três anos”.
Outro estudo, realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), aponta que crianças e os povos indígenas estão entre os mais vulneráveis à poluição da fumaça pelas queimadas.
A pesquisa constatou que nas regiões mais atingidas pelas queimadas o número de crianças internadas com problemas respiratórios dobrou, em comparação a 2018. Foram cerca de 2,5 mil internações a mais, por mês, em maio e junho de 2019, em aproximadamente 100 municípios da Amazônia Legal, em especial nos estados do Pará, Rondônia, Maranhão e Mato Grosso.
Houve também aumento no número de mortes de crianças. Em Rondônia, por exemplo no período entre janeiro e julho de 2018, foram cerca de 287 mortes a cada 100 mil crianças com menos de dez anos, enquanto em 2019, esse número subiu para 393. Enquanto em Roraima, 1.427 crianças a cada 100 mil morreram internadas por problemas respiratórios, no primeiro semestre de 2018. No mesmo período de 2019, foram 2.398. No Pará foram 88 mortes em 2018.
O pesquisador Christovam Barcellos, da Fiocruz, afirma que as crianças são as mais prejudicadas com a poluição provocada pelas queimadas. “Crianças são mais sensíveis a fatores externos, como a poluição. Seu sistema imunológico ainda está em desenvolvimento e o aparelho respiratório, em formação. São mais suscetíveis a alergias. Além disso, muitas crianças podem não ter conseguido chegar aos hospitais. O SUS tem que ir para rua. Não pode esperar que as pessoas cheguem ao hospital, tem que ir às comunidades, fazer busca, reforçar os serviços de saúde do indígena, orientar sobre como se comportar nesses casos, fazer um primeiro socorro dentro de casa, procurar posto de saúde. Na Amazônia, as distâncias são muito grandes, às vezes um atendimento pode levar dias só com deslocamento. Muitas pessoas podem ter tido episódios de bronquite e asma, entre outros, sem atenção médica”.
O estudo também aponta que os povos indígenas são atingidos, pois até mesmo a fumaça das queimadas realizadas longe dos seus territórios chega nas aldeias. “As queimadas na Amazônia representam um grande risco à saúde da população. Os poluentes emitidos por estas queimadas podem ser transportados a grandes distâncias, alcançando cidades distantes dos focos de queimadas”.
A trabalhadora Nize Ferreira, de 22 anos, moradora de Barra do Garças, a 523 km de Cuiabá, relata que em um período do ano as queimadas eram tão fortes que pareciam um nevoeiro; sua filha chegou a ficar doente. “Ela, que já tem problema de saúde, ficou pior por causa da seca e da fumaça. Aqui, em Barra, parecia que a gente tava dentro de um nevoeiro. Minha filha ficou no hospital por cinco dias e outros dois dias esteve no hospital”.
A Confederação da Agricultura Familiar