Por Lucas Titon
No árido interior do Quênia, onde a terra seca luta contra o vento imprevisível das montanhas, um novo capítulo de resistência e resiliência começou a ser escrito pela CONAFER. No vilarejo de Kandutura, condado de Rongai, a Confederação deu um passo histórico ao formar a primeira brigada comunitária de combate a incêndios do país, visto que implementou um modelo inédito de organização comunitária para os quenianos. O que aconteceu lá foi mais do que apenas um treinamento, foi o início de uma transformação potente, feita de coragem, suor e um compromisso inabalável com a preservação do ambiente e das comunidades locais.
Secretário Geovanio Katukina orientando os brigadistas
Liderada pelo secretário de Políticas de Monitoramento e Segurança no Campo, Geovânio Katukina, a missão tinha dois objetivos: capacitar a comunidade a enfrentar os desafios do fogo e, ao mesmo tempo, fortalecer sua autonomia no cuidado com a terra. O treinamento foi intenso. Sete brigadistas foram formados, Patrick Chege, Joseph Njoroge, Daniel Kihuga, Onesmus Mulei, James Ngugi, Peter Wairimum e Peter Kihara, e entre eles, Patrick foi escolhido como líder do grupo que foi batizado de Young Generation Brigade. O fogo, que tantas vezes trouxe medo e destruição para a região, agora encontrava seus primeiros oponentes à altura.
Primeira brigada comunitária do Quênia
O dia começou com a distribuição dos equipamentos e a montagem das ferramentas. Sob o olhar atento do secretário Katukina, cada gesto, cada instrução carregava não apenas conhecimento técnico, mas o peso da responsabilidade que assumiam dali em diante. O primeiro passo foi um aquecimento físico, uma corrida pelo território para testar os limites do corpo e da mente. Em seguida, veio a aula teórica: comportamento do fogo, análise de vento, solo, vegetação e todas as peculiaridades da região – e havia uma ali – a geografia montanhosa fazia o vento mudar de direção constantemente, inclusive formando pequenos tornados que andam rápido mas somem rapidamente, um elemento a mais que durante um incêndio torna o desafio ainda maior.
Aprendendo a construir trincheiras que param o fogo
A parte prática foi um espetáculo de união e aprendizado. Os brigadistas aprenderam a conter o fogo com a construção rápida e coletiva de trincheiras ao redor dos focos de incêndio, uma técnica que pode salvar vidas e preservar territórios inteiros. Também foram introduzidos à teoria do combate do fogo usando fogo, um método eficaz amplamente utilizado no Brasil, mas que exigirá uma próxima etapa para ser colocado em prática com os equipamentos adequados. Além disso, estudaram o modelo brasileiro de brigadas comunitárias dos povos originários, formadas pela CONAFER, assistindo a vídeos e absorvendo materiais didáticos, aproximando ainda mais as realidades de Brasil e Quênia.
Ao final do treinamento, os novos brigadistas receberam suas instruções de trabalho. Quando não estiverem combatendo incêndios, sua missão será auxiliar a comunidade no que for necessário, seja construções, apoio nas lavouras, proteção do gado e qualquer atividade que fortaleça o bem-estar coletivo. E essa promessa foi cumprida com garra. Logo após o curso, a brigada já estava em campo, ajudando no deslocamento do gado para a inseminação do programa +Pecuária África, mostrando que a verdadeira luta pela vida vai muito além das chamas, começa com o ato de se importar, e realizar. Desde então, os brigadistas não pararam. Todos os dias, estão nas ruas, nos campos, nos lares da comunidade, transformando suor em esperança, força em mudança. Eles não são apenas combatentes do fogo. São construtores de um ambiente mais seguro e digno para as comunidades de seu povo.
Brigadistas junto ao presidente da CONAFER, Carlos Lopes, secretário Geovanio Katukina e liderança local, Peter Jiguna.
Enquanto Kandutura forma sua primeira linha de defesa contra incêndios, o Quênia vive uma crise ambiental sem precedentes. O país enfrenta incêndios devastadores em diversos parques nacionais e áreas protegidas, agravados por uma seca severa que deixa a vegetação extremamente inflamável. As chamas já consumiram partes dos parques nacionais de Nairóbi, Aberdare e Monte Quênia, colocando em risco não apenas a biodiversidade, mas também as comunidades que dependem dessas terras para sobreviver.
O governo intensificou patrulhas aéreas e terrestres, e equipes de emergência trabalham incansavelmente para conter os focos de incêndio. Mas as condições são brutais: ventos fortes espalham o fogo rapidamente, e muitas das áreas atingidas são de difícil acesso. As autoridades apontam atividades humanas e o clima árido como principais causas da tragédia, enquanto voluntários e organizações civis tentam unir forças para minimizar os estragos.
Mapa que demonstra focos de incêndio no Monte Quênia
Diante desse cenário, a criação da brigada comunitária em Kandutura não poderia ser mais urgente. Esse grupo representa um primeiro passo gigantesco para a proteção do território. São eles que, armados com conhecimento, coragem e espírito coletivo, farão a diferença quando o fogo vier.
A história dos brigadistas de Kandutura não termina aqui. A formação de novas turmas, o aperfeiçoamento das técnicas e o fortalecimento da estrutura de combate a incêndios na região são metas que já estão traçadas. A parceria entre a CONAFER e a comunidade queniana continua firme, e o compromisso é de longo prazo.
Brigadistas quenianos observando atuação de brigadistas brasileiros
Cada passo dado nessa jornada reforça uma verdade essencial: a solidariedade não tem fronteiras. Quando povos se unem, compartilhando conhecimento e esperança, o impacto vai muito além do presente. O que começou como um treinamento se transformou em um símbolo de resistência, em um pacto pela vida.
E essa chama – a chama da transformação – ninguém poderá apagar.
Após a saída da CONAFER, os brigadistas realizam trabalho diário de apoio à comunidade
