No século XVII, 20 mil escravos fugidos de engenhos de Pernambuco, formaram o maior quilombo de toda a América Latina, que resistiu por 1 século às investidas de holandesas e portuguesas. Por isso, tornou-se símbolo de luta e resistência. O Quilombo dos Palmares foi uma república em pleno período colonial e escravocrata. Os seus habitantes trabalhavam de forma coletiva, uma referência de produtividade, sustentabilidade e fartura. Esta grande comunidade se desenvolveu na região da capitania de Pernambuco, na Serra da Barriga, atualmente zona da mata do Alagoas. O seu líder, Zumbi dos Palmares, não admitia a dominação dos brancos sobre os negros, tornando-se um dos maiores símbolos de luta pela liberdade da nossa história. Zumbi foi assassinado no dia 20 de novembro de 1995, por isso a escolha desta data para lembrar o Dia da Consciência Negra. A CONAFER considera esta pauta fundamental, tanto que criou a Secretaria Nacional de Desenvolvimento e Políticas de Povos e Comunidades Quilombolas, comandada pelo secretário Paulo Sérgio Barbosa, o Akin de Ogun. A Confederação se soma ao movimento de conscientização negra, do reconhecimento de seu valor cultural, assim como da luta de quem não se cala contra o racismo estrutural, fortalecendo a resistência contra retrocessos. Saudamos, especialmente, os agricultores quilombolas, que mantêm a sua luta e resiliência no campo
Brasil, 2022, 300 anos depois de Palmares, pelos vãos das serras entre Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Teresina de Goiás, no nordeste goiano, na Chapada dos Veadeiros, desvenda-se o maior quilombo reconhecido oficialmente no país, o território Kalunga. Os kalungas realizam um georreferenciamento próprio de suas terras: são mais de 262 mil hectares, reconhecidos há quase vinte anos pelo governo federal, com aproximadamente 1,5 mil famílias espalhadas em 39 comunidades.
Roça feita pela comunidade Kalunga em Monte Alegre, Goiás — Foto: Elder Miranda Jr/AQK/Divulgação
O objetivo dos kalungas é usar o georreferenciamento para proteger suas terras. Há diversas ameaças rondando o quilombo, como os invasores que extraem minérios ao longo do rio Paranã, o domínio da soja ao redor e a presença de grileiros. Prova viva que o fim de Palmares não matou a memória dos que ali habitaram. Daí a importância do 20 de novembro em nossa sociedade atual. Assim como o quilombo-símbolo da resistência negra dos séculos XVI e XVII, o movimento de consciência negra toma conta do mundo e se fortalece no Brasil. A causa negra mantém fortes e vibrantes as vozes contra o racismo.
Casas do território kalunga, no nordeste de Goiás, são de barro e telhado de palha. Foto: Fábio Tito/G1
A Consciência Negra também representa a identificação da causa e luta dos ancestrais africanos que desembarcaram no Brasil e trouxeram consigo a cultura, costumes e tradições do povo afro. Esta data é para termos consciência que a cultura escravocrata e o racismo estrutural persistem. Os crimes diários contra populações pretas não cessam. E ceifam milhares de vidas, principalmente dos jovens. Ainda são trágicas as consequências de uma sociedade colonizadora que prosperou a partir da exploração econômica da população africana trazida escrava. E mesmo que a história de crimes contra a humanidade, já escancarada ao longo do tempo, seja revelada para as novas gerações, seguem os afro-brasileiros em situação de absurda desigualdade.
A data de 20 de novembro que celebra o Dia da Consciência Negra é reconhecida desde 1971, mas foi instituída oficialmente apenas em 10 de novembro de 2011, em uma homenagem ao grande líder e guerreiro Zumbi dos Palmares (1655-1695)
Como disse uma vez Zumbi dos Palmares, “Nascer negro é conseqüência, ser negro é consciência”. Desde o Brasil colônia até a atualidade a influência dos negros africanos moldaram o nosso país nos costumes, nas artes, na culinária, na religião, na política, em todos os aspectos sociais. No Brasil atual, temas ganham evidência e são levados a debate, como a inserção do negro no mercado de trabalho, a questão das cotas universitárias, o preconceito racial e a diferenciação salarial. São visíveis os reflexos da história de desigualdade e exploração da população negra.
Segundo pesquisas do IBGE (ano 2000) os afrodescendentes têm menos acesso à Previdência Social e menor esperança de sobrevida no país, vivendo menos que os brancos. As famílias brancas têm a renumeração com o salário médio de 5,25/h e as famílias de negros 2,43/h, ou seja, os brancos ganham mais que o dobro do salário da família negra. Programas sociais são importantes para reduzir esta desigualdade. Nas últimas décadas tivemos muitos avanços na área da educação, com o declínio do analfabetismo e aumento da escolarização e da escolaridade média, mas há muito que ser feito para alcançar níveis melhores de qualidade, eficiência e rendimento do ensino compatível com as necessidades atuais e futuras para o mercado de trabalho e o exercício da cidadania para a população jovem negra. No ensino fundamental, a escolaridade dos brancos é de 6,7 anos e dos negros é de 4,5 anos, ou seja, os negros saem da escola antes do tempo para ajudar a família na renda familiar.
No ensino superior, as cotas raciais são cruciais para o acesso de negros e pardos às universidades brasileiras. Há ainda muito que se fazer para oferecer aos afro-brasileiros pleno acesso aos seus direitos humanos fundamentais, à liberdade de expressão e à igualdade racial. Para que ocorram significativas mudanças é necessário um esforço em conjunto das esferas federais, estaduais e municipais, assim como dos movimentos sociais e de toda a sociedade civil. Nos quase 400 anos de duração do sistema escravista no Brasil, os escravos de diversos matizes, não só os negros vindos da costa da África, mas também seus descendentes mestiços com o branco e o índio, rebelaram-se várias vezes, e de diversas formas, como os quilombos. Se na época do Brasil colônia os quilombos sofriam com perseguições por parte da coroa portuguesa, seguida logo depois pelo império brasileiro, complementada com os requintes da filosofia positivista dos primeiros tempos da república, hoje vivemos sob uma forma moderna, tão ou mais cruel de perseguição, destruição e adaptação das comunidades tradicionais, realçadas por intencional invisibilidade na forma do aporte tecnológico, político-ideológico e filosófico que envolve as agriculturas industriais modernas, desestimulando a prática de uma agricultura tradicional e ecologicamente estabelecida, de respeito aos limites que a natureza impõe. Além de dar a devida visibilidade às comunidades negras, é fundamental a reparação histórica da nossa sociedade aos afro-brasileiros.
Com informações do IBGE, Portal Geledés (https://www.geledes.org.br/), Lourival de Moraes Fidelis com sua monagrafia pela UFPR, “Agricultura Quilombola e suas Interfaces com a Agroecologia: história e tradições ligadas à agricultura tradicional do quilombo João Surá” e Portal G1.