da Redação
Durante muito tempo, a coleta do látex da seringueira foi realizada por comunidades indígenas, cuja organização dos territórios inspirou a criação das reservas de extração
A história econômica da Região Norte do país se confunde com a história da borracha. O produto natural é obtido a partir do extrativismo, atividade permanente e essencial para milhares de comunidades amazônicas. O látex, líquido branco do qual é produzida a borracha, é extraído da seringueira, planta nativa da Floresta Amazônica.
De nome científico Hevea Brasiliensis, a seringueira é a mais importante em termos econômicos dentre 11 espécies do gênero, devido à capacidade de produção. Legitimamente brasileiro, o látex obtido da árvore foi um dos mais importantes produtos da economia nacional entre 1870 e 1920, período em que chegou a ser responsável por 25% das exportações, atrás apenas da cultura do café.
Nos dias atuais, a extração de látex e a exploração da árvore seringueira continuam sendo importantes fontes de renda para milhares de famílias, principalmente na Região Norte. A seringueira fornece matéria-prima para mais de 30 mil itens, que vão de tinta a medicamentos. No entanto, a fabricação de borracha segue como principal uso para o látex.
O Brasil já viveu seu auge com o “Ciclo da Borracha”. Hoje, entretanto, as cerca de 180 mil toneladas de borracha natural que produz são suficientes apenas para fazer frente a 20% da necessidade nacional. Apesar de ser o maior produtor de borracha natural da América Latina e de ter condições de se tornar autossuficiente na produção, o Brasil não possui políticas públicas para o setor.
Para um país que possui, em relação aos demais países produtores, área incomparavelmente maior, apta para o plantio de seringueira, esse déficit de produção significa um enorme descaso para um produto estratégico e que constitui a base econômica de milhares de famílias.
O seringueiro: uma história de luta e resistência
Durante muito tempo, a atividade de coleta do látex da seringueira, com o intuito de transformá-lo em borracha, foi realizada somente por algumas comunidades indígenas. Os primeiros seringueiros, trabalhadores que retiraram o látex da seringueira como fonte de renda, chegaram à Amazônia na década de 1870.
A vida do seringueiro é dormir cedo e acordar cedo. A partir das 4 horas da madrugada, já é possível perceber a movimentação dos trabalhadores saindo para a estrada de seringa. Grande parte da população de nordestinos que hoje vive na Amazônia migrou para explorar o látex. Uma história curiosa é que o estado do Acre só pertence ao Brasil porque os seringueiros lutaram por ele.
O seringueiro que trabalha em floresta nativa normalmente pode “sangrar” de 140 a 160 árvores por dia, recolhendo de 15 a 20 litros de látex. Uma árvore produz, em média, 4,5 litros de látex por ano. Os seringueiros trabalham dois meses por ano com duas pausas: uma quando se dedicam à coleta dos frutos da castanha e outra quando as seringueiras perdem as folhas. Como a seringueira vive muito tempo, o látex pode ser extraído ao longo de várias décadas.
Durante os anos de 1970 e 1980, o governo brasileiro deu muito apoio para pecuaristas implantarem fazendas na região amazônica. Os moradores da floresta eram expulsos de suas áreas para que a mata fosse transformada em pasto. No Acre, os seringueiros, liderados por Chico Mendes, descobriram uma forma de lutar pela terra.
Quando os madeireiros e pecuaristas se deslocavam para a derrubada das árvores, um grande grupo de seringueiros com suas mulheres e filhos ficavam de mãos dadas impedindo a passagem dos tratores. Muitas vezes os pecuaristas voltavam e deixavam a mata em pé. Esses confrontos ficaram conhecidos como “empates”, que no linguajar amazônico significa impedir.
Produção sustentável e mercado garantido
A seringueira possui um longo ciclo de vida, chegando a ultrapassar os 200 anos da idade. É uma planta que se desenvolve preferencialmente em meio a solos argilosos e férteis, na beira de rios e várzeas. A árvore pode atingir até 30m de altura e seu tronco pode variar entre 30cm e 60cm de diâmetro.
No princípio, o Brasil era o único produtor de borracha natural no mundo. Depois, os ingleses levaram as sementes da seringueira brasileira para o sudeste asiático e a borracha passou a ser produzida também em outros lugares.
No Brasil, o cultivo da planta partiu da Região Norte para o Sudeste e o Centro-Oeste, chegando também à Bahia e ao Paraná.
A árvore inicia a produção de sementes em aproximadamente quatro anos e, por volta de seis ou sete anos de idade, é possível extrair o látex a partir da casca da árvore. O cultivo da árvore traz vários benefícios. A primeira colheita demora a acontecer, mas essa é uma forma de produção sustentável, que não degrada o meio ambiente. O que permite ao pequeno agricultor diversificar a produção e ainda ter uma renda extra, por ter um mercado garantido.
O fruto da seringueira assemelha-se a uma cápsula que geralmente abriga três sementes grandes. Estas pesam de 3,5 a 6 gramas, possuem formato oval e apresentam uma superfície ligeiramente achatada. Normalmente, a coloração da madeira é semelhante ao branco, podendo apresentar em certas ocasiões uma coloração marrom clara ou amarelada. A espécie frutifica entre novembro e fevereiro, mês em que ocorre a queda de seus frutos. É de março a junho que a seringueira apresenta as condições propícias para a extração do látex.
A borracha natural é o resultado da coagulação do leite da seringueira, o látex. Para ser utilizada como matéria-prima pelas indústrias, esse material passa por um processo de transformação conhecido como vulcanização, que proporciona maior elasticidade e resistência à borracha mediante aplicação de calor. O material é usado na fabricação de pneus, bolas, luvas cirúrgicas e em outros produtos importantes usados no dia a dia.
Planta proporcionou “Belle Époque” de Manaus e Belém
A seringueira foi a principal responsável por aquele que é considerado o melhor ciclo econômico da Amazônia. A partir de meados do século XIX, a extração do látex e a produção de borracha provocaram uma profunda modificação na estrutura urbana das duas principais capitais da região, Belém e Manaus. Esse período ficou conhecido como a Belle Époque de ambas as cidades.
Com os recursos da comercialização do látex e exportação da borracha, foi possível, por exemplo, a criação do Teatro Amazonas, em Manaus, e do Museu Goeldi, no Pará, cujo Parque Zoobotânico funcionou como laboratório ao ar livre para o estudo das plantas gomíferas, como as seringueiras.
Em 1876, o britânico Henry Wickham levou 70 mil sementes da espécie Hevea Brasiliensis para a Inglaterra. Sem conhecimento sobre o que poderia acontecer, os donos dos seringais amazônicos deram livremente a semente da espécie nativa que produzia o melhor látex do comércio internacional.
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Na Inglaterra, as milhares de sementes foram plantadas nas estufas do Jardim Botânico Real, sendo que apenas duas mil germinaram. Mas bastou essa quantidade e o conhecimento científico para que os ingleses mudassem o jogo comercial. Ao replantarem a Hevea Brasiliensis no sudeste asiático, os britânicos começaram a destruir o monopólio da borracha na Amazônia.
Na segunda década do século XX, o mercado da borracha brasileira já não suportava a pressão da competição com o comércio inglês e o grande ciclo da borracha amazônica passou a perder relevância. A região amazônica entrava em crise e, com ela, as duas metrópoles regionais.
Organização das Reservas Extrativistas
A ideia de Reserva Extrativista surgiu em 1985, durante o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, como uma proposta para a preservação da floresta diante das ameaças de expansão das grandes pastagens, da especulação fundiária e do desmatamento.
O conceito surgiu entre populações extrativistas, a partir da comparação com as reservas indígenas e com as mesmas características básicas: as terras são da União e o usufruto é das comunidades. Era uma espécie de reforma agrária apropriada para os moradores da floresta, baseada no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte.
A proposta foi efetivada com a elaboração do Decreto 98.897/1990, que definiu as bases para a criação dessas reservas, com objetivos básicos como proteger os meios da vida e a cultura das populações locais e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. No Brasil, estas reservas são geridas por um conselho deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme regulamento e ato de criação da respectiva unidade.
Na Amazônia, as Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável cobrem uma área que representa cerca de 4,8% da Amazônia Legal, 19% das Unidades de Conservação da Amazônia e 8% das florestas da região, beneficiando aproximadamente um milhão e meio de pessoas. Esses projetos agregam valor aos produtos naturais da floresta e costumam fomentar o desenvolvimento de áreas como educação básica e assistência à saúde nas localidades. Porém, tal atendimento não consegue alcançar todas as famílias das comunidades.
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