No coração da Serra da Jiboia, no município de Santa Terezinha, no Recôncavo Baiano, a 150 km de Feira de Santana, a Aldeia Pedra Branca é território ancestral dos indígenas Kariri Sapuyá. Palco de uma retomada no dia 10 de dezembro de 2023, Pedra Branca vem recebendo reiterados ataques de invasores. Desta vez, com tiros e bombas como ocorreu ontem, 19 de fevereiro, para desespero das famílias indígenas. O cacique Kauã Kariri Sapuyá falou sobre o ataque: “fomos coagidos por bombas e tiros, essa situação, ela aterrorizou toda a minha comunidade, vem aterrorizando hoje ainda, aqui nós temos 10 famílias, entre elas idosos, crianças recém-nascidas”. Já o cacique Aruã Pataxó, coordenador Regional da Funai do Sul da Bahia, falou das providências: “tomei conhecimento hoje de um ataque a bombas e também a tiros na comunidade indígena Kariri Sapuyá, no município de Pedra Branca, no Recôncavo Baiano. Fiz de imediato contato com o cacique Kauã e as autoridades para averiguar as situações. Sobre a comunidade Pedra Branca, a Funai já fez o relatório de qualificação territorial em 2024, e já encaminhamos para a Diretoria de Proteção Territorial da presidência da Funai para fazer os encaminhamentos para demarcação. Então, a Funai estará sempre à disposição dos povos indígenas para a defesa e garantia dos seus direitos”
A retomada indígena em Pedra Branca é um chamado urgente sobre a importância da preservação dos territórios tradicionais, o reconhecimento e demarcação dessas terras não são apenas uma reivindicação histórica, mas uma necessidade para garantir a justiça e a perpetuação de suas culturas. A tese inconstitucional do marco temporal, que acabou virando Projeto de Lei pelo Congresso, impede a demarcação de terras indígenas após a Constituição de 1988. O PL instituindo o marco temporal foi aprovado pelo Congresso em dezembro de 2023, contrariando os princípios constitucionais que balizaram a decisão do STF, que deu ganho de causa ao povo Xokleng, de José Boiteux-SC, contra o estado de Santa Catarina que pedia a reintegração de uma área indígena. Por 9×2, o STF, em setembro de 2023, já havia enterrado a ideia do marco temporal ao instituir uma jurisprudência favorável aos povos originários.
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O cacique Kauã Kariri Sapuyá falou sobre o ataque: “fomos coagidos por bombas e tiros, essa situação, ela aterrorizou toda a minha comunidade, vem aterrorizando hoje ainda, aqui nós temos 10 famílias, entre elas idosos, crianças recém-nascidas”
O cacique Kauã Kariri Sapuyá, falou do ataque à Pedra Branca e da violência que o seu povo vem sofrendo, “nós do povo Kariri Sapuyá, retornamos ao nosso território original no dia 10 de dezembro de 2023. Fomos convocados pelos encantados, nossos ancestrais, para virmos tomar posse do espaço que é nosso originalmente, de onde nossos antepassados foram expulsos. Seguindo aí um longo caminho, com perda de parentes, até chegarem na Reserva Indígena Caramuru Catarina Paraguassu, onde enfrentaram lá uma guerra de 1987 até 2012. Então, violência, sempre, sempre violência aqui contra nós, contra o povo Kariri Sapuyá. A comunidade, aqui em Pedra Branca, em Santa Terezinha, foi surpreendida com mais uma ação violenta. São várias ações de violência, como no dia 12 de fevereiro de 2024, por volta de umas 4 horas da tarde, quando ouvimos vários disparos do invasor vizinho aqui do lado da comunidade. E ontem, quarta-feira, dia 19, no horário de umas 10 horas e 16 minutos, fomos coagidos por bombas e tiros, essa situação, ela aterrorizou toda a minha comunidade, vem aterrorizando hoje ainda, aqui nós temos 10 famílias, entre elas idosos, crianças recém-nascidas”.
O cacique Kauã Kariri Sapuyá seguiu em seu apelo, “eu como cacique, eu tô cansado de tanta violência contra o meu povo, venho pedir a aceleração do processo da demarcação do território e que as autoridades tomem providências. Com relação a esses atos de terror contra a minha comunidade, esse é um apelo de um cacique que vem sofrendo, Deus do céu!
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O cacique Aruã Pataxó, coordenador Regional da Funai do Sul da Bahia, assim que tomou conhecimento do ataque a bombas e a tiros na comunidade indígena fez imediato contato com as autoridades
O cacique Aruã Pataxó Aruã declarou que “a Polícia Militar do estado da Bahia já esteve com a guarnição presente na comunidade e a Funai estará fazendo os encaminhamentos, oficiando a Secretaria de Segurança Pública e a Superintendência de Política para os Povos Indígenas para o fortalecimento ostensivo da comunidade, e também para a Polícia Civil e Polícia Federal para investigar esse caso. A Funai já fez o relatório de qualificação territorial em 2024, e já encaminhamos à Diretoria de Proteção Territorial da presidência da Funai para formar um grupo de trabalho para identificação do território. Então a Funai estará sempre à disposição dos povos indígenas para a defesa e garantia dos direitos”.
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O cacique Zeca Pataxó, coordenador executivo do Movimento Indígena da Bahia, saiu em defesa do povo Kariri Sapuyá com o envio de Ofício exigindo providências dos órgãos públicos e governo federal
O cacique Zeca Pataxó, coordenador executivo do Movimento Indígena da Bahia, o MIBA, enviou Ofício ao Ministério da Justiça, Gabinete do Ministro do Estado, 6ª Câmara do Ministério Público Federal da Procuradoria Geral da República, ao Ministério dos Povos Indígenas e ao Gabinete da Ministra da Presidente da Funai. No texto, “o MIBA, no uso de suas atribuições estatutárias e em defesa dos povos indígenas da Bahia, vem comungar o sentimento de insegurança vivida pela comunidade indígena do povo Kariri Sapuyá, que ocupa seu território tradicional e espera do governo federal, através dos órgãos responsáveis, que promovam o processo de regularização fundiária do território em questão, uma vez que o mesmo se encontra pautado pela Funai, dentro do processo legal de resolução”.
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A aldeia de Nossa Senhora de Nazaré da Pedra Branca
Pedra Branca teve sua origem no século XVI, a partir da única casa-forte construída sob o comando de Gabriel Soares de Sousa. “Esta construção fazia parte de um projeto maior, que visava formar as chamadas “muralhas do sertão”, barreiras estratégicas compostas por tribos indígenas relocadas, com o objetivo de conter os avanços de etnias consideradas mais perigosas, como os aimorés, também conhecidos como gren ou botocudos”. No entanto, o projeto de casas-fortes não prosperou, e apenas essa fortaleza foi efetivamente construída, dando origem ao núcleo que se tornaria a aldeia de Pedra Branca.
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Em 1700, a Coroa Portuguesa demarcou o aldeamento como parte dos esforços para cessar a Guerra dos Bárbaros, sendo este o marco oficial de sua fundação. Em 1758, com a implantação do Diretório Pombalino, a aldeia foi elevada à condição de vila, mas posteriormente retrocedeu ao status de distrito. Em 1850, foi novamente elevada a município, com a sede na Vila de Nossa Senhora da Conceição da Tapera, retornando a distrito em décadas posteriores.
A vila de Pedra Branca, subordinada à comarca de Cachoeira, estava cercada por diversos povoados e vilas, incluindo Tapera (atual Castro Alves), o núcleo político e econômico mais importante da região. Pedra Branca se destacava como um espaço de tensão constante, especialmente devido aos conflitos entre os interesses dos indígenas locais e as políticas centralizadoras da Câmara Municipal de Tapera. Esses embates revelam a resistência indígena diante das pressões políticas e econômicas do período.
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Pedra Branca é um dos locais mais antigos da região, onde os Kariri-Sapuyá iniciaram a povoação
Em dezembro de 2023, uma mobilização no território indígena Caramuru Paraguassu dos Pataxó HãHãHãe. com o encontro de cinco caciques das aldeias Kariri-Sapuyá, uniu-se à comitiva da retomada, partindo de Santa Rosa e passando por Jequié até chegar em Santa Terezinha, apontada como o legítimo território ancestral pelos anciãos. Ao chegarem ao local, encontraram uma área abandonada e iniciaram os trabalhos, construindo cabanas para rituais, seis ocas e roças comunitárias para cultivo, com produção de artesanatos para comercialização local, demonstrando a retomada como um movimento multifacetado de resistência.
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A descoberta de diversos artefatos indígenas antigos, como potes de barro, e uma jaqueira plantada há mais de 250 anos pelos Kariri-Sapuyá, são provas incontestáveis de que o território pertence a eles. A retomada foi pacífica, sem conflitos e sem brigas, em paz, em nome da vida e da alegria de um povo. A população local apoia os indígenas, abraçaram a retomada com muito carinho e respeito, pois muitos da região tem suas próprias origens nos indígenas Kariri-Sapuyá. “Sejam muito bem-vindos, aqui é de vocês mesmos”, disse um dos moradores na época.