Por Juliana Vasconcelos

A biodiversidade do nosso território é sem sombra de dúvidas uma das maiores do planeta, contando com mais de 46 mil espécies vegetais catalogadas e espalhadas pelos 6 biomas brasileiros. Mas como a nossa economia pode se beneficiar de tamanha variedade de plantas? Dentre as diversas respostas a essa pergunta, iremos focar na alternativa que apresenta um imenso potencial de geração de renda para a agricultura familiar: o mercado de fitoterápicos. O desafio é o enfrentamento das barreiras legais e ausência de estratégias governamentais para a sua exploração 

No Brasil, os povos originários e tradicionais sempre fizeram uso de ervas medicinais para o tratamento de doenças e como forma de sobrevivência. A nossa biodiversidade, quando associada a grande multiplicidade étnica e cultural, torna-se um mecanismo valioso de conhecimento sobre o uso de ervas medicinais, a base para a fabricação de medicamentos fitoterápicos. 

Segundo a ANVISA, fitoterápicos são medicamentos obtidos por meio de exclusiva utilização de matérias-primas vegetais ativas. A Fitoterapia foi reconhecida no ano de 1991 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e, em 1995 a Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde normatizou o registro de produtos fitoterápicos. A medicina natural vem ganhando espaço ano após ano, muito em razão dos efeitos colaterais e aumento dos preços dos remédios da medicina convencional. Entre 2013 e 2015, por exemplo, a busca por tratamentos à base de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos pelo SUS mais que dobrou, o crescimento foi de 161%, segundo dados do Ministério da Saúde. Apesar do aumento da procura por esses medicamentos e do nosso potencial produtivo, o mercado ainda é pouco explorado no Brasil, em grande parte pela legislação vigente para as políticas públicas de plantas medicinais e fitoterápicos, em que as exigências legais e sanitárias estão muito distantes da realidade de quem mais produz dentro desta cadeia, os agricultores familiares. 

A raiz do problema e a legislação vigente

Em 2023 o mercado global de fitoterápicos foi avalizado em 216 bilhões de dólares, mas no mesmo período o Brasil atingiu somente US$173 milhões, menos de 10% do total movimentado pelo setor, com tanta biodiversidade disponível em nosso território é difícil conceber que somos importadores líquidos em todos os elos da cadeia de fitoterápicos, é uma balança comercial extremamente desfavorável num setor que temos potencial para sermos destaque mundial. O Brasil já está atrasado para disputar um mercado que vai movimentar 437 bilhões de dólares em 2032.

Na raiz do problema, está a legislação exigente e os altos custos de regularização de produtos e unidades produtivas. A farmacopeia fitoterápica popular ainda é a principal fonte de informações aplicadas em pesquisas científicas, gerando avanços tecnológicos que ajudam a solucionar diferentes problemas de saúde enfrentados pela sociedade. Por outro lado, a falta de um olhar contextualizado para os pequenos produtores e seus conhecimentos tradicionais têm limitado a contribuição que a agricultura familiar pode oferecer para a expansão da cadeia de fitoterápicos. 

O Plano de Ação para a Neoindustrialização, documento que detalha as ações que serão priorizadas até 2026, lançado em janeiro deste ano pelo vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, previa a criação de uma Estratégia Nacional de Fitoterápicos, dentro da Rota de Integração Nacional da Biodiversidade, o prazo para elaboração que era de até 90 dias, porém não foi cumprido. No Plano, existia a proposta de lançar um programa específico para o fomento da pesquisa e indústria de fitoterápicos, mas não incluía o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), excluindo desta forma, aqueles que detêm o conhecimento tradicional do insumo base dessa cadeia produtiva, concentrando a discussão nas mãos do Ministério da Saúde e do Ministério da Indústria e Comércio. 

Ao analisarmos a legislação vigente sobre plantas medicinais e produtos fitoterápicos no Brasil, fica evidente que as exigências sanitárias, feitas tanto pelo Ministério da Saúde como pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA, estão muito distantes da realidade de quem mais os produz. A maior parte das exigências só consegue ser atendida por empresas industriais, dado os investimentos financeiros necessários que exigem, pois impõe-se ao pequeno produtor uma série de obrigações legais, sanitárias e mercadológicas, mesmo que seja para atuar apenas como fornecedor de matéria-prima para a indústria ou para as farmácias de manipulação, desse modo, a legislação coloca no mesmo pacote indústrias e unidades produtivas de pequeno porte. 

O mercado nacional

Para traçar um panorama inicial do mercado de fitoterápicos no país é preciso passar pelas cadeias extrativistas e produtoras de plantas medicinais, e os números mostram um mercado pouco explorado diante do potencial da biodiversidade brasileira. 

No cenário extrativista, destacam-se dois tipos de Produtos Florestais Não Madeireiros, disponíveis na base de dados do IBGE, que podem gerar produtos fitoterápicos: 1) aromáticos, medicinais, tóxicos e corantes, e 2) copaíba (óleos). A série histórica do valor da produção na extração vegetal por tipo de produto revela o crescimento da produção de “óleos de copaíba” a partir de 2014 e de “aromáticos, medicinais, tóxicos e corantes” a partir de 2018. A análise comparativa do valor da produção na extração vegetal dos produtos “aromáticos, medicinais, tóxicos e corantes” por região demonstra que o Nordeste obteve o melhor desempenho entre os anos de 2010 e 2022 (acumulado de R$ 19,6 milhões), seguido pelo Norte (R$ 3,4 milhões) e Centro-Oeste (R$ 2 milhões). No entanto, a região Norte é destaque na produção de óleo de copaíba, cujo valor de produção na extração vegetal atingiu 52 milhões de reais no mesmo período.

Já no que se refere à produção, o Censo Agropecuário de 2017 registra 1.433 estabelecimentos produtores de “plantas, flores e folhagens medicinais”, com valor de venda de R$ 15,9 milhões. Há, ainda, os estabelecimentos agropecuários com horticultura, em que se identificou a produção de plantas medicinais como alecrim, boldo, camomila, erva-doce, hortelã, manjericão e orégano. A região Nordeste também se destaca nesse caso, com o maior número de sistemas de produção hortícola (41% do total de registros), seguida por Sudeste (28%), Sul (16,52%), Norte (9,74%) e Centro-Oeste (4,70%). 

Oportunidade para a produção agrofamiliar 

Dados divulgados pelo Observatório da Complexidade Econômica (OCE), demonstram que os produtos fitoterápicos exportados com os maiores volumes monetários nas operações em 2021 foram de medicamentos embalados, extrato de café e chás e óleos essenciais. O desempenho dos óleos essenciais nos mercados interno e externo evidencia o considerável valor comercial deste produto. A performance pode ter sido influenciada pela inclusão da aromaterapia entre as práticas referendadas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), possibilitando a popularização desses produtos e gerando maior demanda por eles. 

A produção de óleos essenciais pode ser uma oportunidade para produtores familiares. O mesmo se dá com sabonetes e sabões medicinais, produtos de considerável valor agregado, comercializados com preços entre R$ 10 e R$ 25 por unidade. Tanto os óleos essenciais quanto os sabões e sabonetes medicinais apresentam exigências técnicas e sanitárias inferiores às exigidas para Medicamentos Fitoterápicos ou Produtos Tradicionais Fitoterápicos. 

Para comercializar plantas medicinais e fitoterápicos, os agricultores familiares dispõem, primordialmente, de três canais de escoamento: o comércio direto, as farmácias de manipulação e a indústria. Cada um deles possui demandas diferentes em relação à escala da produção, padrão de qualidade do produto entregue e legislação para comercialização do produto final, sendo o comércio direto — e, na maioria das vezes, informal — o menos exigente. 

Portanto, é fundamental que os agricultores estejam atentos às diferentes exigências de cada canal de comercialização. A informalidade do comércio direto pode ser um ponto de partida, mas a profissionalização, com foco no cumprimento das normas de qualidade e sanitárias, pode abrir portas para mercados mais estruturados, como farmácias de manipulação e a própria indústria.

Assim, com planejamento e dedicação, a produção de óleos essenciais e produtos medicinais pode não apenas complementar a renda familiar, mas também fortalecer o papel dos agricultores na cadeia produtiva de fitoterápicos, contribuindo para a valorização dos saberes tradicionais e para o desenvolvimento sustentável do campo.

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