FONTE: Intercept
ENSAIEI MEU GUARANI algumas vezes antes de me aproximar de Élida Oliveira: ela não fala português e havia chegado naquela manhã a Amambai (MS), acompanhada por servidoras da Funai, órgão responsável pelas políticas indigenistas no Brasil. Ela estava ali para narrar o que levou, há três anos, agentes de saúde e membros do Conselho Tutelar a retirar seu filho recém-nascido do tehoka Ñu Vera, na região de Dourados (MS).
Duzentas mulheres ouviram em silêncio seu depoimento em guarani durante um encontro. A responsável por traduzir as palavras às autoridades presentes, Wanda Kuña Rendy, pode verter apenas algumas frases para o português; foi impedida pelo choro: “a criança, retiraram dela com oito dias de vida… Ela pede para não retirarem novamente a criança dela”.
Élida reagiu sorrindo ao meu pedido de entrevista, mas hesitou em permitir que o filho mais novo deixasse seu colo durante a gravação.
Preparada para acompanhar como pesquisadora a sexta edição da Kuñangue Aty, a grande assembleia das mulheres kaiowá e guarani, eu queria prestar atenção às rezas e cantos que marcavam as noites e dias do encontro, da recepção dos convidados às mesas de debate. Como etnógrafa ou como repórter, no entanto, é preciso dar atenção ao que aflige as pessoas. “Por que o número de crianças indígenas em situação de acolhimento institucional aumentou tanto no último ano?”, eu me perguntava. “Está virando lei agora tirar os indígenas e dar para os brancos?”, questionou Janete Alegre, anfitriã da assembleia em Amambai.
Só no município de Dourados (MS), 50 crianças viviam em abrigos até 2017, segundo um relatório da Coordenação Regional da Funai. Em julho de 2018, ainda restam 34. Descobri que o caso de Oliveira e de outras mães de Dourados era a ponta de um problema complexo, presente em inúmeras outras comunidades, com indícios de irregularidades ainda mais graves – acompanhadas desde 2010 pela Funai, pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público Federal.
“A instituição defende que ela é pobre, que ela mora em retomada. A instituições precisam nos respeitar. Isso é genocídio dos povos indígenas”, ouvi gritar Jaqueline Gonçalves, uma jovem liderança kaiowá, lembrando o histórico de violências a que os Kaiowá e Guarani têm sido submetidos desde o início do século 20. A Vara da Infância alega maus tratos, abandono e problemas com álcool e drogas para justificar a separação de mães e filhos.
“Reclamam que nossos filhos são sujos; mas claro, vivemos na terra, cozinhamos no fogo”, dizem as mulheres na carta final da assembleia. Exigindo que sejam encontradas alternativas dentro das próprias aldeias, como manda o Estatuto da Criança e do Adolescente, essas mulheres querem ter o direito de continuar seguindo as lições de cuidado deixadas por seus antepassados. É preciso comer os alimentos da origem, é preciso cantar para os recém-nascidos, elas me ensinaram.
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A Confederação da Agricultura Familiar