Assista a íntegra da fala do presidente no vídeo abaixo:
Na manhã de quarta-feira, dia 08 de maio, o Presidente da CONAFER, Carlos Lopes, foi um dos convidados da mesa na audiência pública da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) no Senado Federal, cujo objetivo era debater as irregularidades nas emissões de DAP entre os anos de 2007 e 2017, de acordo com relatório oficial do TCU.
Ele foi convidado a participar a pedido da Senadora Soraya Thronicke, presidente da Comissão, e durante sua fala fez uma apresentação completa, com uma análise detalhada do Acórdão do TCU sobre as DAPs e soluções para os problemas do país.
Primeiramente, para entender a fala do Presidente, é preciso entender o relatório do TCU. O Acórdão 1197/2018, Relatório de Auditoria do DAP dentro da SEAD, traz alguns pontos principais em sua conclusão: a) Indícios de irregularidade em 1.335.852 DAP, de acordo com cruzamento de dados em diversos sistemas; b) Falta de treinamento pela SAF dos agentes emissores de DAP; c) Sistema de controle interno deficiente e limitado; d) Controle Social é praticamente inexistente; e) Falta comunicação e sincronia de dados entre os órgãos.
Resumindo, é uma situação muito ruim como foi colocada. Porém, existem diversas anomalias no relatório que a CONAFER conseguiu analisar e apontar. A primeira é que mais de 90% das irregularidades dizem respeito à RENDA. Ou seja, as pessoas mentiam sobre sua renda para poder acessar as políticas públicas voltadas quem tinha determinado fluxo de caixa durante o ano. Portanto percebe-se que o governo continua tratando os agricultores como vulneráveis, e a partir do momento em que eles começam a prosperar com sua produção as políticas públicas se fecham a eles. “— A maioria comprimiu a renda para acessar a política. Dados oficiais deixam claro que o maior impacto se deu na carteira de desenvolvimento. Disseram que tinham menos, que ganhavam menos para acessarem crédito. A Conafer entende que o país atrasa seu próprio desenvolvimento ao indiretamente colocar os agricultores para suprimirem renda, para poderem acessar alguma política. É quase como se fôssemos impedidos de dizermos quem somos. Não há políticas para eles se comprovarem renda maior”
A CONAFER entende que as conclusões do TCU têm pouca materialidade, pois a possibilidade da fraude é especulativa e é feita com base no cruzamento de dados, metodologia que pode ser bem supérflua. Acreditamos que o percentual do dano ao erário da União é muito menor que o apresentado, pois mesmo com irregularidades no cruzamento dos sistemas, os créditos acessados são usados para a produção e retornam na forma de ativos para a União, girando a economia tanto local quanto federal. Além disso, os níveis de inadimplência não são detalhados em momento algum. É preciso sim fazer um controle social mais rígido para que possamos chegar à porcentagem real dos danos econômicos, não apenas especulação baseada em dados cruzados. Precisamos de Conselhos Municipais fortes, compostos por agricultores familiares que sejam capazes de treinar e monitorar de fato as entidades locais emissoras do DAP e seus beneficiados. A SAF e a SEAD não podem ter o controle total da tutela sobre o setor, visto que seus sistemas de controle interno, falta de comunicação entre órgãos e controle social pífio são indicativos que esse sistema não está funcionando como deveria. O Condraf e as entidades autônomas deveriam se somar à SAF para melhorar a gestão desse processo todo, através de um ACT entre a SAF e outras entidades representativas do setor.
O Presidente continua explicando que existem diversas entidades que podem emitir a DAP e essa quantia pode acabar se tornando um fator deficitário para o processo. Na visão da CONAFER, é preciso uma maior rigidez nos processos dos órgãos com os maiores percentuais de irregularidades, que são o INCRA e o ICMBio, com 34,93% e 21,47% de emissões irregulares, respectivamente. Ao mesmo tempo, as entidades com os menores números de emissões irregulares devem exercer um papel mais determinante dentro do processo. São elas as EMATERS e os Sindicatos, que nas palavras do Acórdão do TCU “não se verificou uma diferença relevante no percentual das irregularidades”. Portanto, constata-se que os maiores emissores irregulares e aqueles com os maiores problemas com fraudes são justamente os grandes agentes públicos, pois carecem de um controle em maior escala, já os emissores locais se destacam pela baixa quantia de irregularidades. O que nos faz pensar que um sistema de emissão de DAP somente em escala local fosse uma alternativa melhor para os problemas apresentados pelo Acórdão.
Segundo o Acórdão do TCU, “O processo de emissão da DAP revelou-se insuficientemente regulamentado pela SAF/Sead, de modo a gerar dúvidas interpretativas nos emissores. Além disso, a ausência de treinamento ou capacitação dos emissores, aliada a deficiências operacionais no sistema DAPWeb, comprometem a qualidade das DAP emitidas, permitindo a existência de beneficiários irregulares”. Levando isso em consideração, a CONAFER acredita ser necessário mudanças que tragam melhorias para a DAP, começando pela ideia que ela deve ser o documento de identidade da UFPA (Unidade Familiar de Produção Agrícola), e que não esteja mais atrelada aos indivíduos, mas sim às famílias. Outro ponto é deixar bem claro a distinção entre Cidadão Rural, que é quem mora no campo, e Agricultor, que é de fato quem produz. Agricultar é modal econômico de função e vivência e é pra isso que a DAP serve. Do jeito como está posto alguém que simplesmente mora no campo já se qualifica para receber a DAP, mesmo sem garantia de produção ou trabalho, o que gera ainda mais irregularidades. Por fim, é urgente a integração da DAP com sistemas como o CAR ou o SNCR, para que a existência de uma DAP esteja diretamente atrelada à regularidade em outros sistemas.
A CONAFER entende que a DAP não pode ser atualizada a cada dois anos, mas sim ter uma atualização anual, como o Imposto de Renda. Dois anos entre as atualizações gera um atraso nas informações que afetam diretamente as políticas públicas e o erário da União. A DAP precisa servir como um meio de controle sobre aquilo que já foi produzido, não como especulação daquilo que se planeja em produzir. Além disso, é preciso distinções claras da capacidade produtiva de cada UFPA, até mesmo com uma pontuação que facilite o acesso ao crédito e a participação em programas de fomento, créditos e políticas públicas, um sistema parecido com o Serasa Score, que funciona com uma pontuação de 0 a 1000, que determina os fatores de inadimplência e crédito de cada pessoa.
A análise de consistência dos dados no processo de identificação e qualificação das UFPR não é suficiente pra garantir a validade das DAP, ou seja, não certifica a condição de agricultor familiar dos titulares. Por isso ressaltamos a importância de diferenciar Cidadão Rural de Agricultor. O RAPATRA é um convênio da Unirio, Incra e ITT, com o apoio da CONAFER, cuja premissa principal é a coleta de dados nos assentamentos para adequação no CAR e enquadramento dos agricultores nas políticas públicas federais. Através desse mecanismo já existente, é possível solucionar algumas demandas listadas pelo acórdão, que são:
“i. Registro detalhado de todos os membros que compõe a UFPR, com dados pessoais, força de trabalho e renda dos seus integrantes.
- Registro detalhado de todas as propriedades rurais pertencentes ou exploradas pela
UFPR, com o devido registros nos cadastros de uso da terra (CAR ou SNCR);
iii. Registro do histórico de tentativas de emissão de DAP relativas aos CPFs dos titulares 1 e 2″
Através da coleta desses dados específicos no processo que já está acontecendo desde 2017 podemos elevar o nível da análise de consistência dos dados, trazendo maior confiabilidade para esse sistema e para o governo, e por consequência menos irregularidades e danos ao erário da União.
Sem a visita in loco e a aplicação de um questionário qualitativo aprofundado nunca será possível ter uma noção real, e não especulativa, dos números de DAP irregulares e da diferenciação assertiva entre Cidadão Rural e Agricultor. É preciso um questionário que envolva não só perguntas genéricas, mas também georreferenciamento, fotos, imagens de drones especializados e/ou satélites, comprovação de CAR e áreas preservadas, além de qualificação das pessoas, renda da UFPR e informações detalhadas da propriedade e indicativos de produção de acordo com a região e setor econômico local. Precisamos aumentar a qualidade do questionário da DAP, que traga resultados elucidadores e sirva como observação da realidade, e que de forma alguma adapte as respostas do indivíduo para o acesso do crédito ou o formate às governanças, mas que traga os fatos e as informações como são de verdade. Essas melhorias trarão as necessidades e desafios para formulação e fornecimento de políticas públicas cada vez mais certeiras.
O Acórdão do TCU determina que os controles sociais são aplicados de maneira incompleta e somente uma pequena parcela dos municípios fazem esse controle, e ainda por cima de maneira insatisfatória. Portanto, a CONAFER acredita que a solução é trabalhar junto aos CMDRS para que eles exerçam o controle social. Mas para isso é preciso que haja duas mudanças significativas. A primeira é que os Conselhos sejam compostos por agricultores familiares e empreendedores familiares rurais, pois a partir do momento que se coloca o controle social e as ferramentas de observância nas mãos de outras agentes, muitas vezes desinteressados, eles tendem a serem regidos de maneira ruim e com descaso. Se os CMDRS estivessem com os agricultores, e eles auferissem o processo todo, o próprio interesse deles em manter o setor funcionando bem já seria o suficiente para dar uma melhorada significativa. Por outro lado, isso só dará certo de fato se a segunda mudança for aplicada também. Ela diz respeito ao condicionamento da emissão de DAP para agricultores de um município ao relatório do controle social emitido pelo CMDRS. Resumindo, os Conselhos Municipais devem estar na mão de agricultores locais e as DAP só serão emitidas para aquele município se o controle social estiver em dia.
Devido à ineficiência da SAF e da SEAD em realizar treinamento dos emissores de DAP, acreditamos que essa função deva ser delegada aos CMDRS. A SAF e a SEAD devem criar um material didático e um curso online a ser feito por todos que gostariam de cumprir o papel de Conselheiro Municipal, e a partir desse curso aprender como treinar, acompanhar, fiscalizar e realizar relatórios sobre os emissores de DAP locais. Através dessa descentralização do treinamento, é possível tirar todo o peso das costas da SAF e dividir entre todos os Conselhos Municipais, gerando um aumento significativo na quantidade de treinamentos pelo país e na qualidade dos mesmos, resultando em menos irregularidades como um todo.
A última e talvez mais significativa mudança que a CONAFER acha necessária para que as irregularidades no processo de emissão de DAP diminuam é a presença constante de representantes do setor dentro da SAF, levando as necessidades reais dos agricultores familiares lá da base até o órgão que os rege. É necessária essa representatividade atuante dentro da entidade para que os próprios agricultores possam indicar os melhores caminhos que as políticas públicas devem seguir, visto que são eles que sentem na pele diariamente as dores e alegrias de alimentar o Brasil.
Nosso Presidente Carlos Lopes deveria falar por 10 minutos, mas a quantia de informação detalhada e o alto nível de suas análises fez com que os presentes o deixassem discursar por quase três vezes o seu tempo, e era possível ver ao redor da sala que todos os senadores estavam prestando muita atenção em suas palavras e conselhos para ajudar a melhorar o setor da agricultura familiar e as políticas públicas voltadas para esse setor. No dia 07 de Maio de 2019 a CONAFER ajudou a mudar os rumos do Brasil!