Nos anos 70 o nível de mortes, prisões, estupros e violência contra indígenas cometidos pelo “homem branco” no sul da Bahia era gigantesco e o povo Pataxó estava sendo exterminado rapidamente. Para se manter vivo, um grande grupo se viu obrigado a fugir de suas aldeias rumo a outro estado. Depois de uma verdadeira peregrinação os Pataxós migrantes chegaram até Minas Gerais e escolheram a pequena cidade de Carmésia como seu novo lar. Seis aldeias foram montadas na época e hoje centenas de famílias Pataxó habitam a região.

Durante muito tempo os indígenas que chegaram à região sofreram para se adaptar, principalmente pelo fato de anteriormente sua maior atividade ser a pesca no mar e agora terem que encontrar novas práticas de subsistência em novos climas, muito mais secos. Para pedir e celebrar a chegada das chuvas, os Pataxós realizaram então a Festa das Águas, um ritual que se tornou anual e que agradece e pede benção ao Pai da Mata e à Ramain, dois Encantados protetores do povo Pataxó. Se os guardiões ficam felizes com o ritual, muitas chuvas e prosperidade vem para as plantações das aldeias.

O ritual desse ano aconteceu nos dias 10 e 11 de outubro no Centro Cultural Awê Kepôi Mongangá e contou com a presença de diversas aldeias e representantes de todo o Brasil. Com a ajuda da CONAFER e UNC, o evento pode ser realizado e mais de 100 parentes da Aldeia-Mãe Barra Velha e da Aldeia Baixo Alegre na Bahia conseguiram estar presentes na Aldeia Imbiruçu prestigiando e participando dessa linda celebração.

Durante dois dias as atividades aconteceram de maneira orgânica, com diversas apresentações e rituais, danças e cânticos de diversas partes do país. O toré estava presente sempre que possível e os maracás raramente paravam de balançar, fosse manhã tarde ou noite. Nos intervalos a comida servida era preparada em grandes panelas com muito tempero e amor e todos comiam até estar com a barriga cheia e um sorriso no rosto.

O ápice do evento acontece no encerramento, quando os kakussus (homens) se separam das jokanas (mulheres) e seguem trilhas separadas mata adentro. Cada grupo realiza seu ritual, cantando e dançando forte, chamando os Encantados para o awê. O ritual dos homens traz o Pai da Mata, Encantado coberto de folhas e palhas que protege as matas e as nascentes de invasores e daqueles que querem seu mal. Já o ritual das mulheres invoca Ramain, Encantada que representa a força de todas as mães e que vem para abençoar os Pataxós com seu poder do sagrado feminino.

Com os Encantados a frente, todos saem da mata em filas e dirigem-se até a cabana principal onde cantam e dançam em homenagem aos seres de luz ali presentes. Logo após, novamente em fila eles se dirigem até a lagoa que separa os caminhos dos kakussus e das jokanas e la abençoam a lama ao redor antes de irem embora para a mata.
Aí começa a brincadeira final, onde todos os presentes participam de uma gigantesca guerra de lama, espalhando por todo lado, jogando uns nos outros e logo depois mergulhando no Mirapê, a lagoa abençoada que divide os caminhos dos kakussus e das jokanas. Ninguém fica de fora da brincadeira, e quem tenta escapar é capturado pelos parentes e tem que participar também (nem essa equipe de comunicação se salvou).

Para os irmãos Pataxó, essa lama abençoada e o banho no Mirapê servem para purificar o corpo e o espírito para o novo ciclo que se inicia.

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