Durante mais de dois anos transitando e realizando trabalhos em Barra Velha, no Território Indígena Monte Pascoal, a CONAFER descobre, através da boca do próprio povo, que a área em que eles vivem (8.627 hectares) já havia sido demarcada e declarada de posse Pataxó em 1980, mas que o território original era muito maior do que isso, passando pelo Monte Pascoal e chegando até a Serra do Gaturama, algo em torno de um quadrilátero de 50 léguas (116.549 hectares) a partir da costa. É importante observar que os Pataxó têm a sua presença registrada entre o Rio de Porto Seguro e a margem norte do São Mateus, no atual estado do Espírito Santo, desde o século XVII, tanto que sua presença no entorno do Monte Pascoal é referido por Luis dos Santos Vilhena, na segunda metade do século XVIII, ao assinalar a necessidade de “conservação e aumento da Vila do Prado não só pela produção de seu terreno fértil, como também para poder servir de barreira a 12 aldeias de índios bravos, que se acham situadas em uma alta serra conhecida por todos por Monte Pascoal, que segundo as notícias e informações, é o centro da habitação destes bárbaros que infestam toda a grande comarca de Porto Seguro”
Mesmo tendo esse conhecimento histórico em mãos, o governo da época (1991) decide por manter apenas os 8.627 hectares da terra indígena e não mexer na área do Parque do Monte Pascoal, com espaço preservado de 22.383 hectares onde antes também habitavam os Pataxó, e nem ampliar a área para 52.100 hectares, como os indígenas estavam reivindicando, graças a um antigo estudo realizado pelo Dr. Barros durante 18 anos, começado na década de 40. Percebam que os Pataxó já haviam cedido metade de seu território original das 50 léguas em busca de uma negociação favorável com o Estado. Desde essa época os Pataxó da Aldeia-Mãe alcançaram importantes conquistas no processo de ampliação de seu território, como parecer favorável do Estado, incluindo publicação do Diário Oficial da União em 2008, declarando de direito Pataxó as terras do Monte Pascoal, parecer favorável da Advocacia Geral da União e parecer favorável da FUNAI. O processo é dividido em duas partes, a parte administrativa e a parte judicial. A parte administrativa correu bem, mas quando a parte judicial estava para ser finalizada e a portaria declaratória assinada pelo Ministro da Justiça da época, três mandados de segurança surgiram no STJ, pedindo a suspensão da ampliação como um todo e uma liminar foi emitida, travando o processo ali.
Esses mandados de segurança foram emitidos por três fontes diferentes, mas todas representam interesses econômicos de grandes empresas e latifundiários no território do Monte Pascoal. Um dos mandados foi emitido por Creuza Antônio Chicon, que tem ligação com a empresa Fibria Celulose, dona de 50% da Veracel (trans-nacional sueco-finlandesa), madeireira de eucalipto que está devastando a terra indígena com o aval do Governo. A Veracel ainda tem a cara de pau de vender seu papel na Europa como “papel verde”, ou seja, socialmente responsável com o meio-ambiente e com os povos indígenas, uma mentira deslavada que rende milhões anualmente à empresa. O eucalipto plantado na área está secando todo o solo da região e os agrotóxicos utilizados na monocultura estão destruindo as matas, os rios e os animais, que estão cada vez mais escassos. Outro mandado de segurança foi emitido por uma cooperativa de produtores rurais locais, mas que na realidade representam os interesses do dono estrangeiro de milhões de pés de pimenta dentro da área. Já o último foi emitido no nome de nove irmãos (Lindomar Antônio Lembrance, Edmar Gilberto Lembrance, Arnaldo Jorge Lembrance, Pedro Paulo Lembrance, Antonio Vitor Lembrance, Nildo Lembrance Junior, Edinaide Aparecida Lembrance e Anna Maria Lembrance), a família Lembrance, que gerem o grupo Lembrance, latifúndio de café, côco e cacau na região do Monte Pascoal, dentro de onde deveria ser a terra indígena.
Tendo isso em mente, durante vários meses a CONAFER utilizou toda sua força institucional e jurídica para acelerar o processo e tentar derrubar esses mandados. Na última quarta-feira, dia 25 de setembro, o povo Pataxó teve mais uma vitória na luta por seu território original do Monte Pascoal na Bahia. O processo de demarcação vem se alongando há anos devido aos mandados e recursos que os fazendeiros da região se valem para poderem ficar mais tempo na terra. No começo desse ano, em fevereiro, o STJ derrubou os três mandados de segurança por unanimidade de 10 a 0, isso significou a aprovação perante à lei para a continuidade do processo de demarcação, porém os fazendeiros entraram com novos recursos contra a decisão.
O que aconteceu essa última semana foi a revisão dos ministros do STJ sobre esses recursos para anulação do julgamento e, como a maioria já esperava, foi mantida a decisão de fevereiro, novamente por 10 a 0, e a continuidade da demarcação está garantida. O julgamento foi rápido, visto que todo o debate sobre essa ação já havia ocorrido em fevereiro, onde falaram os advogados dos indígenas, dos fazendeiros e também representantes da União. Outra coisa interessante que mostra a firmeza da decisão dos Ministros foi o fato que eles negaram um novo mandato de segurança de outro fazendeiro, que faria o processo se alongar muito mais, já tomando a decisão de fevereiro como resposta final para a questão.
Após a decisão, as lideranças de Barra Velha foram até a sede da CONAFER, onde discutiram o processo, estratégias e ações para o futuro, tanto para o território quanto para o movimento indígena no Brasil como um todo. A União Nacional Indígena vem tomando cada vez mais forma e agregando cada vez mais força para fortalecer as lutas indígenas de norte a sul do país, principalmente nessa constante batalha pelos territórios ancestrais que é por direito de nossos povos originários, como é o caso do Território do Monte Pascoal.
A última etapa que falta agora é o Ministro da Justiça, o Sr. Sérgio Moro, baixar a portaria declaratória para oficializar a posse ocupacional histórica do povo Pataxó. Portanto, agora a luta é no Executivo, é preciso pressionar e cobrar o Ministério da Justiça para que finalize esse extenso processo demarcatório e também o Presidente, que vem declarando que não haverá demarcações durante seu mandato. Os Pataxós tem o direito territorial, já validado constitucionalmente e é dever do Estado cumprir com essas normas. E nós estaremos lá, cobrando até que cumpram.
O povo Pataxó foi a primeira nação a ter contato com o não-índio no Brasil, foi na terra deles que os portugueses ancoraram seus navios e começaram a exploração e genocídio. Mesmo assim, há mais de 500 anos esse povo vem resistindo com tudo que tem pelo direito de continuar existindo, e mesmo com o massacre sofrido pelas mãos do homem branco, ainda acreditam no senso de justiça do Ministro Sérgio Moro e do Estado Brasileiro, em reconhecer toda a história, luta e ancestralidade do povo Pataxó, que aguarda ansiosamente pela Carta Declaratória que oficializa perante à Lei o seu território original.
A Confederação da Agricultura Familiar