Foto: Sérgio Lima/ Poder360
Nesta segunda-feira, 17 de fevereiro, a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) foi impedida de participar da mesa de conciliação no Supremo Tribunal Federal, STF, sobre a Lei 14.701/23, que inadvertidamente institui a Lei do Marco Temporal. Xakriabá havia participado de 12 das 16 reuniões de conciliação, mas foi substituída pela deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP), que ainda não havia comparecido a nenhuma sessão do colegiado. Esta saída de Célia Xakriabá, que publicamente defende o marco ancestral, ocorreu na reunião de início das votações das propostas de mudança feitas pelos membros da comissão especial. A tese inconstitucional do marco temporal, que acabou virando Projeto de Lei pelo Congresso, impede a demarcação de terras indígenas após a Constituição de 1988. O PL instituindo o marco temporal foi aprovado pelo Congresso em dezembro de 2023, contrariando os princípios constitucionais que balizaram a decisão do STF, que deu ganho de causa ao povo Xokleng, de José Boiteux-SC, contra o estado de Santa Catarina que pedia a reintegração de uma área indígena. Por 9×2, o STF, em setembro de 2023, já havia enterrado a ideia do marco temporal ao instituir uma jurisprudência favorável aos povos originários
A audiência de conciliação desta segunda-feira (17) foi dedicada à apresentação da sugestão de mudança da Lei 14.701/2023, que trata da demarcação de terras indígenas. O texto foi feito com base nas sete sugestões recebidas pelo gabinete do ministro Gilmar Mendes, que analisa cinco processos sobre o assunto, na última segunda-feira (10). No entanto, Célia Xakriabá, suplente do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO) que havia pedido a titularidade por ter participado de 80% das reuniões de conciliação, foi impedida de participar da audiência. Ela criticou a substituição de seu nome na comissão do STF pela deputada Silvia Waiãpi, que não participou de nenhuma reunião anterior sobre o marco temporal, e destacou que a atitude é um “desrespeito à sua atuação e à representação dos povos indígenas”.
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A deputada federal Sílvia Waiãpi (PL-AP) é indígena e já teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP), em junho de 2024 – Mario Agra/Câmara dos Deputados
“De maneira revoltante, hoje não pude sentar à mesa. Não preciso estar à mesa, porque sou uma mulher que caminha para a luta. Posso falar de pé, posso falar caminhando, porque nossa luta é coletiva. É uma forma de desrespeito que parlamentares que sequer participaram de nenhuma sessão— como a deputada Silvia Waiãpi— tentam agora dividir e enfraquecer nossa luta de maneira colonial, patriarcal e divisionista. O mesmo método usado na ditadura militar, quando se colocava indígenas para torturar outros indígenas, promovendo criminalização e dupla violência, se repete hoje, apenas com novas formas”, declarou Célia Xakriabá.
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Célia Xakriabá defende que o marco temporal é um genocídio indígena legislado – Foto: Mariane Andrade e Bruna Menezes / Liderança do PSOL na Câmara
O momento desta manobra também foi pensado estrategicamente para prejudicar os povos indígenas, uma vez que a substituição de Célia Xakriabá pela deputada Silvia Waiãpi foi feita em um período decisivo: no início das votações das propostas de mudança da lei sobre o marco temporal. “Hoje, começam as votações das propostas e, surpreendentemente, a mesa contará com representantes do Congresso Nacional que não estiveram presentes na maioria das sessões e que são abertamente inimigos dos povos indígenas. Isso é um absurdo e um ato colonial”, explicou Célia Xakriabá nas redes sociais.
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Foto: Agência Brasil
Relembre as propostas apresentadas:
Dentre as 7 sugestões de mudanças na lei sobre a demarcação de terras indígenas enviadas ao STF, 5 propostas são favoráveis aos povos originários, pois reforçam os direitos territoriais indígenas, rejeitam o marco temporal e defendem uma demarcação baseada na ocupação tradicional e nos direitos originários garantidos pela Constituição. Essas sugestões foram apresentadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas, FUNAI, pela Deputada Célia Xakriabá (PSOL) da Câmara dos Deputados, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Verde (PV), e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Por outro lado, 2 propostas são desfavoráveis aos indígenas, pois buscam limitar a criação de novas terras indígenas, aplicar o marco temporal e permitir a exploração econômica das terras indígenas. Essas sugestões foram apresentadas pelos Progressistas, e pelo Partido Liberal (PL) e Partido Republicano (PR).
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Reunião de conciliação desta segunda-feira (17), no STF – Foto: Rosinei Coutinho/STF
Segundo o STF, durante a audiência desta segunda-feira (17), os membros da comissão analisaram a minuta em detalhes e destacaram pontos que podem ser melhorados. As sugestões de mudanças serão discutidas na próxima reunião, marcada para 24 de fevereiro. Depois do debate, haverá uma votação para decidir sobre os pontos em que houver discordâncias, seguindo a decisão da maioria e registrando todas as posições. Se for necessário, uma sessão extra está prevista para 27 de fevereiro para finalizar os trabalhos. A proposta que for aprovada será revisada pelo relator e depois votada pelos ministros do STF para possível aprovação.