Foto: Apib
Com quase 2 mil hectares, a Terra Indígena Toldo Imbu é habitada por 731 indígenas do povo Kaingang e era apontada como prioritária para a demarcação de terras desde o início do atual governo. Após as eleições de 2022, o grupo de trabalho de povos originários apresentou um relatório solicitando a demarcação imediata da Terra Indígena Toldo Imbu. A questão da terra foi envolvida em uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que visava revisar a demarcação, mas em 2019, o STF deu vitória ao povo Kaingang. A homologação foi assinada no início de dezembro de 2024, reconhecendo o direito das terras aos indígenas. Mesmo assim, os povos originários foram afetados novamente com a inconsistência das discussões sobre o marco temporal que colaborou para a suspensão do decreto de homologação da Terra Indígena Toldo Imbu, em Santa Catarina, pelo próprio STF.
Em 4 de dezembro de 2024, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, haviam assinado a homologação da Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor, na Paraíba, e das Terras Indígenas Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, em Santa Catarina – Foto: Ricardo Stuckert/PR
Com a demora na votação em definitivo da inconstitucionalidade do marco temporal, o ministro André Mendonça, relator do caso no STF, concordou com os argumentos das autoridades catarinenses e fazendeiros locais, que defendem que a demarcação contraria a ordem do ministro Gilmar Mendes, de abril do ano passado, que suspendeu todos os processos relacionados ao marco temporal. Segundo Mendonça, a suspensão do decreto serviria para “proteger a segurança jurídica, evitando decisões judiciais que, após eventual definição em sentido diverso pelo Plenário, seriam irreversíveis ou de difícil reversão”.
O ministro do STF, André Mendonça, suspendeu o decreto de homologação da Terra Indígena Toldo Imbu de Santa Catarina – Foto: Carlos Moura/ SCO / STF
A suspensão liminar foi motivada pelos recursos presentes no processo do marco temporal em andamento no STF. O Projeto de Lei instituindo o marco temporal foi aprovado pelo Congresso em dezembro de 2023, contrariando os princípios constitucionais que balizaram a decisão do STF, que deu ganho de causa ao povo Xokleng, de José Boiteux-SC, contra o estado de Santa Catarina que pedia a reintegração de uma área indígena. Por 9×2, o STF, em setembro de 2023, já havia declarado a tese do marco temporal como inconstitucional ao instituir uma jurisprudência favorável aos povos originários. A decisão do STF é questionada em quatro processos no próprio STF. Gilmar Mendes é o responsável por analisar essas ações.
Povo Kaingang no Território Toldo Imbu, em Santa Catarina – Foto: Divulgação/Cimi Regional Sul
Este episódio abre margem para atos de violência contra os povos originários, colocando vidas em risco diante das disputas de terras contra os fazendeiros. Enquanto os povos indígenas esperam o reconhecimento de seus direitos e pelas suas terras originárias, que são por natureza inegociáveis, as aldeias seguem em constante ameaça e cada vez mais vulneráveis, pois a falta de demarcação contribui para a prática de crimes ambientais como desmatamento, garimpo e incêndios. Ainda é importante lembrar que, mesmo com o prosseguimento das reuniões de conciliação no próximo mês, os indígenas se retiraram do espaço de conciliação, ficando em desvantagem e sendo representados apenas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, MDA.
Foto: Gustavo Moreno/STF
A participação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) na câmara de conciliação pode trazer vantagens para os indígenas, especialmente no que se refere à defesa de seus direitos territoriais. Como sabemos, os indígenas são agricultores familiares conforme a lei da Agricultura Familiar, número 11.326, de 2006. O MDA tem expertise técnica sobre questões agrárias e de reassentamento, o que é importante para ajudar a encontrar soluções justas em processos de demarcação de terras indígenas. Sua presença pode garantir que sejam levadas em consideração a proteção das comunidades originárias e dos seus territórios ancestrais nesta luta contra o marco temporal. Além disso, o MDA pode atuar como um mediador entre as partes, ajudando a evitar conflitos e a promover um diálogo mais equilibrado, com foco no bem-estar das populações indígenas.
A inconstitucionalidade do marco temporal
Em 2023, o STF decidiu derrubar a tese do marco temporal com um placar de 9 a 2 em favor dos povos indígenas. Limitar os direitos dos povos indígenas à data da promulgação da Constituição de 88 é uma agressão aos povos originários e uma ilegalidade constitucional, por isso o STF não aceitou esta tese do marco temporal.
Em dezembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou um Projeto de Lei que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, contrariando a decisão do STF tomada em setembro do mesmo ano. Nessa decisão, o STF deu ganho de causa ao povo Xokleng, de José Boiteux, em Santa Catarina, em um caso contra o Estado que queria retomar uma área indígena.
O STF, ao decidir a favor dos Xokleng, o STF reconheceu que as terras pertencem aos povos indígenas por sua história e ancestralidade, sem a necessidade de um marco temporal. Logo, a decisão do STF foi vista como uma derrota para a tese do marco temporal, pois deixou claro que os povos indígenas têm direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independentemente da data de ocupação.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Apesar disso, o Congresso, ao aprovar o Projeto de Lei em dezembro, desconsiderou essa decisão do STF e tentou instituir o marco temporal por meio da legislação, o que ameaça os direitos territoriais dos povos indígenas. A Lei 14.701, sancionada em outubro de 2023, teve um veto parcial do presidente para se alinhar à decisão do STF, mas isso foi rejeitado pelo Congresso.
Em 22 de abril de 2024, o ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos judiciais relacionados ao tema até que o STF tome uma decisão final. Contudo, essa suspensão não se aplica aos processos administrativos de demarcação de terras indígenas. A tensão entre os direitos indígenas e os proprietários de terras ainda é um assunto delicado e muito debatido no país.
Brasília (DF), 30/08/2023, Manifestação de Indígenas contra o marco temporal, na Esplanada dos Ministérios. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
De acordo com o próprio ministro Gilmar Mendes, a principal preocupação não seria a existência de um marco temporal, mas a criação de garantias jurídicas, como a rapidez na solução do processo, a saída dos ocupantes apenas após a indenização e o pagamento de valores compatíveis com o mercado. As discussões começaram em 5 de agosto e estavam previstas para durarem até o dia 18 de dezembro, mas, por decisão do ministro Mendes, a mesa de conciliação foi prorrogada para fevereiro de 2025.
Mesmo após suspender o decreto de homologação da Terra Indígena Toldo Imbu de Santa Catarina, no dia 20 de janeiro, o STF suspendeu nesta última sexta-feira, dia 24 de janeiro, o decreto inconstitucional do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que definia regras para obrigatoriedade da consulta aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que habitam áreas afetadas por licenciamentos ambientais e limitava esta consulta apenas aos territórios que atendessem aos requisitos estabelecidos. Lideranças indígenas defendem que este decreto restringia os direitos dos povos tradicionais, uma vez que só era obedecido se os indígenas e quilombolas fossem reconhecidos pela Funai, Fundação Cultural Palmares e Comissão Estadual, e não vivessem em áreas urbanas.
Ou seja, o STF em apenas uma semana tomou uma decisão prejudicial e outra favorável aos povos indígenas, suspendendo o decreto de homologação da Terra Indígena Toldo Imbu de Santa Catarina e suspendendo um decreto inconstitucional que limitava os direitos indígenas em Minas Gerais. Os prejuízos da inconsistência de uma tese discutida há anos, e que já deveria ter sido encerrada com a definição do STF em 2023, continuam afetando os povos tradicionais do Brasil. Este processo moroso prejudica diretamente os indígenas brasileiros, que clamam por suas terras originárias e de direito, territórios ancestrais ocupados há muito tempo antes de 1500, quando os colonizadores chegaram ao Brasil. Este cenário moldado em incertezas abre margem para crimes ambientais e atos de violência contra os povos originários, causando angústia para as aldeias de todo o país.