Por Fernanda Rettore

Numa aldeia distante, a sombra das folhas verdes dançavam na terra molhada e a brisa leve dos ventos fazia o aroma fresco preencher o ar. Ali habitava Porã, uma criança indígena cujo coração pulsava amor e coragem. Seus olhos brilhavam com inocência encantadora, fruto de uma infância repleta de amor materno, brincadeiras com amigos e contato com a natureza. Foi nesse cenário que Porã sentiu surgir um novo sentimento: Kerena, uma delicada criança da mesma aldeia, passou a tomar conta dos pensamentos e suspiros do menino. Ela despertava nele sensações tão suaves quanto uma manhã de verão e tão exuberantes quanto o nascer do sol. Os gestos de Kerena o fascinavam e suas palavras eram melodia aos ouvidos de Porã.

O afeto dele por Kerena transcendeu a simplicidade da infância, estendendo-se até a juventude. Incapaz de conter sua paixão, num ato de coragem, ele revelou seu amor. E descobriu, entre os suspiros da floresta, que era recíproco — Kerena o amava com todo o coração.

Impulsionado pela sublime beleza e personalidade da namorada, Porã decidiu presenteá-la com algo tão precioso quanto raro: um diamante. Ele compreendia que o diamante era mais do que uma pedra, era um objeto sagrado que simbolizava a superioridade de quem o possuía.

Determinado a presentear Kerena com a joia, Porã dirigiu-se aos sábios anciões da aldeia em busca de orientação antes de aventurar-se na cidade.

“Queridos anciões,” começou o jovem, “decidi me aventurar na cidade para obter um diamante para minha amada Kerena. Gostaria de que pudessem me falar sobre os perigos que enfrentarei. Podem me orientar?”

Os anciões, em sua acumulada sabedoria, compartilharam com Porã suas reflexões:

“Todos os ambientes da cidade trazem consigo algum perigo, Porã. No entanto, se caminhares com respeito por eles e amor por ti mesmo, perceberás que nenhum é verdadeiramente perigoso. Contudo, há duas forças que merecem cuidado especial: a ambição e a desconexão.”

Porã, que até então desconhecia tais emoções, indagou ansioso:

“E como as reconhecerei?”

Um dos velhos, com convicção, afirmou:

“A ambição é imponente e inconfundível. Seu tamanho colossal e seu barulho ensurdecedor são indícios evidentes — ela toma conta dos pensamentos e de tudo o que existe em torno da pessoa. Já a desconexão é uma entidade enigmática, não possui uma descrição clara. Existe apenas uma antiga lenda que a vincula àqueles parentes que partiram para a cidade e jamais retornaram. Dizem que vencer essa força requer não apenas coragem, mas também um coração puro e uma memória fiel.”

Porã absorveu as palavras dos anciões, preparando-se para a jornada.

Ao despontar da aurora, quando os primeiros raios de sol se mostravam tímidos e o orvalho ainda repousava nas folhas, Porã iniciou sua jornada. A cidade, envolta numa bruma de mistério, aguardava-o para desvendá-la. 

Contrariando as expectativas, encontrar o diamante não foi uma tarefa tão árdua; pela luz da manhã, eles cintilavam em cada esquina de concreto. O jovem, entusiasmado, tentou tocá-los, mas foi impedido por um homem que alegou que era necessário ter dinheiro para adquirir a pequena pedra.

Movido por sua determinação, Porã encontrou emprego, onde além de trabalhar, também podia dormir e recebia alimentação. O lugar era escuro, desconfortável e exalava um incômodo cheiro de mofo. A comida era uma pasta marrom e gosmenta. Acreditando que não ficaria por muito tempo, pois logo conquistaria um diamante, aceitou as condições da nova vida. Contudo, ao passar dos dias, sentia-se cada vez mais frágil.

Em pouco tempo, percebeu que com o valor que recebia naquele emprego, teria de ficar muito mais tempo do que gostaria para adquirir o diamante. Diante dessa frustração, buscou outro trabalho e sem dificuldade encontrou. Não forneciam residência nem alimentação, mas pagavam melhor. 

Ao final do primeiro mês, percebeu que havia acumulado a quantia necessária para comprar o diamante. No entanto, as contas do seu novo estilo de vida chegaram, e ele precisou utilizar quase todo o dinheiro para pagá-las. Entretanto, Porã não deixou que isso o desencorajasse e persistiu em sua jornada. Continuou trabalhando, desenvolveu novas habilidades, destacou-se na firma e economizou todo o pouco que restava de seu salário.

Em pouco mais de dois anos, conseguiu o valor suficiente para comprar a joia. Dirigiu-se à uma loja elegante e deparou-se com várias qualidades de diamantes. Porã comprou um modelo mais singelo, o que estava ao seu alcance, e o guardou em uma caixinha de veludo, escondendo-o bem fundo no seu bolso. 

Estava tão entusiasmado com seu iminente retorno à aldeia, que decidiu celebrar comendo em um restaurante pela primeira vez. Ao finalizar a refeição, deixou o local e seguiu para sua casa satisfeito e feliz. 

No silêncio profundo da noite, já próximo a sua residência, uma sombra emergiu ao seu lado e um homem ameaçador revelou-se ao sair de um beco fétido e mal iluminado. Porã foi assaltado e o anel de Kerena levado sem nenhuma cerimônia. O desenrolar dos fatos deixou o rapaz perplexo, e uma aura de tristeza envolveu-o completamente.

Com o espírito deprimido, Porã voltou para o seu pequeno apartamento e chorou bastante. Todo o seu esforço dos últimos anos havia sido em vão, estava agora sem dinheiro e sem o diamante de Kerena. Após se acalmar, decidiu que havia chegado muito longe para desistir e precisava apenas de um plano melhor para ganhar dinheiro mais rápido e voltar logo para sua aldeia. No dia seguinte, pediu demissão do emprego em que estava, e com um currículo que mostrava a sua dedicação, conseguiu um trabalho que pagava melhor.

Na nova corporação, Porã começou a ganhar mais e se esforçar proporcionalmente. Em pouco tempo, seu potencial foi reconhecido e surgiram novas oportunidades de ocupar cargos melhores dentro daquela companhia. Em poucos meses, já tinha a quantia suficiente para adquirir o mesmo anel de diamante que havia sido furtado, mas fascinado pela nova perspectiva, sabia que se se dedicasse mais poderia adquirir joias com diamantes de lapidação superior e mais impressionantes.

Em alguns anos, o cenário da sua realidade era outro: deixou o pequeno apartamento e mudou-se para uma mansão deslumbrante, ganhou um escritório na cobertura da corporação e comprou um carro importado com vidros blindados. Tudo à sua volta, do chão que pisava até os mais delicados objetos dos ambientes que ocupava, estava adornado por magnífico luxo. Sem perceber, Porã se acomodou numa cadeira confortável e imponente, diante de uma imensa mesa, onde sentia-se poderoso e intocável.

Os anos se passaram e, apesar de ter realizado quase todos os seus desejos, Porã tornou-se apático ao mundo. A fina comida da qual se alimentava já não tinha o maravilhoso sabor que costumava ter; a cidade, antes empolgante e reluzente, passou a ser chuvosa e fria. Num determinado dia, olhou através da grande janela de seu escritório e, percebendo a paisagem cinza e agitada, sentiu uma sensação estranha em seu coração. Num breve instante de reflexão, perguntou a si mesmo: por que estou aqui? Porã percebeu que não conseguia responder. Olhou para si mesmo, seu corpo estava vestido por um terno bem ajustado e ao seu redor estava uma paisagem rígida e calculada. De repente, constatou que não se reconhecia em nada, nem mesmo em seu próprio corpo. 

Apesar de sentir-se completamente perdido, algo dentro dele continuava quente. Refletindo sobre essa fagulha, lembrou-se, de repente, de uma forte emoção. “Kerena”, sussurrou em voz baixa. Como se tivesse pronunciado uma palavra mágica, todos seus sentimentos reprimidos vieram à superfície de sua alma. Sua aldeia verde e tranquila, sua mãe amorosa, as festas, os amigos, a paixão. Recordou-se, então, do motivo pelo qual estava na cidade. Imediatamente, recolheu sua carteira e foi para a joalheria. Na loja, gastou toda a sua fortuna no diamante mais bonito que tinham. E, naquela mesma noite, ele seguiu seu caminho de volta para seu lar.

Ao chegar ao local onde vivia, foi surpreendido pela ausência das pessoas. A mata havia crescido e tomado conta das cabanas e da clareira. Procurou nos escombros por algum vestígio de onde pudessem estar, mas nada encontrou. Sentiu-se demasiadamente cansado e fraco pela ação das forças que o dominaram por tanto tempo. Mas, sentia-se principalmente triste, por ter sido alertado pelos anciões sobre os perigos da cidade e, mesmo assim, ter caído em suas armadilhas. Pensou em desistir: como encontraria a aldeia? E se a encontrasse, Kerena já não estaria casada e com filhos? No entanto, o calor em seu peito ardeu novamente: se o amor o havia resgatado, haveria também de levá-lo ao encontro que buscava.

Vagou pela floresta por dias a fio e, com perseverança, conseguiu encontrar o novo sítio da aldeia. Avistou à distância sua mãe: longos cabelos brancos caíam por seus ombros. Assustou-se com a aparência dela e só então se deu conta de quanto tempo havia passado. Começou a chorar, “é tarde demais”, pensou, “desperdicei minha vida em um lugar que não fazia sentido nenhum para mim”. A velha senhora então, ouvindo o choro, reconheceu imediatamente que aquele homem era seu pequeno filho que partira anos atrás. Com dificuldade característica da idade, caminhou até ele e o abraçou amorosamente.

Ela revelou que Kerena não havia se casado e, apesar das provocações que sofria, principalmente por parte de seus outros pretendentes, sempre afirmava que Porã iria retornar e eles ficariam juntos. A mãe o aconselhou a não perder mais tempo: “Revela-te a Kerena agora mesmo, construa uma cabana para morarem e assim que estiver pronta, peça ela em casamento”. E assim ele o fez. Kerena sentiu imensa emoção ao reencontrá-lo, e ao contrário das expectativas do homem, ela não deu muita importância para o anel de diamante. Queria olhar e tocar Porã, sentir o calor e o cheiro da pele e lhe beijar a boca. A sua companhia era o melhor presente que ele poderia oferecer a ela.

Se casaram sob juras de amor, mudaram-se para uma simples cabana de madeira e tiveram filhos saudáveis e alegres. Dentro de Porã, reverberavam as lições aprendidas pelo menino corajoso que se aventurou na cidade, enfrentou o desconhecido, a fragilidade, o tempo, o esquecimento e a tristeza, para ganhar com isso maturidade, força pessoal e amor. Sabia, finalmente, o que importava na vida.

História baseada no livro: BALADAN, Alicia. Uma História Guarani. Tradução de Maurício Santana. São Paulo: SM, 2010.

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