Por Fernanda Rettore
Temendo a incompreensão, ou até mesmo o repúdio da aldeia acerca da invisibilidade de Jurupari, Seuci optou pelo autoexílio na montanha. Todos os dias, ela despertava com os primeiros raios de sol para zelar pela plantação, cortar lenhas e colher frutas e mel; à noite, nos braços dela, Jurupari encontrava no leite materno sua única fonte de sustento, nutrindo-se de forma mágica. À medida que os meses avançaram, Jurupari pediu outros alimentos — sempre através do choro, pois esse era seu único som que se fazia ouvir — e, assim como o leite, eles flutuavam e desapareciam no ar.
Seuci não se arrependia da sua escolha, mas o eco da floresta, embora sereno, não preenchia o vazio deixado pela ausência dos seus parentes. Sentia falta da pulsação de vida, das conversas efervescentes, dos risos. Passou a viver em nostalgia, assistindo os anos deslizarem num tributo silencioso.
Jurupari também já não era mais a doce criança que outrora cativara os corações do seu povo. Ele agora era um adolescente complexo, que cultivava sentimentos negativos — seu espírito iluminado se entrelaçava às sombras amargas que o habitavam. Ele se esforçava para resgatar as lembranças da noite em que havia se tornado matéria invisível, mas, apesar da vontade sincera em desvendar o mistério, apenas uma escuridão vinha-lhe à mente.
Entre todos os que compartilharam o fardo da invisibilidade de Jurupari, o que mais sofreu foi o próprio rapaz. Por mais que tentasse, permanecia como um espectro, sem poder ser visto ou ouvido. Sentiu-se, respectivamente, ignorado, abandonado e esquecido. Junto a isso, viu a tristeza de Seuci se intensificar a cada dia, transformando a sua mãe alegre em uma mulher que não ria e mal conversava. Ele experimentou o amor caloroso, para, em seguida, ser lançado na frieza do desprezo.
Mas Jurupari não podia negar que ser invisível tinha lá suas vantagens. Em seu tempo livre, ele desbravava as entranhas da floresta, observava os animais e visitava as aldeias de toda a região. Seu mundo, em função da invisibilidade, expandiu-se com a riqueza das experiências silentes, transformando-o em um peregrino da selva
Em uma dessas vivências, Jurupari cruzou o caminho de um grupo de feiticeiros e aprendeu secretamente suas alquimias. No início, o rapaz se deleitava ao aprender travessuras sutis, escondia objetos, fazia as pessoas tropeçarem nos próprios pés e apagava fogueiras com um aceno de mão. Contudo, à medida que aprofundou-se no entendimento das complexidades mágicas, as brincadeiras infantis evoluíram para um desejo quase doentio de usá-la para se libertar da invisibilidade.
Por meses, Jurupari dedicou-se inteiramente ao aprendizado das artes ocultas e, devido a sua inteligência, logo fez-se mestre. Com as novas habilidades, ele se tornou capaz de manipular a chuva e manifestar animais a partir do barro. No entanto, mesmo com tal domínio das forças naturais, a materialização de seu próprio corpo permanecia um enigma: todos os encantamentos que havia aplicado em si mesmo haviam falhado.
Na última tentativa sem sucesso, Jurupari, enredado por anos de amargura e movido por uma ira profunda, canalizou sua energia em um feitiço que transformou uma aldeia inteira em criaturas selvagens, privando-os da felicidade humana, assim como ele.
Mas apesar da revolta que sentia, Jurupari sempre voltava para casa para cuidar de Seuci. Ao lado dela, o filho dedicava a primeira parte do dia aos afazeres do lar; ele esperava a mãe se distrair e fazia as plantações crescerem, manifestava um grande monte de lenha seca e a caça do dia.
Numa dessas tardes ensolaradas, após uma manhã de trabalho, Jurupari decidiu se banhar em seu lago predileto. Este recanto, cuidadosamente oculto entre altas rochas e escondido atrás da cascata de uma cachoeira, revelava uma beleza atípica e extraordinária: as águas do lago resplandeciam em tons intensos de azul e brilhavam como o próprio céu. Devido à sua localização complexa, o local era um refúgio solitário, o que o tornava ainda mais valioso para o rapaz.
Jurupari deslizou pela água fresca e, com os olhos fechados, entregou-se à sensação revigorante do líquido gelado. Flutuava livre pela superfície do lago, quando, de repente, um suave murmúrio de mergulho rompeu o silêncio e o arrancou de seus pensamentos. Num instante súbito, seus olhos analisaram o entorno e depararam-se com a presença de uma mulher — cuja beleza era indescritível — imersa nas águas translúcidas.
Como um bicho curioso, Jurupari aproximou-se da bela criatura, parando seu rosto a poucos centímetros do dela, deslumbrado com os traços delicados que o cativaram. A mulher misteriosa, que até então olhava para as próprias mãos brincando com a água, levantou o rosto e fixou seus olhos nos de Jurupari:
— Olá. Qual é o seu nome?
Jurupari deu um salto para trás, surpreso e aflito:
— Você… você pode me ver?
Ela sorriu e acenou positivamente com a cabeça. Ser visto fez Jurupari sentir uma timidez intensa, mas, apesar do constrangimento, ele respirou fundo, limpou a garganta e respondeu:
— Sou Jurupari, e você?
A mulher imediatamente reconheceu o nome:
— Você é aquele que foi concebido pelas frutas. — Jurupari a olhou assustado — Ainda estamos tentando entender o que aconteceu com sua mãe; aquela gestação foi realmente curiosa. Assim como o estado no qual você se encontra agora, não é Jurupari? — disse a mulher em um tom de voz triste.
Nesse instante, Jurupari a reconheceu:
— És Ceuci, a Deusa? — a incredulidade em sua voz era palpável, mas sem hesitar, ele continuou — Você pode me curar?
Graciosamente, Ceuci deslizou pelas águas e se posicionou de frente para Jurupari, colocou uma das mãos em sua cabeça e a outra em seu peito. Com uma voz suave, ela sorriu e disse:
— Sim. Eu posso e vou te curar.
Após algumas batidas contra o peito de Jurupari, uma sombra densa emergiu do interior do rapaz e preencheu o ar como uma nuvem prestes a chover; em seguida, a escuridão se dissipou na cascata da cachoeira e o corpo dele tornou-se colorido novamente. Emocionado, agachou-se diante de Ceuci e agradeceu-a intensa e sinceramente, mas, ao levantar o rosto viu que a deusa já não estava mais ali.
Jurupari, tomado pela urgência, correu para a montanha em busca de sua mãe. Mesmo após ter recuperado a visibilidade, suas habilidades sobrenaturais permaneceram inalteradas. Com velocidade e vigor, alcançou o topo do monte ainda com fôlego suficiente para gritar:
— Mãe!
Seuci, que segurava um vaso de argila, deixou-o cair no chão e virou-se para trás assustada. Seus olhos marejaram quando avistou um rapaz alto e forte correndo em sua direção. Era Jurupari, ela o reconheceria em qualquer idade. Se abraçaram calorosamente e o filho a jogou no ar diversas vezes seguidas, fazendo-a, ao mesmo tempo, rir e chorar. Entregaram-se a minutos de lágrimas e sorrisos compartilhados, as palavras eram insuficientes para externalizar tamanha emoção.
E, enquanto o Sol se punha sobre a montanha, Seuci e Jurupari, que haviam enfrentado o luto e a solidão, agora comemoravam o reencontro. Era o começo de uma nova era.
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CESARINO, Pedro; VICENTE, Zé (ilustrador). Histórias Indígenas dos Tempos Antigos, p. 34. 1ª ed. São Paulo: Claro Enigma, 2015.