“Estamos cansados de viver nas margens de nossas terras originárias, dentro de áreas degradadas ou em acampamentos de beira de estradas. Em função disso decidimos retomar um pequeno pedaço do nosso grande território ancestral, o qual chamamos de Tekoá Nhe’engatu”. Desde o dia 14 de fevereiro, este texto publicado no início do Comunicado da Retomada Nhe`engatu, do povo Guarani Mbya, na cidade gaúcha de Viamão, em 14 fevereiro último, orienta o sentimento de um povo que há séculos luta pelos seus direitos ancestrais. O local da retomada fica na Região Metropolitana de Porto Alegre. Um dos líderes da Retomada Nhe’engatu, é Eloir Werá Xondaro, que foi vice-cacique na aldeia da Estiva, em Viamão. O seu avô Turíbio Gomes, que morreu com 101 anos de idade, é a força espiritual e a inspiração nesta busca pela terra demarcada, assim como anciãos e anciãs que lutaram e padeceram lutando por uma vida digna para o povo Guarani Mbyá

A Nhe’engatu busca pelo diálogo com a Funai, a SESAI, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União, e principalmente, o Ministério dos Povos Indígenas, avançar nas demandas jurídicas para a demarcação da área retomada.

Como foi publicado no Comunicado Retomada Nhe’engatu, “não é justo vermos nossas crianças nascerem e crescerem em situação de profunda vulnerabilidade, sem perspectivas de uma vida tranquila, justa e saudável. Passamos nossos anos em casas improvisadas – barracos de lonas –  sem terra para plantar nossas roças, sem água potável para beber, sem mato e, sequer temos um lugar para construir nossa Opy, casa de Reza. Não aceitamos mais essa dura e degradante realidade”.

Turíbio Gomes morreu com 101 anos de idade, e assim como anciãos e anciãs que lutaram e padeceram pela busca de uma vida mais digna para o povo Guarani Mbyá, é uma inspiração na retomada

Agora, os líderes da retomada cobram da Funai agilidade nas demarcações de terras indígenas. Pedem que sejam retomados os procedimentos paralisados e que se inicie a demarcação da terra Tekoá Nhe’engatu, agora retomada pelos Guarani Mbya. As 22 famílias que estão em Tekoá Nhe’engatu, contam também com apoio das demais comunidades Guarani Mbya do Rio Grande do Sul e dos parentes Kaingang, Xokleng e Charrua.

A Retomada Nhe’engatu busca a demarcação de uma  antiga área da Fepagro (da extinta Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária), e que era utilizada para pesquisa para agricultura do estado. A área tem 148 hectares. Segundo Eloir Werá Xondaro, em entrevista recente ao veículo de mídia Sul 21, “a Fepagro desativou, não funciona mais, daí agora o pessoal da universidade está usando como centro de pesquisas, estudantes têm uma pesquisa com butiá e outras espécies, tem diversas espécies aqui. Mas o município de Viamão tem interesse, inclusive lançou uma proposta de pegar 88 hectares em troca de uma dívida que o estado tem com o município. Mas o município tem interesse só pra montar condomínios, essas coisas, tipo pra destruir a natureza mesmo”. Eloir Werá Xondaro ainda destaca que a área antigamente era um local de passagem para o povo guarani em direção a Itapuã. “Tem esse registro do local como passagem, sempre andavam por aqui circulando”, diz.

Eloir Werá Xondaro é uma das lideranças na Retomada Nhe`engatu, do povo Guarani Mbya

Em entrevista à Secretaria de Comunicação da CONAFER, Eloir Werá Xondaro informou que a retomada “está ocorrendo desde o dia 14 à noite. Estamos aqui com um grupo de vinte e duas famílias. Estamos começando o processo de retomada de um território ancestral do nosso povo. Estamos nesse processo, nessa luta aí que é tão difícil, tão árdua pelo reconhecimento de nossos territórios. Mas mesmo assim a gente é guerreiro, a gente é forte e com os apoios que a gente tem, nos tornamos mais fortes ainda.

Eloir Werá Xondaro continua: “estamos fazendo essa retomada em homenagem a nossos ancestrais, nossos avôs, nossas avós, principalmente em homenagem ao nosso avô Turíbio Nhe’engatu. Ele faleceu com 101 anos, lutando pelo direito de reconhecimento de seus territórios. Não teve a oportunidade de ver uma terra demarcada, homologada, onde ele pudesse viver tranquilamente. Não teve essa chance, não conseguiu ver nesta caminhada dele. Recentemente ele nos deixou, e deixou um legado para nós que é manter a cultura por mais difícil que seja. Cultura, língua e também ser um povo guerreiro, lutador. Isso nos encoraja sempre e por isso a gente tá nessa luta aqui pela retomada em Viamão. E com isso a gente vem a público mostrar que o indígena está presente no Rio Grande do Sul.”

Breve histórico da região Sul, retirado do livro “Vivências e Sentimentos do Povo Laklãnõ Xokleng”, o Povo Filhos do Sol, de João Adão Nunc-Nfoônro de Almeida:

“Na região Sul do Brasil viviam inúmeros grupos nativos, Xeta, Xarrua, Botocudos, Kaingang, Guarani. Os carijós foram exterminados juntamente com outros grupos que nem sequer foram identificados. Os botocudos assim foram chamados por terem os lábios perfurados com um enfeite que chamaram de botoque. Estudiosos antropólogos concluíram que o botocudo e kaingangs são da mesma família Jê, que se distanciou no decorrer do tempo, existindo também outras tribos do mesmo tronco”.

“No decorrer de 1800 a 1900, a chegada dos imigrantes foi intensa na região Sul, e os indígenas foram brutalmente ameaçados, tribos exterminadas, a última que se sabe foram os índios Carijós, totalmente dizimados. Kaingang, Botocudos e Guaranis continuavam resistindo, motivo pelo qual pararam de efetuar suas pequenas plantações, passaram a fugir da imigração que os perseguia para matá-los, então passaram a ser chamados de nômades, mas na verdade foram obrigados a isto”.

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