da Redação
Evento que ocorre desde 2004, o Acampamento Terra Livre é um encontro anual de mobilização dos povos indígenas do Brasil na luta pelos seus direitos ancestrais. A edição de 2022 teve início nesta segunda-feira, 4 de abril, e vai até o próximo dia 14 com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’. Até há um ano, existiam mais de 200 processos demarcatórios paralisados e mais de 500 pedidos indígenas de identificação de terras tradicionais. A paralisação dos processos de demarcação na FUNAI decorre de ações judiciais propostas por ocupantes não-indígenas que pleiteiam a posse da terra que já ocupam ilegalmente. O Acampamento Terra Livre ocorre no mesmo período em que o projeto de Lei 191, de 2020, pode ser votado na Câmara dos Deputados. O PL abre as terras indígenas para mineração e construção de hidrelétricas, e teve a urgência para tramitação aprovada para ser votado na próxima semana. Na pauta do Terra Livre, outro assunto importante é a formação de bancadas indígenas para disputar as eleições com a definição de marcos de atuação política dos povos indígenas no processo eleitoral. Um dos defensores da iniciativa é o Cacique Marcos, do povo Xukuru, de Pernambuco. Com representatividade nos parlamentos do país, os povos originários teriam novos instrumentos para fazer valer seus direitos constitucionais, criando projetos e emendas na proteção contra os invasores de suas terras, fortalecendo a defesa de sua existência ancestral
Dos 6 milhões de indígenas habitantes desta parte da América, hoje no Brasil existem aproximadamente 1 milhão. Mas os 5 milhões assassinados, escravizados até a morte, estuprados em suas aldeias, infectados por vírus e bactérias, expulsos de seus territórios, não desapareceram da noite para o dia. São 5 séculos de uma morte diária, a cada retirada de um direito, a cada voz silenciada pelos poderes constitucionais.
Em junho do ano passado, nações indígenas chegaram de diversas partes do país para defenderem os seus direitos constitucionais, todos colocados em risco por um outro projeto de lei, o PL 490 e seus destaques aprovados na Câmara, sem audiência pública, criando o pernicioso marco temporal, que na prática anula todas as demarcações de territórios indígenas a partir de 1988.
São muitas frentes de luta, sempre com projetos de leis e julgamentos do STF, com aprovações e decisões que geram grande instabilidade e vulnerabilidade às nações indígenas. Como é o caso dos Xokleng, uma etnia quase dizimada no século passado, e que segue na luta por sua existência em Santa Catarina, sendo alvo de uma decisão no julgamento da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ pelo STF, de quem se espera um ato de justiça com a história deste povo, e consequentemente, criando uma jurisprudência capaz de derrubar qualquer tentativa de avanço do famigerado PL 490 no Congresso.
A TI Ibirama-Laklãnõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, 236 km a noroeste de Florianópolis (SC). A área tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. Foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Com o status de repercussão geral, a decisão do STF será o Norte para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça sobre procedimentos demarcatórios, anulando antecipadamente qualquer tentativa de inclusão do marco temporal. O julgamento já foi suspenso diversas vezes por pedidos de destaque dos ministros. Em breve, o ministro Luiz Fux deve colocar novamente na pauta do STF.
A defesa dos povos tradicionais é sempre favorável em qualquer corte internacional, como foi o caso dos Xukuru do Ororubá, no agreste de Pernambuco, que obtiveram uma vitória histórica, quando o governo brasileiro foi obrigado a depositar na conta da Associação Xukuru, que representa quase 12 mil pessoas de 24 aldeias, uma indenização de US$ 1 milhão. O povo Xukuru conquistou o direito a essa indenização por reparações históricas após condenação do governo brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O cacique Marquinhos Xukuru, que venceu a eleição à prefeitura de Pesqueira-PE, cidade com 67 mil habitantes, dos quais 12 mil são indígenas aldeados nas terras Xukuru, é uma das lideranças que defende o aldeamento da política. Líder do povo Xukuru há 20 anos, o cacique agora luta para ter o seu direito de ser empossado prefeito e reconhecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O motivo é que mesmo com uma vitória incontestável nas urnas, Marquinhos Xukuru teve a sua candidatura indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Pernambuco. E agora, recorre ao TSE. A justificativa do Ministério Público Eleitoral, que propôs a ação de impugnação de registro de candidatura, foi a condenação de Marquinhos em um processo criminal – de dano ao patrimônio privado – relacionado a ações ocorridas após um atentado contra o cacique, em 2003. Vale lembrar que seu pai, cacique Xicão, foi assassinado a tiros, em 20 de maio de 1998.
Cacique Marquinhos e diversos líderes indígenas presentes no Acampamento Terra Livre defendem uma mudança de perspectiva na política, onde o mais importante é o coletivo, o bem viver e a garantia da inclusão e da participação coletiva nas decisões políticas, por isso a defesa da viabilização de candidaturas para deputados nas assembleias legislativas nos estados e para a Câmara Federal, além de candidaturas do executivo, criando uma teia de proteção política capaz de buscar avanços e soluções às causas indígenas.
O 18º Acampamento Terra Livre é o maior encontro de etnias do país. Ele vai funcionar até o dia 14 de abril na área central da capital federal, próximo ao prédio da Funarte. O principal objetivo é enfrentar uma agenda anti-indígena, composta pelo julgamento do marco temporal e por projetos de lei que liberam a exploração de terras, o licenciamento ambiental e o uso de agrotóxicos. A data foi escolhida porque o Projeto de Lei 191/2020 – que permite a mineração, hidrelétricas e outros planos de infraestrutura em terras indígenas – será votado no plenário da Câmara entre os dias 12 e 13 de abril. Neste tempo, mais de 40 atividades diárias acontecem no ATL 2022. Mais do que apenas um encontro de luta por direitos, milhares de indígenas apresentam suas culturas e tradições, com muito artesanato, música e dança, além dos rituais ancestrais para trazer proteção a todos os participantes do Acampamento Terra Livre.
Conheça os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 que tratam dos povos indígenas:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.