da Redação

Doenças como varíola, sarampo e febre amarela trazidas por missionários e colonizadores, e até aviões de madeireiros e mineradores que jogavam brinquedos com o vírus da gripe, dizimaram grande parte da população indígena, que de 3 milhões, em 1500, foi reduzida para 750 mil hoje

A trágica passagem da Covid-19 tem silenciado os ensinamentos de muitos anciãos e anciãs indígenas. A morte destes homens e mulheres que carregam a ancestralidade e os valores passados de geração para geração, extrapola a dor de todos os parentes, para tornar-se um grande lamento para toda a humanidade, que perde mais uma parcela da sua sabedoria acumulada, tão importante na evolução de todos os povos do planeta.

É uma grande derrota para o país que não garante o cumprimento da Constituição na proteção dos povos originários. Para ilustrar este fato, o presidente da República vetou trechos do projeto que estabelecia a obrigação do governo em fornecer água potável, acesso ao auxílio emergencial e distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas diretamente às famílias. Ao todo, foram vetados 16 dispositivos da medida que havia sido aprovada no Congresso Nacional. 

Os indígenas não podem sair das aldeias para adquirir alimentos, itens de subsistência e higienização, esta é a questão principal. Para garantir a proteção do indígenas aldeados existem diversos órgãos governamentais, mas o que tem sido feito até agora é muito pouco, muito aquém do que precisa ser feito com urgência. A história do coronavírus é mais um terrível capítulo da vulnerabilidade dos indígenas frente a todos os tipos de agentes infecciosos.

O genocídio dos indígenas pelos europeus também envolveu a disseminação de vírus. Sabedores da baixa imunidade dos povos originários, dos seus hábitos coletivos e da falta de tratamentos, os colonizadores exterminaram diversas etnias pelo contágio de doenças infecciosas, como os Goitacá da costa brasileira, um povo que foi extinto.

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Valia tudo pela terra e pela silêncio dos indígenas, desde as velhas técnicas coloniais, como o envenenamento das aguadas, até o abandono de roupas e utensílios com vírus. Uma prova de que muitas epidemias em tribos indígenas brasileiras foram produzidas de forma voluntária, são as infecções entre os Timbira, no Maranhão, os Botocudo, na região do vale do Rio Doce, os Tupinambá e Pataxó, na Bahia, os Cinta-Larga, em Mato Grosso e Roraima, entre outros tristes relatos dos historiadores.

A sabedoria e a memória do povo indígena pedem socorro

O número de casos confirmados da Covid-19 entre os indígenas ultrapassou 15 mil, com 519 mortes pela doença entre 119 etnias. A Secretaria Especial de Saúde Indígena, Sesai, do Ministério da Saúde, não contabiliza indígenas que vivem fora das aldeias. Entre estes, são mais de 10 mil casos e 218 óbitos.

Entre os indígenas, são os mais velhos que guiam e atuam como conselheiros. Eles são a autoridade moral e os guardiões da sabedoria e das tradições em sociedades caracterizadas pela transmissão oral do conhecimento adquirido pelas gerações anteriores. 

Agora, todo este conhecimento corre mais uma vez o risco de não ser transmitido para as próximas gerações em sua totalidade. São verdades e valores que não estão disponíveis nos livros, nos registros das sociedades contemporâneas, não estão em bibliotecas virtuais, e que precisam ser protegidos pela sociedade.

A CONAFER faz uma homenagem às lideranças indígenas vítimas da Covid-19 

A Confederação presta o seu tributo às lideranças indígenas abaixo, vítimas do coronavírus. Reconhecemos as lutas e as conquistas destes sábios e guerreiros que morreram durante a pandemia, estendendo os nossos sentimentos aos parentes e povos.

Iabibi Surui – Etnia Paiter-Suruí (RO) – 25 de agosto (75 anos)

Cacique da aldeia Amaral, era uma das lideranças mais antigas de seu povo.

Renato Labiway Paiter Suruí – Etnia Paiter-Suruí (RO) – 27 de agosto (43 anos)

Professor, pesquisador e forte liderança indígena em Rondônia.

Bep Tok – Etnia Xikrin (PA) – 31 de agosto

Bep-Tok, ou Onça, foi cacique da aldeia Bacajá. Grande líder indígena que lutou pelos direitos de sua etnia e em defesa das águas do rio Xingu.

Benhadjyry Pangra – Etnia Kaiapó (PA) – 11 de agosto

Cacique Benhadjyry Pangra, da terra indígena Badjonkore, aldeia Kranh-apari. Antes foi cacique do Kubenkrakenh. Era uma das principais liderancas kaiapó, um grande chefe que garantiu a demarcação do território.

Aritana Yawalapiti – Etnia Kuikuro (MT) – 05 de agosto (76 anos)

O cacique Yawalapiti Aritana era uma das principais lideranças do Parque Indígena do Xingu. Um ser humano extraordinário que lutava por sua cultura e pela preservação da língua do seu povo, o yawalapiti.

Cacique Cidaneri – Etnia Xavante (MT) – 23 de julho (87 anos)

Considerado pela comunidade de Pimentel Barbosa uma pessoa iluminada, uma enciclopédia viva que lutava por seu povo e garantia que as tradições Xavante fossem preservadas pelos mais novos da aldeia. Cacique Cidaneri era filho do grande Cacique Apöena, que em 1946 foi o primeiro da etnia e estabelecer oficialmente contato com a expedição do antigo Serviço de Proteção ao Indígena (SPI) – atual Funai. Cercado pelas fazendas de gado e temendo o genocídio, o grande líder negociou para garantir o território e a continuidade da etnia.

Gregório Venega – Etnia Avá-Guarani (PR) – 11 de julho (105 anos)

Pajé da aldeia Ocoy, era uma memória viva de seu povo. Fazia parte do primeiro grupo de guaranis que saiu da Comunidade Jacutinga, “região de Três Lagoas, em Foz do Iguaçu, para morar no Ocoy em 1982, após a formação do Lago de Itaipu. Mantinha a tradição cultural do povo e a pajelança, sendo muito admirado.

Nelson Mutzie Rikbaktsa – Etnia Rikbaktsa (MT) – 22 de julho (46 anos)

Trabalhador da saúde indígena, guerreiro e uma liderança do povo Rikbaktsa.

Euzébio de Lima Marques – Etnia Macuxi (RR) – 17 de julho (59 anos)

Professor e liderança do povo Macuxi, lutou pela demarcação da TI Raposa Serra do Sol, foi tuxaua do Camararém.

João Sõzê – Etnia Xerente (TO) – 13 de julho (83 anos)

Liderança do povo Xerente era considerado um grande contador de histórias, sorridente e sempre bem humorado.

Domingos Venite – Etnia Guarani M’Byá (RJ) – 21 de julho (68 anos)

Cacique da comunidade indígena de Angra dos Reis (RJ), líder da tribo Guarani Sapukai, a maior tribo indígena do Rio de Janeiro. Tinha compromisso com a educação e cultura de sua tribo e era considerado por todos um grande guerreiro gentil e atencioso.

Amancio Ikõ – Etnia Munduruku (PA) – 2 de junho (60 anos)

Dedicou sua vida à valorização da cultura e sabedoria Munduruku. Professor, brigou pelo direito do seu povo a uma educação diferenciada e de registrar em certidão de nascimento o nome indígena. Ajudou a fundar a Associação Indígena Pariri.

Apí Suruí – Etnia Aikewara (PA) – 18 de junho (63 anos)

Antigo chefe Aikewara, Apí sempre manteve a calma, mesmo nos momentos mais difíceis, e assim guiou seu povo. Era reconhecido também pelo senso de humor.

Arikasú Suruí – Etnia Aikewara (PA) – 14 de junho

Guerreiro aikewara, amável com os seus, bravo diante dos inimigos. Arikasú ensinou seus filhos e netos a viver da floresta.

Bep-Karoti – Etnia Xikrin (PA) – 1º de junho (65 anos)

Cacique da aldeia Pokro e referência para todo o povo Xikrin, era uma liderança forte, física e espiritualmente, que defendeu a floresta contra madeireiros e os rios contra a poluição gerada pela mineração.

Bepkraipo – Etnia Mbengokrê (PA) – Junho

Nasceu na aldeia Gorotire, onde passou grande parte da sua vida e aprendeu os conhecimentos culturais de seu povo. Era considerado um doutor na cultura e nos conhecimentos tradicionais.

Vicente Saw – Etnia Mundukuru (PA) – 1º de junho (71 anos)

Conhecido pelo compromisso com a defesa do seu povo, dos rios e das florestas do território. Estava sempre sorrindo. Vicente Saw lutou contra a invasão dos garimpos e das barragens.

Dionito José de Souza – Etnia Macuxi (RR) – 15 de junho (52 anos)

Começou sua trajetória como microscopista no combate à malária. Lutou por uma saúde indígena digna e eficiente. Ele se destacou também na batalha pela homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, lugar onde nasceu – na comunidade Maturuca, extremo norte de Roraima.

Feliciano Lana – Etnia Desana (AM) – 12 de maio (83 anos)

Artista plástico, desenhista, pesquisador e liderança indígena. Feliciano traduziu em arte as paisagens do Rio Negro, na densidade e força de sentidos que elas têm para seus povos.

Higino Pimentel Tenório – Etnia Tuyuka (AM) – 18 de junho (65 anos)

Liderança tuyuka do alto rio Tiquié. Professor indígena. Viveu em regiões do alto rio Negro, no Brasil e na Colômbia, retornando depois para seu povoado, onde conduziu a criação da Escola Indígena Tuyuka. Participou da publicação de vários livros e de um álbum de músicas de seu povo.

Iranoa Asurini – Etnia Asurini (PA) – 24 de maio (64 anos)

Iranoa Asurini lutou incansavelmente na defesa da vida e da cultura de seu povo. Perdeu os pais no contato com os brancos e fez da memória deles sua bandeira de luta.

Martinho Boro – Etnia Munduruku (PA) – 5 de maio (77 anos)

Martinho Boró foi um dos primeiros professores Munduruku. Alfabetizou muitas crianças e ensinou a elas as histórias dos antepassados e os cânticos tradicionais do seu povo.

Paulinho Paiakan – Etnia Kaiapó (PA) – 17 de junho (67 anos)

Paiakan mobilizou e comandou seu povo quando, pela primeira vez na história do país, os Kayapó desceram maciçamente para Brasília para participar dos trabalhos da Assembleia Constituinte. Os Kayapó estão entre os povos indígenas que fizeram manifestar sua voz, vontade e expectativas diante do Congresso Nacional.

Ponokatu Asurini (Vanda) – Etnia Asurini (PA) – 22 de maio (74 anos)

Uma das principais lideranças femininas do povo Asuriní, Ponakatu dedicou sua vida à preservação da língua e dos conhecimentos de seu povo. Com fala mansa, ajudou a formar os professores indígenas que hoje ensinam as crianças Asuriní.

Poraké Asurini – Etnia Asurini (PA) – 24 de maio (67 anos)

Marido de Ponakatu, exímio tradutor de mundos, Poraké foi o principal responsável pelas iniciativas de registro dos conhecimentos e da cultura Asuriní para as novas gerações.

Sakamiramé Asurini – Etnia Asurini (PA) – 24 de maio (93 anos)

Sakamiramé era o mais velho entre os Asuriní. Detentor de um repertório inesgotável de cantos tradicionais e um profundo conhecedor do passado de seu povo.

Fausto Mandulão – Etnia Macuxi (RR) – 3 de junho (58 anos)

Fausto Mandulão queria que todos os indígenas tivessem acesso a uma educação de qualidade. Foi professor e um pioneiro na luta pelo reconhecimento e valorização da educação indígena em Roraima.

Iracema Guajajara – Etnia Guajajara (MA) – Junho (76 anos)

Vista como uma mestra da cultura Guajajara, Iracema seguia a risca todos os costumes de seu povo. Ela questionava mudanças sem sentido e lembrava a todos para que não esquecessem suas raízes.

Mario Puyanawa – Etnia Puyanawa – 20 de junho (77 anos)

Foi o primeiro cacique da aldeia Barão do Rio Branco (AC) após o contato dos indígenas com os brancos. Ajudou a fortalecer culturalmente os Puyanawa e foi fundamental na demarcação do território. Deixa um legado de honestidade e luta.

Warini Surui – Etnia Aikewara (PA) – 4 de junho (85 anos)

Conhecido por ser generoso, Warini Surui sempre compartilhou seu imenso conhecimento sobre o mundo. Ensinou a pelo menos três gerações Aikewara as canções de seu povo.

Domingos Mahoro – Etnia Xavante (MT) – 6 de julho (60 anos)

Cacique Xavante da Terra Indígena Sangradouro (MT), presidente da cooperativa indígena do Mato Grosso e muito ativo nas lutas indígenas do estado. Domingos Mahoro viajou por vários países, levando inúmeros ensinamentos de seu povo e defendendo os direitos originários nos quatro cantos do mundo.

Otávio dos Santos – Etnia Sateré-Mawé (AM) – 17 de abril (67 anos)

Otávio dos Santos era a principal liderança da comunidade São Benedito, no rio Urupadi, município de Maués – Amazonas. Lutou incansavelmente pelo seu povo.

Lusia‌ ‌dos‌ ‌Santos‌ ‌Lobato‌ – Etnia Borari (PA) – 17 de março (87 anos)

Liderança‌ ‌indígena‌ ‌cuja‌ ‌história‌ ‌de‌ ‌vida‌ ‌se‌ ‌confunde‌ ‌com‌ ‌a‌ ‌da‌ ‌luta‌ ‌pelo‌ ‌reconhecimento‌ ‌dos‌ ‌direitos‌ ‌do povo ‌Borari. Lusia ‌era‌ ‌muito‌ ‌querida‌ ‌na‌ ‌Vila‌ ‌de‌ ‌Alter‌ ‌do‌ ‌Chão,‌ ‌localizada‌ na‌ ‌cidade‌ ‌de‌ ‌Santarém,‌ ‌oeste‌ ‌do‌ ‌Pará.‌

Bernaldina José Pedro – Etnia Macuxi (RR) – 24 de junho (75 anos)

Anciã indígena, Vó Bernal foi uma das lideranças na expulsão dos grileiros da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Era quem iniciava os cantos e danças tradicionais nas rodas de Parixara, uma das mais tradicionais manifestações artísticas dos povos indígenas do estado.

Aikrekatati Aprakwiti Kwynkre – Etnia Paracatejê-Gavião – 1º de junho (66 anos)

Anciã da terra Gavião, em Marabá (PA), feminista, professora de língua e da cultura. 

Secundino Raposo – Etnia Macuxi – 14 de julho (74 anos)

Foi tuxaua da comunidade do Escondido (RR). Importante liderança para a defesa dos territórios e dos povos indígenas de Roraima.

Cacique Ubaldo Manauaia – Etnia Bakairi (MT) – 02 de agosto (65 anos)

Líder da aldeia Kaiahoalo, era considerado sábio e corajoso. Lutava pela preservação dos costumes de sua etnia.

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