O Cemaden, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, emitiu Nota Técnica apresentando uma avaliação da criticidade da seca em todo o território brasileiro, considerando dados históricos e a situação atual, conforme aferição no âmbito do monitoramento de secas. Apesar de ter se intensificado entre maio e agosto de 2024, a seca, particularmente na faixa que se estende dos estados do Acre e Amazonas até o estado de São Paulo e o Triângulo Mineiro, começou ainda no segundo semestre de 2023. Como resultado desta situação, muitos municípios já enfrentam condições de estiagem por 12 meses consecutivos, contribuindo para a redução dos níveis e vazões dos rios e do maior risco para a propagação de fogo
A situação de seca na região Norte do país é particularmente crítica, com uma persistência que já dura mais de 12 meses, e em algumas áreas 24 meses. Este cenário agravou-se não apenas pelo aumento do risco de propagação de incêndios, mas também pelo impacto severo nos rios da região. A crise hídrica é evidente, uma vez que os rios começaram o ano em níveis extremamente baixos devido ao déficit de chuvas e às altas temperaturas observadas durante as estações seca e chuvosa de 2023.
Foto da seca de 2023, onde uma pesquisadora faz medição e coleta de tecidos de botos mortos em lago no município de Tefé, no Amazonas – Foto: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá
Destaca-se que além da intensidade da seca no Norte, essa já é uma das mais longas das últimas décadas em outras regiões do país. Cerca de 200 municípios continuam em condição de seca extrema, com destaque para São Paulo (82 municípios), Minas Gerais (52), Goiás (12), Mato Grosso do Sul (8) e Mato Grosso (24). Em relação aos dias consecutivos sem chuva, as regiões Centro-Oeste, parte do Sudeste e Nordeste são as mais afetadas pelo déficit hídrico, com mais de 100 dias consecutivos sem precipitação, especialmente em Goiás e partes dos estados do Mato Grosso, Minas Gerais e Bahia.
As regiões mais nos extremos do Norte e do Sul do país apresentam uma condição mais favorável, com menos de 30 dias consecutivos sem chuva. De acordo com os dados, municípios no estado de Minas Gerais, concentrados na porção semiárida, como Verdelândia, Nova Porteirinha, Pai Pedro, Janaúba, Catuti e Capitão Enéas, além de outros no entorno, já acumulam cerca de 150 dias sem chuva. Especificamente sobre o monitoramento de secas em terras indígenas no Brasil, observa-se uma concentração significativa de terras indígenas em situação de seca severa a extrema em partes dos estados do Amazonas, Acre, Pará, Tocantins, e na região Centro-Oeste, representando 33,5% do total de terras indígenas do Brasil impactadas no referido mês de agosto de 2024.
Os dados de 2024 apontam uma seca maior que a de 2023, como vemos nesta foto do ano passado
Já o impacto das secas em projetos de assentamentos realizado, conforme estudo realizado para o mês de agosto de 2024, ao todo 393 (5,4%, 53.432 famílias) projetos de assentamentos apresentaram condição de seca entre excepcional ou extrema, destes, 321 localizados majoritariamente nas regiões Norte e Centro-Oeste. Além disso, 1.296 (17,8%) projetos de assentamento apresentaram condição de seca severa e outros 2.158 (29,6%) condição de seca moderada. Destaca-se que ao todo, quatro estados no mês de agosto estavam com mais de 50% dos seus projetos de assentamento com condição de seca entre severa a excepcional, são eles: Amazonas (60%), São Paulo (62%), Acre (64%) e Rondônia (80%).
Com relação à avaliação dos impactos da seca em áreas de atividades agrícolas e/ou pastagens (agroprodutivas), de acordo com o índice integrado de seca, 1.532 municípios apresentaram pelo menos 40% das suas áreas de uso impactadas no mês de agosto de 2024. Desse total, 963 municípios tiveram mais de 80% de suas áreas agroprodutivas afetadas pela seca, concentrando-se principalmente em Minas Gerais (333), São Paulo (275) e Mato Grosso (86). Outros 284 municípios registraram entre 60% e 80% de área agroprodutiva potencialmente afetada, sendo 69 em Minas Gerais e 60 em São Paulo. Por fim, 285 municípios apresentaram impacto da seca entre 40% e 60% de área. É importante ressaltar que os impactos serão mais severos na produção pecuária, já que as pastagens nessas regiões poderão apresentar baixa qualidade devido ao prolongado déficit hídrico e à baixa umidade do solo.
O Monitoramento do Impacto da Seca em Áreas Potencialmente Agroprodutivas, referente aos potenciais impactos na produção das terceiras safras de feijão ou milho em agosto de 2024, é importante destacar que, de acordo com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), apenas seis estados possuíam calendário de plantio vigente naquele mês. O risco para a agricultura familiar leva em consideração tanto a intensidade da seca quanto a vulnerabilidade e a capacidade de adaptação de cada município em relação ao sistema de agricultura familiar.
Quanto à intensidade da seca em agosto, a região Norte foi a única a apresentar condição de seca extrema, concentrando quatro municípios no estado do Amazonas. No total, 90 municípios enfrentaram seca severa, distribuídos entre Minas Gerais (50), Amazonas (30), Mato Grosso do Sul (8) e Paraná (2). Outros 639 municípios apresentaram condição de seca moderada no mesmo mês, sendo a maioria em Minas Gerais (471) e no Paraná (120).
Considerando o risco de seca para o plantio realizado no mês de agosto de 2024, 9 municípios apresentaram risco muito alto, todos na região Norte. Outros 69 municípios apresentaram risco alto em relação à seca, 33 na região Norte, 35 na região Sudeste e 1 na região Centro-Oeste. Outros 148 municípios apresentaram risco moderado, sendo 111 deles na região Sudeste e 17 na região Norte. No estado do Acre, por exemplo, foi registrada uma seca hidrológica severa entre outubro de 2023 e janeiro de 2024. Embora as chuvas de fevereiro a abril de 2024 tenham proporcionado algum alívio temporário, os níveis dos rios continuaram abaixo da média. Isso resultou em uma nova condição de seca severa a partir de maio e que persiste até o presente.
A estação seca de 2024 iniciou-se mais cedo e está mais intensa do que o habitual, exacerbando ainda mais o impacto nos níveis dos rios das regiões Norte e Centro-Oeste, em datas comparativas de 05 de setembro de 2023 e 2024, com diferenças que variam de 12 cm a 4,98 m. Esses valores ressaltam a gravidade da condição de seca nessas regiões e evidenciam o impacto sobre os recursos hídricos locais. O Índice Padronizado Bivariado precipitação-vazão (TSI), para as bacias hidrográficas afluentes aos reservatórios das principais usinas hidrelétricas (UHE) do país, e do Sistema Cantareira, principal sistema de abastecimento de água da região metropolitana de São Paulo, indicam que as bacias localizadas nas regiões Norte (rio Madeira, Xingu e Tocantins-Araguaia), Centro-Oeste (rio Paraguai) e Sudeste (rio Paraná), bem como as bacias no vale do Jequitinhonha na região Nordeste, estão enfrentando seca hidrológica variando de severa a excepcional (representada por tons de laranja, vermelho e bordô). As bacias da região Nordeste (rio São Francisco e Jequitinhonha) apresentam condição de seca moderada a severa, enquanto que as bacias na região sul estão em condição de normalidade. Essa condição crítica que afeta a maioria das bacias têm implicações significativas para a disponibilidade hídrica, impactando não apenas a geração de energia hidrelétrica, mas também o abastecimento de água para as diversas regiões.
Atraso na chegada do período de chuvas
A previsão meteorológica indica um provável atraso no início da próxima estação chuvosa, o que resultará na prolongação do período de estiagem nos rios de todas as regiões do país, com exceção da região Sul. Esse provável atraso é devido ao comportamento do Oceano Atlântico, que está mais quente que o normal na região da América Central. O oceano aquecido favorece a evaporação e o desenvolvimento de chuvas mais intensas que o normal nessa região, o que, por compensação, acarreta uma diminuição das chuvas sobre a maior parte da América do Sul, incluindo o Brasil. Como resultado, a situação de seca deve persistir ou até se agravar na maioria das bacias hidrográficas do país.
Com a finalidade de avaliar a criticidade da seca nos últimos três meses no Brasil, dados de acumulados de chuva do período de maio a agosto de 2024 foram comparados com dados da série histórica referente ao período de 1981 a 2023. As análises apontam uma extensa área em que foram registrados os maiores déficits de chuvas no período. O persistente déficit de chuvas agrava o cenário atual, elevando o risco de propagação de incêndios. Apesar da maioria dos focos ser causada por ações humanas, a falta de água acumulada potencializa a disseminação descontrolada das queimadas, uma vez que há baixa umidade do solo, vegetação muita seca e baixa umidade do ar.
Uma segunda análise foi conduzida com o intuito de verificar se a seca, iniciada no segundo semestre de 2023 e ainda persistente, se configura como a mais intensa em toda a sua extensão, considerando a série histórica de dados desde 1950 e análise sobre todo o território do Brasil. Para isso foi utilizado o Índice de Precipitação Padronizado de Evapotranspiração (SPEI), na sigla em inglês) que é uma ferramenta usada para medir e monitorar a seca. O SPEI leva em consideração dois aspectos principais: a quantidade de chuva que cai e a quantidade de água que se perde por evaporação (solo, rios, etc) e transpiração das plantas. A evapotranspiração depende da temperatura e da água disponível, já a evaporação depende da temperatura: quanto mais quente, mais água evapora. 20. A série temporal do SPEI demonstra que, a partir da década de 90, as secas no Brasil se tornaram mais frequentes e intensas (valores mais negativos de SPEI). Conforme os dados (Figura 10), o país enfrentou três grandes secas (picos negativos de SPEI): a primeira entre 1997 e 1998, a segunda entre 2015 e 2016, e a última em 2023 e 2024. Vale ressaltar que a seca de 2015-2016 superou a de 1997-1998, mas a atual (2023-2024), mesmo com dados parciais, já apresenta valores de SPEI mais negativos, indicando ser a mais intensa e extensa da série histórica. Em termos de extensão, a seca de 2023-2024 lidera, abrangendo cerca de 5 milhões de km², o que corresponde a aproximadamente 59% do território brasileiro. Em segundo lugar, a seca de 2015-2016 afetou cerca de 4,6 milhões de km² (aproximadamente 54% do país). Já a seca de 1997-1998 atingiu cerca de 3,6 milhões de km², o equivalente a 42% do território nacional.
Nos últimos 13 anos, período que coincide com o início das atividades operacionais de Monitoramento de Secas do CEMADEN/MCTI, observa-se que as secas geralmente apresentavam um caráter regional, concentrando-se em áreas específicas do país, afetando partes do Nordeste e Norte. No entanto, diferentemente dos anos anteriores, a seca iniciada em 2023 e que persiste até o momento, demonstra uma característica muito mais abrangente e intensa em comparação às anteriores. As causas da seca resultam de uma combinação de fatores que abrangem diferentes escalas espaciais e temporais. Em primeiro lugar, a estação chuvosa passada foi deficitária em toda a porção centro-norte do país, em decorrência da atuação do fenômeno El Niño que normalmente causa diminuição das precipitações nesta região. Em consequência, a fraca estação chuvosa passada não conseguiu repor adequadamente a umidade do solo e da vegetação, nem recarregar os aquíferos, mantendo os níveis dos rios abaixo dos níveis esperados. Em segundo lugar, a atual estação seca começou de forma antecipada, já no mês de abril, com o qual o solo e a vegetação começaram a perder umidade de forma prematura e sistemática, e os níveis do rios foram diminuindo gradativamente, atingindo níveis inferiores aos observados no mesmo período de 2023.
Ainda, a estação seca atual foi mais seca que o normal, incluindo vastas regiões que não receberam nenhuma precipitação desde maio. Essa situação deixou o solo e a vegetação extremamente secos, criando um ambiente favorável para a propagação de grandes incêndios. Finalmente, devemos destacar a influência de dois fenômenos que atuam no longo prazo: as mudanças climáticas que estão gerando um aquecimento progressivo da atmosfera e que tendem a produzir sequências mais longas de dias sem chuva, e também as mudanças do uso do solo que, ao substituir áreas de floresta por áreas dedicadas à agricultura e/ou a pastagens, degradam uma fonte importante de umidade, tanto do ar quanto do solo, o que deriva na redução da umidade ambiente e, consequentemente, das precipitações.
Nota Técnica do Cemadem: https://www.gov.br/cemaden/pt-br/assuntos/monitoramento/monitoramento-de-seca-para-o-brasil/monitoramento-de-secas-e-impactos-no-brasil-agosto-2024, elaborada por: dra. Luz Adriana Cuartas Pineda, dra. Ana Paula Martins do Amaral Cunha, dra. Elisângela Broedel, eng. Lidiane Cristina Oliveira Costa, dr. Marcelo Enrique Seluchi, dra. Márcia Regina Guimaraes Guedes e dra. Regina Célia dos Santos.
Com informações do Cemaden, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Com imagens da Agência Brasil.