Moradores da Amazônia já enfrentam os desafios com a baixa dos rios e preparam-se para escassez prolongada. O estado do Amazonas está enfrentando uma situação crítica devido à baixa precipitação nas suas bacias hidrográficas. Entre as 20 bacias da Amazônia, 13 receberam bem menos chuva do que o esperado, e 10 delas estão em um estado considerado extremamente seco, com precipitação abaixo de 5% da média dos últimos 22 anos. Os rios Purus e Madeira são os mais afetados, com níveis muito abaixo da normalidade. No rio Madeira, o nível da água em Humaitá alcançou o menor registro da história para o mês de junho, com 13,2 metros, 3 metros abaixo da maior seca anterior registrada em 2023. À medida que os volumes de água começam a descer mais cedo do que o esperado, a população que depende dessas águas para sustento e sobrevivência se vê em alerta máximo
Em diversas regiões, os rios, que tradicionalmente sustentam a pesca, o transporte e até mesmo o abastecimento de água, apresentam quedas drásticas em seus níveis, um prenúncio de uma seca prolongada e severa. A Defesa Civil do Estado já emitiu recomendações para que as comunidades locais estoquem água e alimentos, preparando-se para um cenário de dificuldades que promete desafiar ainda mais a resiliência das populações ribeirinhas.
Na capital do Amazonas, Manaus, o Rio Negro desceu 2,57 metros nos primeiros dias de setembro de 2023, podendo-se repetir o fenômeno neste ano com mais gravidade
Municípios como Beruri, Manacapuru, Manaus, Careiro, Itacoatiara, Rio Branco, Parintins, Itapéua e Fonte Boa registram níveis de água significativamente abaixo dos já registrados anteriormente. A estação de Itacoatiara, por exemplo, normalmente atinge o pico da cheia em maio, mas em 2024 isso ocorreu em junho, iniciando a descida dos níveis de água na terceira semana de junho, com níveis ainda abaixo da normalidade. A cidade de Tabatinga, no rio Solimões, também enfrenta um recorde negativo, com o nível do rio atingindo apenas 6,7 metros, quase dois metros abaixo do registro de 2010.
Apenas as bacias do rio Negro e Rio Branco apresentaram chuvas consideradas normais. Porém, o estado geral da água na região é alarmante, com uma média de superfície de água mensal na Amazônia Legal caindo para 9 milhões de hectares em 2023, a menor já registrada. Essa situação gera grande preocupação entre os moradores, especialmente nos 7 dos 11 municípios que foram mais severamente atingidos pela seca de 2023 e que ainda não se recuperaram completamente. Embora os cientistas sejam cautelosos, há um receio crescente de que uma nova grande seca possa ocorrer na região.
A perda de cobertura vegetal, impulsionada pelo desmatamento e pelas queimadas, agrava ainda mais o problema
A diminuição rápida do nível dos rios está sendo impulsionada por condições climáticas desfavoráveis. As temperaturas elevadas nos oceanos Pacífico e Atlântico, fenômeno comumente associado a déficits pluviométricos na Amazônia, têm contribuído para a redução das chuvas na região. Além disso, o aquecimento global, um fator cada vez mais presente, intensifica os impactos das secas ao elevar as temperaturas e reduzir a umidade nos solos amazônicos.
A estação seca de 2024 começou com um déficit significativo de chuvas, o que já está sendo sentido pelas comunidades locais. Mesmo com o enfraquecimento do fenômeno El Niño, que historicamente traz seca para a região, a entrada de La Niña — um fenômeno caracterizado pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial — não deve trazer o alívio esperado. Em vez disso, a La Niña pode atrasar o início das chuvas, prolongando o período de seca e reduzindo ainda mais os níveis dos rios.
À medida que os volumes de água começam a descer mais cedo do que o esperado, a população que depende dessas águas para sustento e sobrevivência se vê em alerta máximo
Para os moradores das margens dos rios da Amazônia, a queda no nível da água significa muito mais do que uma simples mudança sazonal; representa uma ameaça direta ao seu modo de vida. A pesca, uma das principais fontes de sustento, já começa a ser prejudicada à medida que os peixes se tornam escassos devido às mudanças nos ecossistemas aquáticos. O transporte fluvial, essencial para o acesso a suprimentos e para a conexão entre as comunidades, também enfrenta desafios, com embarcações encalhando em trechos onde a água já não é profunda o suficiente.
Diante deste cenário, as autoridades locais têm intensificado as ações de alerta e preparação. A Defesa Civil do Estado, antecipando as dificuldades, recomendou que as comunidades estoquem água potável e alimentos não perecíveis. Essa medida visa garantir que as famílias tenham recursos suficientes para enfrentar os períodos mais críticos da seca, que podem se estender por meses.
A Bacia Amazônica, uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta, desempenha um papel fundamental no equilíbrio climático do Brasil e do mundo
A situação na Amazônia reflete um problema maior: o impacto das mudanças climáticas globais em regiões ecologicamente sensíveis. O aquecimento dos oceanos, que está diretamente ligado ao aumento das temperaturas globais, altera os padrões de chuva em todo o mundo, com consequências devastadoras para a Amazônia. A perda de cobertura vegetal, impulsionada pelo desmatamento e pelas queimadas, agrava ainda mais o problema, uma vez que diminui a capacidade da floresta de reter água e regular o clima local.
Especialistas alertam que, se essas tendências persistirem, a Amazônia pode enfrentar secas cada vez mais intensas e frequentes, o que não só prejudicaria as comunidades locais, mas também teria impactos em escala global. A floresta amazônica, conhecida como um dos maiores sumidouros de carbono do mundo, desempenha um papel crucial na regulação do clima global. Sua degradação contínua poderia acelerar ainda mais as mudanças climáticas, criando um ciclo vicioso de destruição.
A seca de 2024 pode ser uma das mais severas dos últimos anos, mas também serve como um lembrete urgente da necessidade de proteger a Amazônia e seus habitantes
Nos últimos anos, a Amazônia tem enfrentado pressões sem precedentes devido ao desmatamento e às mudanças climáticas. A seca prolongada, como a observada em 2024, associada ao aquecimento dos oceanos e à redução das chuvas, tem gerado sérias preocupações. O desmatamento reduz a capacidade da floresta de absorver CO2 e compromete a liberação de umidade na atmosfera, aumentando o risco de incêndios florestais e ameaçando transformar áreas da floresta tropical em savanas.
A Bacia Amazônica, uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta, desempenha um papel fundamental no equilíbrio climático do Brasil e do mundo. Abrangendo cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados, essa vasta área inclui a maior floresta tropical do mundo e o mais extenso sistema fluvial, sendo o Rio Amazonas e seus afluentes as principais artérias de um ecossistema que influencia diretamente o clima, a biodiversidade e as atividades humanas em várias partes do globo.
A Amazônia é frequentemente chamada de “pulmão do mundo”, embora seja mais apropriado referir-se a ela como um “ar condicionado global”. A floresta amazônica desempenha um papel vital na absorção de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases de efeito estufa. A fotossíntese realizada pelas plantas amazônicas remove bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera a cada ano, ajudando a mitigar os efeitos das mudanças climáticas globais. Além disso, a floresta libera grandes quantidades de vapor d’água na atmosfera, influenciando padrões de chuva não apenas na América do Sul, mas em outras partes do mundo.
Os rios da Amazônia são mais do que simples corpos d’água; eles são essenciais para o funcionamento do ecossistema e para a vida das populações que dependem deles
A bacia hidrográfica da Amazônia é responsável por aproximadamente 20% da descarga total de água doce para os oceanos, o que influencia as correntes oceânicas e, por extensão, o clima global. A evaporação da água dos rios e da floresta cria um fenômeno conhecido como “rios voadores”, que transporta umidade para outras regiões do Brasil e da América do Sul, contribuindo para as chuvas essenciais nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Esse processo natural é fundamental para a agricultura e para o abastecimento de água nessas regiões, além de desempenhar um papel crucial na manutenção do ciclo hidrológico global.
Essa transformação seria catastrófica não apenas para a biodiversidade local, mas também para o clima global. A perda da floresta amazônica poderia liberar enormes quantidades de CO2 na atmosfera, acelerando o aquecimento global. Além disso, a redução da umidade transportada pelos “rios voadores” poderia diminuir as chuvas em outras partes do Brasil, afetando a agricultura e a disponibilidade de água, com graves consequências econômicas e sociais.
A evaporação da água dos rios e da floresta cria um fenômeno conhecido como “rios voadores”, que transporta umidade para outras regiões do Brasil
O governo brasileiro implementou um plano de contingência para lidar com a seca de 2024, focando em ações como o abastecimento de água potável, a distribuição de insumos e medicamentos, e a manutenção da logística nas áreas mais afetadas. Municípios como Guajará, Envira e Ipixuna, situados na calha do Juruá, já estão recebendo apoio emergencial devido à redução do nível dos rios, que tem prejudicado o transporte fluvial e, consequentemente, o acesso a suprimentos essenciais.
A Amazônia é muito mais do que uma floresta; é um componente essencial do sistema climático global. A sua preservação é decisiva para a estabilidade climática, a biodiversidade e o bem-estar das populações humanas. Diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas e pelo desmatamento, é imperativo que esforços globais sejam intensificados para proteger esse patrimônio natural insubstituível. A sobrevivência da Amazônia é, em última análise, a sobrevivência de todos nós.