FONTE: FAPESP
A biomassa de resíduos agrícolas, como o bagaço da cana ou a palha do trigo, pode dar origem a produtos químicos finos de alto valor que servem de insumo para a fabricação de cosméticos, alimentos, fármacos e diversos outros produtos. Esses compostos de origem vegetal têm potencial para substituir parte do que é produzido hoje pela indústria petroquímica, mas, para que isso aconteça, é preciso desenvolver tecnologias competitivas para sua obtenção.
Um grupo de pesquisadores do Brasil e do Reino Unido avançou nessa direção ao criar uma rota biotecnológica simplificada para transformar tanto o bagaço da cana como a palha do trigo em compostos com aplicação industrial, entre eles o coniferol, cujo preço por grama pode chegar a mais de € 300 (R$ 1.400 aproximadamente). Agora, os cientistas buscam parceiros interessados em tornar a tecnologia viável comercialmente.
A metodologia, desenvolvida com apoio da FAPESP, no âmbito do Programa Pesquisa em Bionergia (BIOEN), foi descrita Green Chemistry.
O trabalho teve a participação de pesquisadores das universidades de Sorocaba (Uniso) e Estadual de Campinas (Unicamp), além das britânicas University of Manchester e University of Warwick.
“Conseguimos desenvolver uma rota biocatalítica por meio da qual é possível produzir aldeídos, como o coniferol, e ácidos aromáticos a partir da biomassa de resíduos agrícolas”, disse Fábio Márcio Squina, professor da Uniso e coordenador do projeto.
O coniferol é usado para sintetizar vários produtos químicos de custo elevado, como o pinoresinol – um agente hipoglicêmico – e a sesamina, que possui propriedades anti-hipertensivas e contribui para diminuir os níveis de colesterol. Além disso, é um precursor de aromas florais. Por isso, tem potencial para ser usado como material de partida para o desenvolvimento de fragrâncias pela indústria de perfumaria e cosméticos.
Na indústria petroquímica, o coniferol é obtido por processos de síntese química que envolvem rotas complexas ou baseadas no uso de reagentes perigosos, como o boroidreto de sódio, além de outros produtos tóxicos, metais de transição ou formulações complexas de catalisadores – substâncias que aceleram a velocidade de reações químicas.
Com o objetivo de desenvolver um processo mais simples e com menos impacto ambiental, os pesquisadores desenvolveram e aplicaram biocatalisadores diretamente nos resíduos agrícolas. Com isso, conseguiram liberar ácido ferúlico da biomassa lignocelulósica e convertê-lo diretamente em coniferol.
“Por meio de uma cascata de três enzimas catalisadoras desenvolvida nos últimos anos, que também têm aplicações para produção de biocombustíveis, conseguimos produzir de forma simplificada o coniferol com até 97% de rendimento de conversão”, afirmou Squina.
Combinação de enzimas
Uma das enzimas catalisadoras usadas no novo processo é uma feruloil esterase (XynZ). Produzida por uma bactéria do gênero Clostridium, a proteína caracterizada pelos pesquisadores brasileiros tem a capacidade de remover da biomassa vegetal o ácido ferúlico – composto aromático que representa cerca de 2% da biomassa lignocelulósica.
Já outra enzima, denominada aldoketo redutase (AKR), produzida pelo cupim de subterrâneo (Coptotermes gestroi) e descoberta pelos cientistas brasileiros, é capaz de catalisar a produção do coniferol. Porém, para produzir o composto a partir do ácido ferúlico proveniente da lignocelulose era necessária uma enzima ácido carboxílico redutase (CAR).
Durante estágio na University of Manchester, realizado com apoio da FAPESP durante o doutorado, Robson Tramontina testou diferentes combinações da AKRs com CARs.
Os resultados indicaram que a melhor combinação era com uma CAR proveniente de uma espécie de bactéria encontrada no solo, a Nocardia iowensis, descrita pelos cientistas ingleses.
Após chegar à combinação ideal, foi desenvolvida uma cepa da bactéria Escherichia coli capaz de produzir os genes recombinantes provenientes do cupim do subterrâneo e da Nocardia iowensis.
Em contato com um material lignocelulósico, como a biomassa de bagaço da cana ou a palha de trigo, a bactéria, juntamente com a enzima feruloil esterase, desencadeia uma cascata de reações químicas que levam à produção de coniferol.
“Essa nova rota permite obter não só o coniferol, mas outros aldeídos e álcoois aromáticos de alto valor, que também têm aplicações em diversos setores industriais”, afirmou Squina.
Novas parcerias
Os pesquisadores trabalham, agora, na intensificação do processo e em estudos de viabilidade econômica.
Os cálculos preliminares indicam que a nova rota biotecnológica permite a valorização dos resíduos da cana e da palha de trigo em até 5 mil vezes, bem como em até 75 vezes o preço do ácido ferúlico, ao transformá-los em coniferol.
“Estamos procurando parceiros industriais interessados em viabilizar a tecnologia e, eventualmente, aprimorá-la para outras matérias-primas ou para produzir outros compostos de interesse comercial”, disse Squina.
A Confederação da Agricultura Familiar