Por Cleyton Calisto

Atualmente as terras privadas brasileiras são 53% do território, sendo a maioria pertencente à 1% da população brasileira, majoritariamente o agronegócio (como madeireiras, pecuaristas, grandes fazendeiros, grandes latifundiários) e políticos, juristas e militares associados a ele. Somente 5% desse montante vai para assentados da Reforma Agrária. Esses assentamentos são conjuntos de unidades agrícolas instaladas pelo INCRA em propriedades onde foi aplicada a Reforma Agrária. Lugares em que originalmente existia um único proprietário passam a morar diversas famílias.
As terras públicas brasileiras correspondem a 47% e concentram-se principalmente no Norte (Amazonas, Amapá e Roraima), são áreas militares (12%), terras indígenas (13%), unidades de conservação (12%) e terras não destinadas (terras sem destino claro do governo, 10%). Com exceção das áreas militares, esses territórios estão em constantes ataques, disputas, grilagens e desmatamentos ilegais, pelo agronegócio. Ampliando e concentrando cada vez mais terras com o objetivo de, além de especular sobre o valor, explorar recursos naturais, expandir a criação de gado e de grãos (como a soja, do atual Ministro do MAPA Blairo Maggi), não se importando com impactos ambientais, povos tradicionais habitantes dessas terras, ou famílias sem terras.
Para o geógrafo da Unesp Carlos Alberto Feliciano, o cerne do conflito agrário está na construção da propriedade privada e na concentração de terras no Brasil. A construção privada no país traz consigo o significado de terra como reserva de valor (especulação imobiliária), “onde boa parte dos ditos ‘proprietários’ vivem da renda que ela pode lhes auferir, mesmo sendo improdutiva.”, ou seja, mantêm um terreno sem produção, parado, com o intuito de vendê-lo no futuro, quando possivelmente valerá mais. Prática apontada como inconstitucional pelo Congresso Nacional em 1993, pois a improdutividade das terras caracteriza o não cumprimento da função social da propriedade. Já a concentração de terras é um problema existente desde a colonização, com as capitanias hereditárias.
Baseada na constituição federal de 88 a decisão estabelece por Lei a desapropriação e direcionamento das terras à Reforma Agrária em casos de descumprimento da função social (que consiste em: ser produtiva, respeitar as leis trabalhistas, ambientais e gerar desenvolvimento para a região pertencente). Sendo assim, pessoas físicas ou jurídicas com grandes porções de terras não utilizadas, devedores da União e infratores de leis trabalhistas e ambientais, por vezes escravocratas (prática ilegal ainda existente em muitos estados brasileiros), deveriam ter suas terras destinadas às famílias sem terra.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é responsável pela desapropriação do infrator ou devedor e assentamento dessas famílias, trabalho por vezes demorado principalmente por cortes constantes do governo, deixando milhares de pessoas à beira de estradas. Com o objetivo de pressionar o INCRA é comum a ocupação aos arredores e ao interior de propriedades com processos já abertos de desapropriação, mas o descaso público faz com que essas famílias sofram diversos abusos, ameaças e até mesmo assassinatos.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) apresenta em 2016 uma média de quatro conflitos agrários por dia, resultando em 61 mortes, um aumento de 22% comparado a 2015, já em 2017 o número sobe para 70 assassinatos. Esses conflitos ocorrem principalmente na Amazônia Legal, região com a maior concentração de terras públicas e privadas no país, abrangendo estados como Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte dos estados do Mato Grosso, Maranhão e Goiás. Só no começo de 2017 ocorreram três chacinas na região: a do Pau d’Arco, ação policial responsável pela morte de 10 pessoas no Pará; a do povo Gamela, em Viana, responsável pela morte de 10 indígenas no Maranhão; e a de Colniza, onde 9 pessoas acampadas em uma área rural foram mortas no Mato Grosso.
No mesmo relatório a CPT também denuncia a criminalização dos movimentos do campo e um aumento de 86% nas ameaças de morte, de 68% nas tentativas de assassinato e de 185% das prisões de lideranças de povos tradicionais e de sem terra. Entre 1985 e 2016 foram perdidas 1834 vidas em conflitos agrários e dos 1387 casos levados à Justiça,  no mesmo período, somente 112 foram julgados, condenando 31 e absolvendo 14 mandantes e, entre os executores, 92 foram condenados e 204 absolvidos.
A impunidade acontece por causa da influência do agronegócio no legislativo, no executivo e no judiciário, casos como o do juiz Octávio de Almeida Neves (primo de Aécio Neves) da Vara de Conflitos Agrários de Minas são um exemplo. Em 2013 o Juiz foi denunciado pelo Ministério Público, INCRA, Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo e Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas por descumprir ritos processuais, apressando pedidos de reintegração. Durante um pouco mais de um ano ele produziu 53 ordens de reintegração, mesmo com a denúncia se manteve na vara até começo de 2017, nesse tempo manteve sua postura contrária a distribuição de terras e a favor do agronegócio.
Além de juízes defensores de fazendeiros por vezes acusados de escravizarem e matarem pessoas, o agronegócio coopta também à Policiais Militares e Civis, “A polícia vai, muitas vezes, já inclinada. O próprio policial é levado pelo fazendeiro com uma estrutura de transporte fornecida pelo requerente da ação e sem acompanhamento da defensoria pública ou órgão de defesa das pessoas carentes.”, afirma Anginaldo Oliveira, defensor nacional de direitos humanos da Defensoria Pública da União. Ação inconstitucional, pois, como apresenta o procurador de justiça Afonso Henrique de Miranda, uma vez expedida a reintegração de posse, cabe aos militares, em conjunto com defensores públicos e órgãos responsáveis como INCRA, garantir a retirada dos trabalhadores rurais das áreas invadidas, não às polícias.
 
Fontes:
Públicas e privadas: a divisão de terras no território brasileiro
5 anos depois: quatro são presos por assassinato de membro do MST
Brasil tem mais de quatro conflitos agrários por dia
Chacina no Pará escancara escalada da barbárie em conflitos agrários no Brasil
 

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