Por Fernanda Rettore
Jurupari, o menino que floresceu no ventre de Seuci, crescia esplêndido como o próprio Sol. Havia herdado os traços exuberantes de sua mãe humana e a força da Mãe-Natureza. Ele andou e falou muito cedo; mal havia completado um ano de vida, quando começou a contar histórias sobre a importância da prática do bem. Através de suas palavras inocentes e sublimes, ele hipnotizava a todos — mesmo sendo apenas um bebê.
As pessoas passaram a acreditar que Jurupari era um espírito antigo e interpretaram sua vida como uma bênção divina sobre a aldeia. A teoria ganhou ainda mais força, quando perceberam que o seu nascimento coincidiu com uma fase regida por dias ensolarados e noites banhadas pela chuva mansa. Em função disso, nos últimos meses, os rios transbordavam de peixes, as árvores se mantinham repletas de frutas e o mel silvestre era abundante. A prosperidade enraizou-se naquele pedaço de terra.
A comunidade decidiu, em um consenso coletivo, que Jurupari deveria trilhar o caminho que o conduziria à posição de futuro cacique. Mas a preparação para formar uma criança tão pequena como líder, exigia primeiro a permissão dos deuses. Para isso, precisavam realizar um ritual sagrado que, até então, nunca havia sido feito. Ao tomarem ciência dos itens necessários para a cerimônia, notaram a ausência de um importante artefato: uma rocha lunar. Essa pedra poderosa, era a chave que abriria as portas da morada celeste e permitiria a comunicação com o astral.
As mulheres, impulsionadas pela crença de que a pedra estava nas alturas, conceberam a ousada ideia de voar até a própria Lua. No entanto, o desafio de desbravar o espaço transcendia os limites de suas compreensões e os homens se colocaram contra a proposta feminina. Os anciões, por sua vez, tinham um plano mais tangível: acreditavam que a pedra estava oculta nas profundezas do lago, onde as águas refletiam o astro noturno. Armados com redes, lançaram-se na empreitada, mas, apesar dos esforços sinceros, não obtiveram êxito. Envolvidos nas disputas incessantes sobre a melhor abordagem para obter a rocha sagrada, dias se desdobraram em discussões e uma névoa de desacordo cobriu a aldeia.
Silenciaram-se apenas quando um lamento alto e angustiante sobressaiu ao zunido de todas as outras vozes. Seuci, a mãe de Jurupari, chorava desesperadamente: “Já o procurei em todos os cantos e não o encontro” — falava entre soluços e lágrimas. O eco de sua aflição despertou a aldeia do transe da discórdia por um instante, mas logo o sentimento de raiva voltou a os dominar. Mais agitados do que antes, gritavam: “Foram os anciãos que sumiram com Jurupari!”, diziam as mulheres; e os homens retrucavam com veemência: “Não! Foram vocês que o esconderam!”. A rivalidade entre as mulheres e os homens, que antes se desdobrava por causa da captura da pedra da Lua, cresceu exponencialmente com o desaparecimento de Jurupari.
As semanas se estenderam como sombras. Em buscas incansáveis, as pessoas varreram os vales, penetraram e vasculharam a densa floresta, realizaram mergulhos pelo leito do rio e exploraram os lagos e as cachoeiras. No entanto, a criança permanecia perdida; a resignação em encontrá-la deu lugar a amarga aceitação: Jurupari havia verdadeiramente desaparecido. As vozes nervosas se transformaram em um silêncio pesado e o chiado da mata passou a ser o único som.
Seuci entregou-se a um abismo de sofrimento, sentia como se tivesse perdido uma parte vital de si mesma. Sua oficina, que antes pulsava a vitalidade de suas invenções, agora era preenchida por um vazio melancólico. Deixou de tomar banho e de se alimentar. O mundo ao seu redor, uma vez colorido por Jurupari, assumiu tons de angústia e dor.
A poucos passos da entrada da cabana, Seuci estava deitada imóvel em sua esteira de palha; seu corpo estava presente mas sua alma estava perdida em algum lugar de tristeza. As mulheres da aldeia, preocupadas com o estado da parente, aproximaram-se em busca de animá-la. No entanto, as tentativas de motivação só conseguiram provocar uma irritação crescente em Seuci. Num ímpeto, ela se ergueu, anunciando com a voz rouca que iria caminhar um pouco pela floresta.
Sem um destino claro, deixou com que seus pés a guiasse. Só parou quando, de repente, deu de encontro com a majestosa árvore de curura — a mesma onde tempos atrás havia concebido Jurupari. Não hesitou e escalou a árvore, deitou em um galho robusto e relaxou entre a folhagem fresca; permitiu ser envolvida pelas memórias, boas e ruins, dos últimos dois anos.
Em meio aos pensamentos distantes, foi trazida de volta a realidade por um som inconfundível: o choro de Jurupari! Através de seu visceral instinto materno, ela desceu da árvore com urgência, chamando alto pelo nome do filho. Procurou por cada centímetro do solo, entre os arbustos, por trás das rochas e nas copas das árvores; mas encontrou apenas o eco de seus próprios gritos misturado ao som distante do lamentar de seu filho.
Foi então que, subitamente, percebeu que o choro infantil parecia ganhar intensidade quando ela se aproximava da árvore de curura. “Jurupari está preso em seu tronco!”, pensou. O desespero tomou conta de Seuci, que pegou uma pedra pontiaguda e começou a retirar o casco da árvore. Contudo, quando atingiu o interior da estrutura, viu que ali não havia nada além de madeira sólida. Ela caiu de joelhos contra a terra e, sentindo a sensação de impotência esvaziar suas forças, chorou junto com Jurupari.
Ao retornar para a aldeia, Seuci, envolta pelo luto, pediu para ficar sozinha e recolheu-se na sua esteira em posição fetal.
A noite deslizou melancólica e, enquanto todos mergulhavam nos sonhos, Seuci levantou-se silenciosamente. Seu rosto, antes expressivo, estava pálido e sem vida. Pegou uma pequena bolsa e colocou uma cabaça para armazenar água, uma faca, um pequeno machado de pedra, uma flauta de paxiúba e um saco de ervas. Envolveu-se com uma pele de onça e lançou-se contra a neblina fria da madrugada em direção ao leste. Em seu íntimo, ela acreditava que estava perdendo a sanidade e precisava se afastar das lembranças que lhe roubavam o sossego.
Seuci atravessou os vales e alcançou o pé da serra quando o céu noturno já se despedia. Escalou a montanha com graciosidade e destreza e chegou ao seu destino a tempo de assistir o nascer do sol. Ao emergir na clareira, despiu-se da pele, a estendeu cuidadosamente no chão e deitou-se sobre ela, vulnerável aos primeiros raios de calor. Naquele instante, ela não queria pensar em nada.
À medida que o sol intensificou-se, Seuci foi em busca de madeira e palha para construir seu acampamento. Com habilidade, em poucas horas, ela havia erguido uma pequena cabana, cortado uma quantidade generosa de lenha, coletado e enchido cabaças com água e colhido frutas. Sentada sob a sombra de uma árvore, admirou o resultado de seu esforço.
A noite desdobrou-se em um céu estrelado. Seuci, encurvada diante da fogueira, absorvia a serenidade da solidão. Contudo, a tranquilidade foi subitamente interrompida quando a lembrança do desaparecimento de Jurupari cruzou seu pensamento. A tristeza que residia nela, até então silenciosa, eclodiu em uma crise de choro avassaladora. Seuci, pela primeira vez, desejou que seu filho fosse apenas uma criança comum. Sob o crepitar da fogueira, implorou aos deuses: “Por favor! Tragam de volta meu bebê!”. O lamento ecoou pela escuridão, lançando-se ao vento frio.
Envolta em seu sofrimento, Seuci foi novamente despertada pelo choro de Jurupari. “Isso está na minha cabeça… isso está na minha cabeça… sem meu filho estou enlouquecendo!”, mas antes que pudesse dizer mais uma palavra, sentiu o mamilo molhar e o seio contrair. Ao abrir os olhos, viu o leite materno fluir pelo ar por um breve momento antes de desaparecer; então, o choro infantil transformou-se em risadas alegres. Emocionada, Seuci abraçou o ar, percebendo ali a presença do corpinho pequeno de seu filho. Jurupari, não havia desaparecido, ele tinha ficado invisível.
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CESARINO, Pedro; VICENTE, Zé (ilustrador). Histórias Indígenas dos Tempos Antigos, p. 34. 1ª ed. São Paulo: Claro Enigma, 2015.