da Redação


Casa Tibiras abre as portas para receber os agricultores familiares LGBT+; primeiro acolhido é Cairú Macuxi, 22, estudante de biologia da Universidade Federal de Roraima e produtor de arte indígena

“Existe índio LGBT+?”, esta é uma pergunta recorrente quando falamos sobre diversidade sexual entre os povos indígenas. Mas essa realidade também pode ser aplicada às outras populações tradicionais do Brasil, como os quilombolas, ribeirinhos, povos da floresta, pescadores e camponeses. Estas pessoas são invisibilizadas em detrimento desse modelo de sociedade ancorado nos estereótipos que embasam muitos preconceitos, a exemplo do machismo, racismo e LGBTfobia.

Foi pensando em atender e acolher essas pessoas, que a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais criou a Secretaria Nacional LGBT+ Casa Tibiras, um espaço destinado à pesquisa, levantamento de dados e desenvolvimento de projetos voltados à população LGBT+, sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, e que está inserida nos diversos contextos da agricultura familiar.

Outra atribuição importante da Secretaria Nacional LGBT+ da CONAFER, a Casa Tibiras, será a realização de um mapeamento dos agricultores familiares que fazem parte desse público, para acolher, apoiar e encaminhar socialmente essas pessoas invisibilizadas pela sociedade.

A pasta recebeu o nome de Casa Tibiras em homenagem ao indígena tibira – que quer dizer homem homossexual em Tupi – que foi morto em meados de 1614 pela Ordem dos Padres Capuchinhos Franceses, no litoral do Maranhão, sendo considerado este como o primeiro caso de LGBTfobia no Brasil. Além disso, vale ressaltar, esta importante Secretaria nasceu inspirada no documentário Terra Sem Pecado, que aborda as vivências dos indígenas LGBT+ dentro e fora das aldeias.

LEIA TAMBÉM:

Antes do preconceito do colonizador havia uma terra sem pecado

É nesse sentido que a Secretaria LGBT+ da Conafer atua, proporcionando autonomia e dando voz a esses corpos que foram categorizados a partir do olhar do colonizador. 

Casa Tibiras já tem o seu primeiro residente em Boa Vista, Cairú Macuxi

“A Casa Tibiras é um espaço importante tanto para entender que somos diversos e podemos amar quem queremos sem ter medo, quanto para levar esse debate para os não indígenas entenderem que não estamos congelados em 1500”, pontua a liderança jovem do Santuário dos Pajés e assessor da Casa Tibiras, Fetxawewe Tapuya Guajajara.
Falar sobre diversidade sexual e de gênero dentro de algumas etnias dos povos originários, ainda é tabu, e isso se deve ao fato dos indígenas atualmente reproduzirem os preconceitos introduzidos pelos colonizadores, uma interferência que maculou e eliminou diversas culturas. 
Mas aos poucos o movimento indígena abre suas ocas para incluir em suas pautas as discussões sobre sexualidade. 

“Acredito que a autoafirmação, enquanto sujeitos LGBT+ e o reconhecimento da pluralidade no contexto indígena, é imprescindível para melhor articulação do movimento indígena. Reconhecer as diversas pautas dentro do movimento é de suma importância para que nenhuma demanda fique para trás”, analisa o estudante de Ciências Políticas e colaborador da Casa Tibiras, Danilo Tupinikim.

O movimento LGBT+ em si, como está estruturado, não contempla as especificidades dos indígenas LGBT+, uma vez que o mesmo tem como referências as realidades estrangeiras, e não as vivências indígenas. 

”Ter comigo essas identidades é nem sempre ver portas abertas para mim. E tentar reverter isso nem sempre é fácil. Eu tento levar meu discurso e ocupar esses lugares que meu corpo não é bem vindo. E fazer de uma porta aberta, uma sementinha que vou plantar, cuidar para que cresça que vire uma árvore que dê frutos para as próximas gerações de indígenas e LGBT+, assim como já fizeram por mim”, conta Cairú Macuxi, 22, o primeiro acolhido pela Casa Tibiras.

Cairú na sede do Espaço Conafer em Roraima. Foto: CONAFER

É importante que a diversidade a partir de múltiplas experiências, abrace o sentimento de pertencimento à terra do indígena LGBT+, fundamental para semear e colher os frutos da cultura e da agricultura, das tradições e do trabalho, da produção e da arte, sempre com o olhar indígena de respeito pelo meio ambiente, à identidade e valores de cada etnia. 

“O movimento LGBT+ geral tem sua construção baseada em vivências que não contemplam a diversidade dos povos indígenas. É importante esclarecer que apesar das diferenças, os dois movimentos precisam dialogar para o crescimento de ambos”, pondera Alisson Pankararu, estudante de medicina e também assessor da Casa Tibiras.

A Secretaria Nacional LGBT+ Casa Tibiras é um espaço inédito no Brasil, aberto ao diálogo, à construção coletiva e, principalmente, ao acolhimento dessas pessoas que, muitas vezes, se encontram em situação de vulnerabilidade. 

O secretário Marcelo Costa explica que “a Conafer não só abraça esta causa, como também dará todo suporte aos agricultores familiares LGBT+, que agora ao invés de sofrerem violência em suas comunidades e serem expulsos por suas famílias, podem encontrar na CONAFER um espaço de proteção e segurança para desenvolver habilidades e competências”.

Da esquerda para a direita, Alisson Pankararu, Marcelo Costa, Danilo Tupinikim e Fetxawewe Tapuya Guajajara, da Casa Tibiras. Foto: CONAFER

Capa: CONAFER

Compartilhe via: