FONTE: Alma Preta
Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em posicionamento público, disse que todos os quilombos do país têm atendimento do SUS; quilombolas questionam a presença e a qualidade do serviço do sistema e temem a chegada do Covid-19
“Com o Covid-19, cadê o álcool em gel? Cadê as máscaras gratuitas? Se depender do governo, iremos morrer”, diz Manuel dos Santos, quilombo Mumbaça, em Traipu (AL). A afirmação é uma resposta ao posicionamento do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, nesta quarta-feira (18).
Ele, ao lado de outros ministros e do presidente Jair Bolsonaro, afirmou, em entrevista coletiva, que o Sistema Único de Saúde (SUS) estava presente em todo território nacional. “Eu não tenho uma cidadezinha, não tem uma comunidade quilombola, ou indígena, que não tenha o SUS. Nós podemos ter dificuldade, mas o sistema de saúde vai estar ao lado dos 215 milhões de brasileiros”, disse.
A chegada do Covid-19, contudo, é vista com receio por parte das comunidades quilombolas. Acostumadas a receber atendimento pelo SUS apenas de maneira esporádica, temem que a medicina quilombola não dê conta da pandemia. “Em nem um dos quilombos de Alagoas até o momento há um caso. Se chegar, a gente morre pois em nenhuma comunidade tem como se tratar do caso ou ser atendidos por médicos”, conta Manuel dos Santos.
A principal estratégia adotada diante da pandemia tem sido a de se fechar e evitar o contato com as áreas urbanas, como explica Kátia Penha, do Quilombo Divino, localizado no município de São Matheus (ES). “A gente tem tentado convencer, principalmente os mais velhos, a não sair do território. As comunidades com turismo de base comunitária e étnico estão soltando notas de que aquele quilombo ou aquela comunidade não está mais recebendo turistas”, disse.
No Quilombo do Ivaporunduva (SP), as comunidades inclusive fecharam por tempo indeterminado as atividades turísticas para evitar a aglomeração de pessoas e o contato com o espaço urbano, onde a doença tem se proliferado. “Dinheiro é bom, mas não é tudo. A saúde vem em primeiro lugar. Depois a gente retoma o turismo. Agora é todo mundo unido contra a epidemia”, explica Setembrino da Guia, coordenador de turismo do Quilombo de Ivaporunduva.
O Alma Preta entrou em contato com o Ministério da Saúde questionando sobre a fala do ministro e o apontamentos dos quilombolas ouvidos na reportagem, bem como sobre se existem ações pensadas especificamente para esta população. Até o fechamento desta reportagem não obtivemos retorno.
Em diálogo com o Ministério da Fazenda acerca dos impactos econômicos sobre as comunidades quilombolas, a pasta orientou a equipe a dialogar com o Ministério da Cidadania. O Alma Preta pediu uma posição sobre os cuidados com os comunidades quilombolas para o Ministério da Cidadania e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Nenhuma das duas pastas, até a conclusão da reportagem, retornou os questionamentos.
A saúde dos povos quilombolas
Segundo o artigo 196 da Constituição, a saúde é um direitos de todos e é dever do Estado garantir, por meio de políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doença e o acesso universal e igualitário a todos.
Apesar de confirmarem a possibilidade de atendimento do SUS por parte das comunidades, lideranças quilombolas de diferentes regiões do país criticam a precariedade do serviço e a necessidade dos quilombolas se deslocarem para os municípios próximos para receberem atendimento.
Para exemplificar essa situação, Manuel dos Santos sinaliza que dos quatro quilombos certificados e reconhecidos no município de Traipu, em dois existem postos de saúde e em apenas um há agente de saúde, na própria comunidade de Mumbaça. A infraestrutura é inadequada para dar conta dos cuidados de todas as comunidades, segundo ele. “Pessoas já chegaram morrer por falta de ambulância para socorrer”, recorda.
Celenita Berniere, da Comunidade de Remanescentes Quilombolas de Lajeado (TO), conta que participou de atividades sobre saúde no sudeste do estado. Ela descreve a situação como “muito precária” e “cada vez pior”. “O médico da família só está indo uma vez no mês, em uma das cincos comunidades. As visitas nem sempre acontecem e tão pouco a demanda está sendo atendida”, conta. Celenita aponta situação mais delicada nas comunidades de Baião, Poço Dantas, Lajinha e Lajeado, todas no sudeste do Tocantins.
Em São Matheus, no norte do Espírito Santos, o atendimento aos quilombolas existe por conta de ação junto ao Ministério Público Federal, que obrigou o município a prestar assistência às comunidades. Kátia Penha, do Quilombo Divino (ES), localizado no município de São Matheus, questiona a qualidade do atendimento prestado.
“O SUS está presente, mas incapacitado de desenvolver qualquer trabalho. Para fazer um exame você tem que ir na cidade, para fazer uma consulta tem que ir na capital. Não tem muito instrumento especializado nos municípios próximos. É preciso que a gente faça uma análise enquanto comunidades quilombolas, enquanto lideranças, ‘Que SUS é este que está nos quilombos?’”, questiona.
Desde 2004, o governo federal tem um Comitê Técnico de Saúde da População Negra, grupo que se consolidou na pasta da saúde e em 2009 produziu o documento Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. No que tange às comunidades quilombolas, o material aponta para a necessidade de se reconhecer e respeitar a medicina de cada povoado e o compromisso de atendimento do SUS nesses espaços.
Em 2006, o Ministério da Saúde garantiu o acréscimo de 50% dos valores repassados para os municípios, para que eles atendam as demandas de saúde de comunidades quilombolas e assentamentos da reforma agrária.
Documento publicado pela ONG Terra de Direitos sinaliza, contudo, desconhecimento e desinteresse por parte dos prefeitos para acessar esse recurso. “Estudos apontam que os gestores municipais não compreendem o princípio da equidade do SUS, desconhecem a política específica para a população negra, além de não reconhecerem a importância do acréscimo de 50% dos valores repassados pelo governo federal aos municípios que registram atendimento às comunidades”, sinaliza o documento.
A Confederação da Agricultura Familiar