Nesta semana, o estudo Cartografias da Violência na Amazônia, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Mãe Crioula, revelou que os estados da Amazônia Legal têm mais de 20 mil propriedades rurais sobrepostas ilegalmente a terras indígenas e unidades de conservação. Essa situação está diretamente ligada à grilagem, o ato ilícito de apropriação de terras públicas ou privadas por meio de falsificação de documentos. Na Amazônia, a grilagem é um dos principais fatores que contribuem para o desmatamento das florestas e, além de prejudicar os povos indígenas com a ocupação de seus territórios originários, também representa uma grave ameaça à sociobiodiversidade  

Entre 2018 e 2023, o número de registros de grilagem de terras na Amazônia aumentou em impressionantes 313,5%. As 20 mil propriedades rurais que estão ilegalmente sobrepondo terras indígenas e unidades de conservação expõem os impactos da grilagem de terras na região, um “fenômeno estreitamente relacionado ao desmatamento”, conforme destaca a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os dados foram obtidos a partir da análise de registros do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).

Em 2023, o Brasil perdeu cerca de 10.000 km² de floresta amazônica, o que equivale a mais de 1 campo de futebol por minuto. O desmatamento na região aumentou 21% em relação ao ano anterior, agravando a crise ambiental e climática – Foto: Alez Pazuello/Secom

Das mais de 20 mil propriedades ilegais, 8.610 estão situadas em terras indígenas e 11.866 em unidades de conservação. No caso das terras indígenas, a maior concentração dessas propriedades está nos estados do Pará (2.181), Maranhão (1.477) e Mato Grosso (1.414), que têm se destacado entre os maiores índices de desmatamento na Amazônia nos últimos anos. Segundo a análise por estados feita pelo Relatório Anual de Desmatamento, o Pará lidera o ranking do desmatamento, com 22,2% da área de todo o país (456.702 hectares). Na sequência, vem o Amazonas, com 13,33% (274.184 hectares); Mato Grosso, com 11,62% da área desmatada (239.144 hectares); Bahia, com 10,94% (225.151 hectares); e Maranhão, com 8,2% (168.446 hectares). Os cinco estados respondem por 66% do desmatamento no Brasil.

Desmatamento da Amazônia brasileira. Foto: Marizilda Cruppe/Amazon

Um exemplo é a Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará, que abrange 734 mil hectares, onde foram identificadas 530 propriedades rurais que invadem ilegalmente a área. A região é marcada por conflitos entre o povo Arara e grileiros, que pressionam a demarcação do território com práticas como desmatamento e exploração ilegal de madeira.

No Maranhão, a Terra Indígena Porquinhos dos Canela, do povo Apãnjekra, é a mais afetada pela presença de propriedades ilegais, com um total de 487 registros. Já em Mato Grosso, o território Apiaká do Pontal e Isolados, no norte do estado, conta com 134 propriedades sobrepostas. Essa área de 982,3 mil hectares abriga os povos Apiaká e Munduruku.

Aldeia Apãnjekra Canela na Terra Indígena Porquinhos dos Canelas, no Maranhão – Foto: Ibama/Divulgação

O problema atinge ainda mais unidades de conservação da Amazônia, onde há mais de 11,8 mil propriedades rurais ilegais. O Pará novamente lidera esse cenário, com 4.489 casos registrados. Entre as unidades de conservação mais impactadas no estado, destacam-se a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós e a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxin, com 978 e 489 imóveis sobrepostos, respectivamente. Ambas estão localizadas no sudoeste do Pará, uma região marcada por alto índice de desmatamento e atividades de garimpo.

Em segundo lugar, está o estado do Amazonas, com 2.055 registros de sobreposição de propriedades rurais, com destaque para o Parque Nacional dos Campos Amazônicos (264 sobreposições) e a Flona de Aripuanã (180). O estudo aponta que essas unidades de conservação estão situadas no corredor da BR-230, onde a grilagem de terras é impulsionada pela exploração ilegal de madeira.

Os grileiros expulsam os povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais que vivem nestes territórios florestais, muitas vezes de forma violenta, envolvendo a formação de milícias. Em seguida, os grileiros desmatam a área e colocam nelas algumas cabeças de gado com o objetivo de se passarem por pecuaristas. Os povos indígenas são as principais vítimas dos conflitos no campo, representando quase metade dos mortos. Em 2023, o número de assassinatos caiu de 41 para 31, mas, ao mesmo tempo, o total de eventos violentos aumentou. De acordo com o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram registrados 2.203 casos de conflitos, como invasões, mortes, agressões e destruição de bens. Esse número é 7% superior ao de 2022 e 57% maior do que o registrado em 2014.

Foto: Verônica Holanda/Divulgação

A demarcação de terras indígenas é muito importante no combate à grilagem de terras, porque promove a proteção de territórios ancestrais dos povos indígenas, impedindo que sejam ilegalmente apropriados por grileiros. Ao oficializar a posse dessas áreas, o processo de demarcação assegura que os direitos territoriais dos povos indígenas sejam respeitados, dificultando a ação de especuladores que, muitas vezes, invadem e falsificam documentos para tomar essas terras. Além disso, a demarcação contribui para a preservação ambiental, já que as terras indígenas funcionam como reservas naturais de conservação da natureza.

A Secretaria Nacional Indígena da CONAFER promove, de forma permanente, a preservação ambiental e a proteção dos direitos indígenas, por meio de ações de educação, combate às queimadas florestais, monitoramento de animais em risco de extinção e promoção de cursos sobre direitos humanos nas aldeias de todo o país. Além disso, a Confederação defende o marco ancestral contra a inconstitucionalidade do marco temporal, pois acredita que a proteção dos territórios indígenas é uma forma de preservar a biodiversidade contra a exploração, incluindo a grilagem de terras. 

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