FONTE: Jornalistas Livres
Evento cultural-sócio-político do sábado, 7 de março, contou com centenas de apoiadores e show do músico e poeta Arnaldo Antunes
Com reintegração de posse em favor da bilionária Construtora Tenda marcada para esta terça-feira, dia 10 de março, e que será levada à cabo pela Polícia Militar do Estado de São Paulo e todo seu aparato repressor, a ocupação do povo Guarani no Jaraguá declarou, no último dia 4, que não sairá da terra, que não estão defendendo não como sua, mas como essencial para a preservação e desenvolvimento da cultura Guarani, garantidas por leis federais. Estão lutando, também, pela preservação desse cinturão verde da cidade de São Paulo, o que inclui esse terreno, comprado pela Tenda há dois anos, através de obscuros caminhos de concessões pela Prefeitura de São Paulo, com total desconsideração por leis federais, o que por si só já se classifica como uma ação criminosa. Essa área está classificada, ainda, como parte do cinturão verde da cidade pela UNESCO e como área de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá.
Evento de resistência contou com show de Arnaldo Antunes e falas de líderes Guaranis.
No sábado, dia 7, aconteceu uma intensa programação sócio-cultural-política na ocupação, que incluiu conversas com os Guaranis e suas lideranças, o engajamento do Fórum Verde de Parques, Praças e Áreas Verdes na luta pela preservação da área, um reconhecimento do terreno, seu rio, lagos, nascentes, a flora existente, do bosque já derrubado pela Tenda, além de todas as intervenções feitas recentemente pelos Guaranis, como o replantio de 200 mudas de árvores, ervas medicinais, espécies comestíveis, e identificar potenciais para a contrução do futuro Parque e Centro Ecológico Guarani YARY TY (CEYTY). As atividades contaram, ainda, com a adesão do artista e escritor Arnaldo Antunes, que vem produzindo obras artísticas de resistência, como o clip O Real Resiste.
O evento contou com apoio de centenas de arquitetos, premacultures, artistas, ativistas e apoiadores da causa, que marcaram presença no sábado na ocupação.
Uma ameaça à manutenção e desenvolvimento da cultura Guarani no Jaraguá
Em um dos momentos de nossa visita à ocupação Gurani no Jaraguá em 28 de fevereiro, o menino Kalisson Wera’i vê um carro adentrar o terreno, e reage, em tom de desaprovação: “Carros! Vão embora!”. Segundo seu tio, Karaí, Kalisson é um garoto inteligente e já bateu de frente com pessoas em frente à ocupação. “Não é à toa que ele gosta de usar a camisa do Super Homem”, conta o tio. Mais adiante, em entrevista com o líder indígena Thiago Henrique, ele nos contou que é comum carros pararem em frente à aldeia do povo Guarani no Jaraguá para aliciarem as crianças. Que é comum a polícia chegar com uma abordagem agressiva, embora negem.
Na ocupação, só permitem a entrada de carros se seus ocupantes estiverem trazendo algo de útil para a sustentação dos índios que lá estão para impedir que um total de 4 mil árvores sejam derrubadas e a construção de até 11 torres habitacionais sejam levadas à cabo ali pela bilionária construtora Tenda, sob os duvidosos e criticados caminhos que o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) tomou nos últimos anos. A Tenda está com 69 obras em andamento em regiões metropolitanas, mais da metade do que tinha no ano anterior, e registrou vendas líquidas de 2 bilhões em 2019, como informa apurada matéria de 2 de janeiro de 2020, publicada no site De Olho nos Ruralistas. Entre os principais acionistas da Tenda estão a AMBEV, de Jorge Paulo Lemann, e o Banco Itaú.
A ação da Tenda, a 200mts da T.I. Guarani no Jaraguá, onde vivem os Guaranis Mbya e Ñandeva, acabou por trazer à tona práticas fraudulentas, desrespeito total à leis federais de proteção ao povo indígena, como Portaria Interministerial 060 de 2015 e a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 1989, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 junho 2002, garantindo que qualquer tipo de ação do Estado que venha ferir comunidades indígenas qualquer forma, causando qualquer tipo de impacto, tem que haver uma consulta prévia, livre e informada, de boa fé.
O povo Guarani teve acesso, também, a documentos de interpretação viciada pela Tenda, como o da FUNAI, quando disseram aos Guaranis que a fundação havia autorizado a construção, o que é uma inverdade. Todas as provas e ações de má fé da TENDA estão expostas nessa matéria, publicada pelo Jornalistas Livres em 3 de março > Entenda a Luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP. Quando funcionários da Tenda procuraram os Guaranis, foi para simplesmente dizer que estava-tudo-acertado-só-estamos-aqui-para-informar-vocês.
Líder Guarani fala no evento do dia 7 de março sobre os porquês da ocupação.
No final do evento do dia 7 de março na ocupação do povo Guarani no Jaraguá-SP, Thiago Henrique falou para as centenas de pessoas que lá foram para apoiar a resistência dos índios na região.
“Primeiro queremos agradecer a vinda de todos vocês aqui.
É muito importante as pessoas entenderem a luta dos povos indígenas.
Não é uma luta simplesmente contra a Tenda ou a Prefeitura. Nossa luta é em defesa da Mãe Terra, em defesa da Fauna e Flora, é em defesa do cinturão verde de São Paulo.
Esta área, onde a Prefeitura deu de mão beijada para um crime ambiental.
Juntos, vamos vencer essa luta.
É importante que cada um de vocês que está aqui hoje possa entender o que aconteceu pra gente chegar até aqui, quais são os motivos de estarmos aqui, o porquê de estarmos resistindo.
Não vamos fugir, porque somos a resistência desde que chegamos aqui.
Falamos para a Tenda, para a Polícia, para o Jurídico, que nõs estamos aqui em luto, porque a Tenda derrubou mais de 500 árvores sem ter respeito algum pelo meio ambiente.
Nós estamos aqui para pedir perdão para essas árvores, pedir perdão pelo que o diruá (branco/não índio) fez, por não nos deixarem fazer nosso luto.
Então, nosso luto virou luta!
E não importa se a PM virá, se vai jogar bomba, se a juiza virá mandar prender, não importa se o diruá quer fazer de todas as formas o empreendimento aqui.
O que importa é que cada um de nós vai defender esse território, que nenhuma árvore aqui vai ser tombada com um guerreiro de fé.
Todos nós somos guerreiros.
Todos nós somos responsáveis – nós temos a responsabilidade de defender a Mãe Terra, porque sem ela a gente não vive.
Aqui é um pedacinho da Mata Atlântica, que a Tenda comprou para desmatar, para matar os animais e acabar com a Fauna e a Flora que tem nessa região.
Aqui é Mata contínua do Pico do Jaraguá.
Os nossos animais silvestres usam todo esse espaço.
As abelhas nativas, que nós criamos na aldeia, migraram para cá.
Nós fizemos um trabalho para fortalecer o meio ambiente e agora o diruá, o espírito bandeirante, chega achando que vai fazer uma catástrofe e vai sair ileso disso.
Mas nós não vamos deixar.
Existimos há mais de 500 anos. Nós existimos e não vamos deixar de existir.
Tenham fé.
Esqueçam o modo de vida do branco e traga para o coração de vocês o modo de vida da Floresta.
Que cada um de vocês se torne um guardião da Floresta.
A Amazônia é aqui também.
A Mata Atlântica está aqui também.
A Fauna, a Flora, os animais, estão aqui também.
O espírito está aqui também.
Se o diruá continuar desmatando, se continuar fazendo da terra um papel, o dinheiro, não vai adiantar chorar quando tiver enchente, deslizamento, desmoronamento, ficar colocando na rede social que está triste porque uma árvore caiu em cima de um carro, porque alguém foi pego em um raio ou em um alagamento. Porque a Natureza não vai olhar para quem ela vai atingir, ela só vai responder que está sofrendo.
A Terra é como um corpo, é nossa Mãe. Se a gente fizer uma ferida nela, ela vai infeccionar, e vai tentar reagir para se curar.
Só que as bactérias que estão ferindo a Terra são o próprio ser humano, que está criando um tumulto, que está usando de sua ganância para acabar com a Natureza.
Que cada pessoa que está aqui assistindo entenda que não precisa esperar acontecer uma catástrofe para tomar uma atitude.
A Tenda veio aqui e aterrou um lago, colocou um monte de entulho no lago.
Fomos nós que limpamos aquele lago, onde as crianças hoje estavam tomando banho.
Aquele entulho vai parar aonde? Nos córregos e quando chover vai alagar.
A Tenda fala que quer fazer conjunto habitacional para o pobre, que nós estamos contra o pobre, que ela quer favorecer o pobre.
Quero saber se a Tenda está lá, com o pobre, na hora que tiver um alagamento. Não vai estar!
Quero saber se a diretora da Tenda vai morar aqui. Não vai morar!
Simplesmente veem apenas o lucro e querem colocar as pessoas contra a gente.
Nesse momento era para a população do entorno – dos coletivos, as pessoas que moram na Vila Clarice, no Jaraguá, em Pirituba, na região – estarem fazendo a resistência aqui com a gente.
Essa responsabilidade não é so com o Guarani.
Cada um de vocês tem o espírito da Floresta, cada um de vocês tem a força da Mãe Natureza e é um guardião também.
Essa luta é de todos nós.”