Com menos de um ano para a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em novembro de 2025, em Belém, Pará, lideranças indígenas defendem a participação e o protagonismo dos povos originários neste evento global, que será palco de decisões importantes para a preservação ambiental. O conhecimento originário sobre a natureza, transmitido de geração em geração nas aldeias, é muito importante para o enfrentamento às mudanças climáticas. Os territórios ancestrais funcionam como reservas ambientais, pois a conservação da biodiversidade está integrada à cultura indigena. Logo, a demarcação de terras indígenas surge também como uma estratégia no combate à crise climática, que já afeta não só o Brasil, como o mundo todo
A crise climática tem se agravado de forma preocupante nas últimas décadas, impactando gravemente o meio ambiente e a vida humana. Segundo o Relatório Especial sobre o Aquecimento Global de 1,5°C do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as emissões globais de gases de efeito estufa precisam ser reduzidas em 45% até 2030 para limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. A destruição das florestas, como a Amazônia, libera grandes quantidades de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera, provocando o efeito estufa. Além disso, o desmatamento reduz a capacidade de absorção de carbono das árvores, intensificando o aquecimento global e seus impactos, como eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade. Agora, com o aumento das temperaturas médias globais, os eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas prolongadas, enchentes e furacões mais intensos, têm ocorrido com maior frequência.
Em 2023, o Brasil perdeu cerca de 10.000 km² de floresta amazônica, o que equivale a mais de 1 campo de futebol por minuto. O desmatamento na região aumentou 21% em relação ao ano anterior, agravando a crise ambiental e climática – Foto: Alez Pazuello/Secom
Pensando nisso, a COP30, que será realizada no Brasil em 2025, tem como objetivo principal reforçar o compromisso global no combate à crise climática, com foco na implementação de ações concretas para limitar o aquecimento global, conforme estabelecido no Acordo de Paris. A conferência busca promover o fortalecimento das políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa, a participação das nações em suas metas climáticas, e a construção de soluções para adaptação e prevenção dos impactos das mudanças climáticas. O evento também visa integrar esforços de governos, empresas e sociedade civil para enfrentar os desafios ambientais de forma mais eficaz, com destaque para a preservação dos biomas, como a Amazônia, e o financiamento de projetos climáticos sustentáveis.
30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), o maior evento de clima do mundo, ocorrerá no Brasil em novembro de 2025, em Belém, Pará
O conhecimento ancestral sobre plantas, animais e ciclos naturais é transmitido de geração em geração. Esse saber é muito importante para a sobrevivência e adaptação às mudanças do ambiente. Apesar das pressões externas, como a exploração econômica e a destruição ambiental, muitos povos indígenas mantêm sua ligação com a natureza, adaptando-se e resistindo para preservar suas culturas e o meio ambiente. É necessário que todos reconheçam a importância dos povos indígenas na contribuição da biodiversidade, uma vez que eles constroem nas aldeias um repertório de luta pela proteção das florestas.
Foto: Reprodução – Conservação Internacional
A ideia é que a força do movimento indígena brasileiro seja usada estrategicamente na COP30. Este protagonismo dos povos originários em eventos globais, incluindo a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, é fundamental para avançar em pautas inegociáveis para os povos indígenas, como a demarcação de terras. Este tema é frequentemente discutido devido à inconsistência de uma tese, que já deveria ter sido encerrada com a definição do STF em 2023 sobre a inconstitucionalidade do marco temporal. Este processo moroso prejudica diretamente os indígenas brasileiros que clamam por suas terras originárias e de direito, territórios ancestrais ocupados há muito tempo antes de 1500, quando os colonizadores chegaram ao Brasil.
As terras indígenas funcionam como reservas ambientais de preservação à natureza
A inconstitucionalidade do marco temporal
Em 2023, o STF decidiu derrubar a tese do marco temporal com um placar de 9 a 2 em favor dos povos indígenas. Limitar os direitos dos povos indígenas à data da promulgação da Constituição de 88 é uma agressão aos povos originários e uma ilegalidade constitucional, por isso o STF não aceitou esta tese do marco temporal.
Em dezembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou um Projeto de Lei que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, contrariando a decisão do STF tomada em setembro do mesmo ano. Nessa decisão, o STF deu ganho de causa ao povo Xokleng, de José Boiteux, em Santa Catarina, em um caso contra o Estado que queria retomar uma área indígena.
O STF, ao decidir a favor dos Xokleng, o STF reconheceu que as terras pertencem aos povos indígenas por sua história e ancestralidade, sem a necessidade de um marco temporal. Logo, a decisão do STF foi vista como uma derrota para a tese do marco temporal, pois deixou claro que os povos indígenas têm direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independentemente da data de ocupação.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Apesar disso, o Congresso, ao aprovar o Projeto de Lei em dezembro, desconsiderou essa decisão do STF e tentou instituir o marco temporal por meio da legislação, o que ameaça os direitos territoriais dos povos indígenas. A Lei 14.701, sancionada em outubro de 2023, teve um veto parcial do presidente para se alinhar à decisão do STF, mas isso foi rejeitado pelo Congresso.
Em 22 de abril de 2024, o ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos judiciais relacionados ao tema até que o STF tome uma decisão final. Contudo, essa suspensão não se aplica aos processos administrativos de demarcação de terras indígenas. A tensão entre os direitos indígenas e os proprietários de terras ainda é um assunto delicado e muito debatido no país.
Brasília (DF), 30/08/2023, Manifestação de Indígenas contra o marco temporal, na Esplanada dos Ministérios. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
De acordo com o próprio ministro Gilmar Mendes, a principal preocupação não seria a existência de um marco temporal, mas a criação de garantias jurídicas, como a rapidez na solução do processo, a saída dos ocupantes apenas após a indenização e o pagamento de valores compatíveis com o mercado. As discussões começaram em 5 de agosto e estavam previstas para durarem até o dia 18 de dezembro, mas, por decisão do ministro Mendes, a mesa de conciliação foi prorrogada para fevereiro de 2025.
A Secretaria Nacional Indígena da CONAFER promove, de forma permanente, a preservação ambiental e a proteção dos direitos indígenas, por meio de ações de educação, combate às queimadas florestais, monitoramento de animais em risco de extinção e promoção de cursos sobre direitos humanos nas aldeias de todo o país. Além disso, a Confederação representa os indígena nas COPs, como a que ocorreu este ano em Baku, no Azerbaijão, e defende o marco ancestral contra a inconstitucionalidade do marco temporal, pois acredita que a proteção dos territórios indígenas é uma forma de preservar a biodiversidade contra a exploração.