O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quarta-feira (25) um acordo que assegura aos Guarani-Kaiowá a posse da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, em Mato Grosso do Sul. Pela decisão, a União pagará um valor milionário de R$ 144,8 milhões aos invasores da TI de 9 mil hectares, depois de décadas explorando e desmatando a área. Eles deverão deixar o local em até 15 dias. Após esse prazo, a população de 1,5 mil indígenas poderá reocupar o espaço de forma pacífica.A região há décadas é alvo de disputas violentas entre indígenas e grileiros. A morte do jovem Neri Guarani Kaiowá, atingido por um tiro na cabeça no dia 18 de setembro, foi só mais um episódio desta luta entre os povos originários e os usurpadores de suas terras. Não é justo que se invada terra indígena para ser indenizado depois. Mas ao menos neste embate, em que a parte mais frágil é sempre o povo indígena, tem-se a oportunidade de entregar novamente aos Guarani-Kaiowá o que sempre lhes foi de direito ancestral

O ministro do STF, Gilmar Mendes, conduziu os trabalhos para o acordo que garante aos Guarani-Kaiowá a posse da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu

A Terra Indígena Ñande Ru Marangatu foi oficialmente destinada ao povo Guarani Kaiowá para usufruto exclusivo e permanente através da Portaria nº 1.456, de 30 de outubro de 2002, e homologada pelo Decreto Presidencial de 28 de março de 2005. Entretanto, a demarcação foi suspensa pelo STF, gerando um impasse. O acordo foi fechado em audiência convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator do processo sobre o caso. Participaram representantes dos proprietários, lideranças indígenas, integrantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Advocacia-Geral da União, do Ministério dos Povos Indígenas e do governo do Estado de Mato Grosso do Sul.

O Território Indígena Nhanderu Marangatu, invadido por posseiros da fazenda Barra, contavam com apoio armado da PM do Mato Grosso do Sul

Indenização

A União deverá pagar aos proprietários o valor de R$ 27,8 milhões a título das benfeitorias apontadas em avaliação individualizada feita pela Funai em 2005, corrigidas pela inflação e a Taxa Selic. O valor será viabilizado por meio de crédito suplementar. Os proprietários também devem receber indenização, pela União, no valor de R$ 101 milhões pela terra nua. O Estado de Mato Grosso do Sul deverá ainda efetuar, em depósito judicial, o montante de R$ 16 milhões, também a serem pagos aos proprietários. O total chega a R$ 144,8 milhões. O acordo prevê também a extinção de todos os processos em tramitação no Judiciário envolvendo a disputa da TI. Os processos serão extintos sem resolução de mérito.

A fazenda sobreposta as terras originárias dos Guarani-Kaiowá

A fazenda Barra, dos invasores, Pio Queiroz da Silva e Roseli Maria Ruiz, é o foco principal de um conflito envolvendo terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Localizada em uma área homologada como Terra Indígena desde 2002, a Barra esteve no centro da disputa judicial entre os grileiros e a Comunidade Indígena Guarani Kaiowá.

O processo judicial nos últimos anos era todo viciado e sempre em favor dos invasores. Roseli Maria Ruiz foi indicada como “especialista” para conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a polêmica Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023). Além disso, sua filha, a advogada Luana Ruiz, que ocupa um cargo no alto escalão do Governo de Mato Grosso do Sul desde janeiro de 2023, teve atuação em defesa dos pais na 1ª Vara Federal de Ponta Porã.

Em setembro de 2023, Luana Ruiz entrou com uma ação na Justiça Federal alegando ameaças de invasão por parte dos indígenas e solicitando a manutenção da posse da fazenda. Apesar de, inicialmente, o juiz federal Ricardo Duarte não ter identificado indícios suficientes para comprovar a ameaça, dias depois ele determinou à Polícia Federal que realizasse patrulhamento ostensivo na área. Para garantir a segurança, o juiz autorizou o auxílio da Polícia Militar, da Polícia Civil e da Força Nacional de Segurança, caso fosse necessário. O resultado destas ações inconstitucionais, incentivadas pela tese absurda do marco temporal, acabou naquilo que imaginávamos: agressões e mortes de indígenas, os verdadeiros donos das terras.

A inconstitucionalidade do marco temporal

Em 2023, o STF invalidou a tese do marco temporal, que estabelece como terra indígena só as ocupações registradas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, mas definiu indenização para ocupantes de boa-fé. 

Com a resposta do Congresso para manter a validade do marco temporal, o decano do STF determinou a suspensão de todos os processos que tratam da lei 14.701 de 2023 e a instauração de uma comissão especial com integrantes do Executivo e do Legislativo, além de representantes da sociedade civil. O caso é um exemplo dos complexos conflitos de terras que envolvem comunidades indígenas e proprietários rurais no Brasil, especialmente após a recente discussão sobre a Lei do Marco Temporal. A tensão entre direitos indígenas e proprietários de terras continua sendo uma questão delicada e amplamente debatida no país.

Neri Guarani Kaiowá foi assassinado com um tiro na cabeça, aos 23 anos, no Território Nhanderu Marangatu

Celebração

Por pedido dos indígenas, foi discutido e incluído no acordo por consenso com os proprietários uma cerimônia religiosa e cultural no local de falecimento de Neri Guarani Kaiowá. O ato contará com a presença de 300 pessoas da comunidade indígena neste sábado, 28 de setembro, das 6h às 17h. A Funai e a Força Nacional acompanharão o evento.

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