Neste mês de dezembro, o Instituto Serrapilheira divulgou um estudo que revela que as terras indígenas da Amazônia influenciam as chuvas que abastecem 80% da área das atividades agropecuárias no país. Segundo os dados, pelo menos 18 estados e o Distrito Federal fazem parte da área de influência de terras indígenas amazônicas. Além disso, as chuvas vindas destes territórios originários também ajudam diretamente para a segurança alimentar do Brasil, pois a participação da agricultura familiar no valor da produção total supera 50% em vários estados influenciados. Na prática, a Amazônia contribui com as chuvas de grande parte do país por meio dos chamados “rios voadores”, que levam a umidade gerada nas florestas das terras indígenas da Amazônia pelo ar, transformando-se em chuva em outras regiões brasileiras

Os rios voadores, também conhecidos como rios verticais, são correntes de umidade formadas pela evaporação da água das florestas, especialmente da Amazônia, que são transportadas para outras regiões do Brasil e até para países vizinhos. Esses “rios” são feitos por grandes volumes de vapor d’água que se movem através da atmosfera, carregados pelos ventos. Quando essa umidade se condensa, resulta em chuvas em outros territórios brasileiros. Todos os dias, a floresta Amazônica transpira 20 bilhões de toneladas de água, carregadas em forma de vapor pelos rios voadores. Este evento natural depende em grande parte das terras indígenas, por serem áreas de preservação ambiental elas têm um papel muito importante para o ciclo das águas e para a manutenção do clima e da vegetação no país. 

As regiões do Centro-Oeste, Sudeste e Sul dependem das chuvas vindas dos “rios voadores” para a agricultura, o abastecimento de água e o equilíbrio ambiental – Foto: Reprodução/Documentário “Os rios voadores da Amazônia”

De acordo com o Instituto de Pesquisas Tropicais do Serapilheira, 80% das áreas de produção agrícola e pecuária no país dependem das chuvas formadas nas terras indígenas da floresta. A pesquisa acompanhou o caminho das partículas de chuva desde sua origem nas terras indígenas até os locais onde elas se transformam em precipitação. O estudo ainda mostra que os nove estados que mais recebem água dessas terras indígenas geraram, juntos, R$338 bilhões em 2021, o que corresponde a cerca de 57% da renda agropecuária nacional.

A agricultura familiar é uma prática cultural das aldeias indígenas, que são também responsáveis pela preservação do meio ambiente – Foto: Fundação Nacional dos Povos Indígenas/Gov

As terras indígenas da Amazônia frequentemente são alvos do desmatamento. Os dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), revelam que as florestas desmatadas nos três primeiros trimestres de 2023 chegaram a 1.300 campos de futebol por dia, estando acima do registrado em alguns anos anteriores a 2017. Para efeito de comparação, há 10 anos, em 2013, a área florestal afetada pelo desmatamento de janeiro a setembro foi de 1.008 km², o equivalente a 370 campos de futebol por dia. Em meio a este cenário, o Brasil ainda enfrenta uma seca extrema, o que prejudica ainda mais as atividades de agropecuária, que são responsáveis por 22% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios, as crises climáticas já causaram perdas de R$ 287 bilhões no setor agropecuário nos últimos dez anos. Apesar de Rondônia e Mato Grosso serem grandes produtores agrícolas e pecuários e dependerem da água das terras indígenas, estes estados estão entre os que mais desmatam a Amazônia desde 1985.

Segundo o Terra Brasilis, Rondônia perdeu uma área equivalente a cerca de 87 km² hectares de floresta nativa em julho de 2023. A área desmatada é 422% maior do que o registrado do mês de junho do mesmo ano – Foto: PF/Reprodução

Hoje, as terras indígenas ocupam aproximadamente 23% da Amazônia Legal, ou seja, mais de 450 territórios com 403,6 mil indígenas. De acordo com o Instituto Serrapilheira, estas áreas indígenas atuam como barreira ao desmatamento. Entre 2019 e 2023, dos 4,4 milhões de hectares desmatados na Amazônia, apenas 3% (130,2 mil hectares) ocorreram dentro das terras indígenas. Isso acontece porque muitas das atividades nas TIs, como a agricultura familiar por exemplo, são realizadas de forma integrada ao ecossistema, preservando o meio ambiente e sem a necessidade de remover a vegetação nativa. Portanto, há uma relação intrínseca entre a proteção territorial de povos indígenas e a conservação da biodiversidade.

Foto: Mário Vilela/Funai

Cerca de 30% da chuva que cai nas áreas de agropecuária do Brasil vem dessa reciclagem de água nas Terras Indígenas. Logo, as chuvas nas TIs desempenham um papel muito importante para a segurança alimentar do país. A agricultura familiar, que abastece o mercado interno, tem 50% de sua produção em estados que recebem chuva proveniente dessas áreas protegidas como territórios indígenas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos consumidos no Brasil e gera emprego e renda.

O conhecimento ancestral sobre plantas, animais e ciclos naturais é transmitido de geração em geração nas aldeias indígenas. Esse saber é muito importante para a sobrevivência e adaptação às mudanças do ambiente. Apesar das pressões externas, como a exploração econômica e a destruição ambiental, muitos povos indígenas mantêm sua ligação com a natureza, adaptando-se e resistindo para preservar suas culturas e o meio ambiente. Fica claro que as terras indígenas contribuem não só para a preservação do meio ambiente, como também para a segurança alimentar do país, com a prática da agricultura familiar dentro dos próprios territórios e com o apoio para a conservação da umidade e dos “rios voadores”, que levam 80% das chuvas para outras regiões, contribuindo para a agropecuária brasileira. 

A Secretaria Nacional Indígena da CONAFER promove, de forma permanente, a preservação ambiental e a proteção dos direitos indígenas, por meio de ações de educação, combate às queimadas florestais, monitoramento de animais em risco de extinção e promoção de cursos sobre direitos humanos nas aldeias de todo o país. Além disso, a Confederação apoia a agricultura familiar nas aldeias e defende o marco ancestral contra a inconstitucionalidade do marco temporal, pois acredita que a proteção dos territórios indígenas é uma forma de preservar a biodiversidade contra a exploração. Os dados do Instituto de Pesquisas Tropicais do Serapilheira desta pesquisa inédita reforçam ainda mais a importância dos territórios indígenas para o meio ambiente, para o combate da fome e para a economia nacional. 

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